-
Título
-
LANA DE SOUZA CAVALCANTI
-
Nome Completo
-
LANA DE SOUZA CAVALCANTI
-
Nascimento
-
14 de Março de 1957
-
História de Vida
-
A DOCÊNCIA E O ENSINO DE GEOGRAFIA: EIXOS CENTRAIS DE UMA TRAJETÓRIA DE VIDA E DE PROFISSÃO
Lana de Souza Cavalcanti
MINHA HISTÓRIA: PORQUE CONTÁ-LA
Nos últimos anos, em razão de meu tempo de trabalho e de minha idade, tenho tido oportunidade de retomar lembranças de momentos diferentes da minha vida. Uma delas foi a escrita de um memorial para o concurso de Professora Titular na Universidade Federal de Goiás, em 2015, quando pontuei marcos da minha trajetória profissional e de formação. Após esse momento, recebi um convite para escrever um artigo sobre minha história de professora, para um livro publicado com a organização da professora Jussara Fraga Portugal. E, neste momento, faço um novo relato da minha história de vida e de formação, motivada pelo convite que me fizeram, a professora Joseli Maria Silva e Tamires Regina, para escrever autobiografia para compor o Observatório da Geografia Brasileira. Agradeço a vocês por essas oportunidades de reunir coisas da minha vida, do meu passado, em relatos que me permitem fazer um balanço e seguir em frente. Bom, estou mesmo ficando velha e acumulando histórias para contar. Nessas narrativas que fiz estão muitos eventos repetidos, entrelaçados, mas em cada texto, pelo tipo de demanda que os originaram, pela subjetividade de cada momento, percebo que a narrativa é diferente, talvez porque privilegie alguns episódios em detrimento de outros, o que reforça a ideia de que um relato é sempre uma leitura, uma interpretação datada do fato, real ou imaginário, relatado.
Não tenho uma trajetória de vida marcada por fatos e eventos extraordinários, ao contrário, minha história é comum, feita de pequenos e seguidos momentos de escolhas, de renúncias, de realizações, de perdas, de ganhos. Minha história é como a de muitas pessoas do meu tempo, da minha geração. Então, me pergunto: vale a pena contá-la? Não sei dizer ao certo. Acho que vale, não pelo extraordinário, mas por expor uma história que pode ser como a de muitas pessoas, tantas mulheres, trabalhadoras, lutadoras em busca de coisas que acredita e, felizes por conseguirem realizar, construir, produzir objetivamente sua própria vida. Então, não esperem relatos edificantes, mas uma narrativa de vida construída a cada passo e a cada decisão, em conjunto com parceiros da vida, do trabalho, dos projetos.
MINHA FORMAÇÃO: COMO PESSOA E COMO PROFISSIONAL
Eu nasci em 14 de março de 1957, em uma cidade pequena do interior de Goiás, Piracanjuba, distante 80 km de Goiânia, e que hoje tem cerca de 30 mil habitantes. Lá cresci junto aos familiares da minha mãe e a outros muitos conhecidos dos meus pais. Embora a família da minha mãe fosse de origem rural, ela, como filha caçula de 13 irmãos, estudou parte do tempo na cidade e tinha aversão ao mundo “da roça”. Casou-se com meu pai aos 21 anos, um advogado de 32 anos, irmão do então prefeito da cidade, que veio de outra cidade. Meu pai era natural de Pires do Rio, cidade próxima de Piracanjuba, filho de comerciante e de uma família conhecida da cidade. Estudou em Uberaba e depois fez direito no Rio de Janeiro. Seu mundo também era urbano, desde que se entenda como urbano o modo de vida das pessoas que viviam nas pequenas cidades do interior de Goiás, nas décadas entre 1920 e 1960. Meus pais tiveram 5 filhos, sendo eu a terceira mulher, seguida por dois homens. Em Piracanjuba vivi até os 8 anos, quando nos mudamos, toda a nossa família, para Goiânia, a capital do Estado. No entanto, tive a influência daquela cidade e de sua cultura por mais alguns anos, pois era ali que passava as férias no meu tempo de adolescência e juventude, convivendo com os parentes mais próximos: avós, tios, primos e amigos que ali fizemos.
Desse período da infância e adolescência, poderia destacar muitas coisas que ainda hoje carrego em mim, como lembranças, mas também como marcos da minha personalidade. Uma delas, a cultura urbana muito influenciada pelo rural: não gosto especialmente da vida rural, de estar no meio do mato, essas coisas, fui e sou tipicamente uma pessoa de classe média urbana, que gosta do barulho, do asfalto, dos carros, dos confortos das casas e apartamentos em cidades, dos aparelhos domésticos, das comidas produzidas industrialmente. Mas, ao mesmo tempo, tenho muitos gostos de infância que me atraem demais até o presente: comidas como pequi, pamonha, milho cozido, assado, e frutas como jabuticaba, manga, goiaba, tamarindo, caju. Gosto, não só de cada sabor desses alimentos, mas também de todo o ritual que envolve a colheita, o fabrico e também a sua própria degustação quando está pronto. Minha infância foi marcada por esses alimentos, que em minha lembrança sempre se misturam aos momentos de lazer, pois enquanto os pais elaboravam as comidas, os filhos (amigos e primos) se juntavam e iam brincar, e em alguns momentos ajudavam também em etapas do preparo da comida. Das brincadeiras, lembro-me especialmente daquelas coletivas que ocorriam ao ar livre, nos quintais ou mesmo na rua da minha casa, a “queimada”, o “bete”, o pique-esconde, o pique-pega, o pular cordas, entre outras.
Outro aspecto de minhas lembranças do período em que vivi em Piracanjuba foi minha escolarização. Nada especial, mas foram momentos marcantes. Fui aluna do Grupo Escolar da cidade. Era uma boa aluna, sempre muito “comportadinha”, acredito que não dava trabalho aos meus pais para estudar os “pontos” para as provas, por exemplo. E, associado a esse período de escolarização, considero que o ambiente em casa marcou indelevelmente minha trajetória escolar. Minha mãe era, como se dizia na época, “dona de casa”, ou seja, não trabalhava fora. Mas, tinha sempre alguém para fazer os trabalhos domésticos e ela fazia a parte de administração. Meu pai era o provedor, o trabalhador, tinha 3 atividades profissionais diferentes, segundo ele, para conseguir dar um bom padrão de vida para a família. Ele exercia a advocacia, era sócio de uma pequena fábrica de manteiga e era professor. Um homem conservador, de moral rígida, mas bastante amado e admirado por todos. Era um homem muito culto, desses que eram fonte de pesquisa de muita gente, em todos os assuntos. Esse fato ocorria em um momento em que a consulta aos mais estudados e mais velhos, em contextos como esse de cidade pequena no interior de Goiás, era muito importante para a formação, principalmente dos jovens e crianças da sociedade. Na época, não havia televisão, não havia internet, e as enciclopédias não eram comuns, não eram de fácil acesso.
Então, eu cresci vendo muitas pessoas, em geral jovens, visitando nossa casa para conversar com meu pai sobre uma dúvida qualquer de conhecimento, e principalmente de escola. Meu pai, mesmo sem formação específica para o magistério, era professor de diferentes matérias, português, matemática, ciências, no “ginásio” da cidade, além de ser também seu diretor por muitos anos. Essa referência foi muito importante, creio, para minhas primeiras imaginações profissionais. Eu queria ser cientista ou professora, afinal era isso que via meu pai fazer rotineiramente: lecionava, preparava as aulas, lia, recebia em casa pessoas para consultas da escola ou de advogado e, nos momentos de folga, ainda o via inventar coisas: ele construía aparelho de rádio como robe. E em minhas brincadeiras eu era frequentemente professora.
Na juventude, morando em Goiânia, tive pouca experiência e aventuras independentes, afinal era filha de um pai rígido que mantinha o cotidiano de suas filhas sob seu controle, sem muita liberdade para saídas, para festinhas, para viagens. Mesmo assim, namorei muito às escondidas, frequentei algumas festinhas e fiz umas poucas viagens. Tinha sempre grupo de amigas com quem compartilhava experiências, descobertas, angústias, dúvidas próprias de adolescentes e jovens. Estudei quase sempre em escolas públicas, pois eram escolas que ofereciam uma boa formação. No ensino médio, continuei na escola pública, mas, em 1975, fiz o preparatório para o vestibular em uma boa escola privada. Pensei, inicialmente, em fazer o curso superior de Farmácia, mas era difícil passar, pois a concorrência era muito grande e, então, decidi fazer licenciatura em Geografia, por gostar da matéria, por influência do meu pai, que continuava exercendo a docência em Goiânia, e de uma prima que havia feito esse curso. Naquela época já gostava de ser professora, havia tido experiências ocasionais de dar aulas de reforço para algumas crianças com dificuldades de aprendizagem, o que havia me proporcionado muito prazer. Mas, a escolha do curso não foi uma decisão muito consciente e fundada num ideal. Na verdade, foi mais pragmática. Queria garantir minha aprovação no vestibular, porque meu pai havia presenteado minhas irmãs mais velhas com viagem ao Rio de Janeiro, quando foram aprovadas no vestibular, e eu queria ser também contemplada com esse presente. Mas, como sempre digo para meus alunos: eu poderia ter cursado Farmácia, e provavelmente hoje seria uma professora de alguma matéria nessa área.
Fiz minha graduação em Geografia – Licenciatura, no período de 1976 a 1979, na Universidade Federal de Goiás- UFG. Era um período de muita repressão política ainda, a ditadura militar estava ainda sendo “desmontada”, o projeto de anistia para os militantes do movimento contra a ditadura estava em curso. E, assim como no ensino médio, a estrutura dos cursos havia passado por reformas, o clima era de despolitização e de racionalização das atividades. No início, então, havia algumas matérias básicas que eram feitas juntamente com alunos de outros cursos. As discussões e as leituras que questionavam a política dominante no país eram desencorajadas, mas muitas eram realizadas na clandestinidade.
Ainda no primeiro ano do curso fui convidada por meu antigo professor do preparatório do vestibular para dar aulas na mesma escola em que eu havia sido aluna. Aceitei o desafio, mas com muita insegurança, afinal ainda estava somente iniciando minha formação. Era uma escola de orientação tecnicista, voltada para preparar para o vestibular, como já disse. Trabalhei nessa escola por um ano e em seguida fui para outra escola com a mesma orientação pedagógica, e ali trabalhei até o final da minha graduação. Aceitei trabalhar com pequena carga horária, pois queria priorizar meus estudos. Além do mais, havia me casado no início do ano de 1979, e, também, precisava me dedicar às demandas de uma jovem mulher casada aos 22 anos. Já nesse período comecei a me acostumar com o acúmulo de funções e de atividades rotineiras como: mulher, dona de casa, professora, aluna e monitora do curso. Conseguia me organizar bem com esses diferentes papéis que desempenhava. Essa primeira experiência de trabalho formal, dos 18 aos 20 anos, foi importante para reafirmar meu gosto pela docência, apesar de não me adaptar com a orientação pedagógica das duas escolas, gostava muito de estar em sala de aula, em trabalho junto aos alunos.
No início, o curso de graduação era marcado por uma Geografia tradicional, com muita memorização e muita informação fragmentada. Mas, já se inseriam orientações diferentes, que hoje entendo como representando a coexistência de diferentes orientações teóricas que marcaram uma transição na Geografia brasileira, nas décadas de 1970/1980: uma mais clássica, outra mais técnica - a New Geography, voltada sobretudo à pesquisa e ao planejamento e outra de orientação crítica, predominantemente marxista.
Naquele contexto, foram muitos os bons professores que contribuíram para minha formação, mas destaco três deles, por terem mostrado uma Geografia nova, dinâmica, fecunda: Tércia Cavalcante, Antônio Teixeira Neto e Walter Casseti. Os três foram referências importantes naquele momento para renovar o curso, com novos referenciais, novas teorias e novas práticas. A professora Tércia era professora de Geografia Regional e contribuiu muito com suas maneiras de ministrar as aulas, provocando o debate, e pelas leituras que indicava, explicando teoricamente a Região com os referenciais do marxismo e com a teoria do desenvolvimento desigual e combinado. O professor Neto era professor de Cartografia. Com ele aprendi a refletir sobre o significado e a finalidade da representação cartográfica, e de como realizá-la tendo em conta que se trata de uma linguagem, que para ser vista e bem analisada é importante atentar-se para a lógica de seus símbolos: a semiologia gráfica. O professor Walter era professor de Geografia Física, Geomorfologia. Ensinou-me a não só apreender as classificações (complicadas) do relevo, mas também a compreender os processos dinâmicos de sua formação (explicava a dinâmica das vertentes), destacando-se neles o papel da ação antrópica. Esses professores e a atuação que pude ter como monitora no departamento durante três anos de minha formação propiciaram uma formação consistente e crítica na área. Destaco também as referências teóricas naqueles anos: de Milton Santos, que visitou o curso em 1979 para divulgar seu livro Por uma Geografia Nova, e de Yves Lacoste, com o livro (que líamos em xerox) A Geografia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. A leitura e a discussão dessas obras, entre outras, marcaram minha formação.
Esses elementos da formação foram importantes na constituição inicial de uma proposta de atuar com uma Geografia Crítica, com orientação marxista e voltada para a compreensão das contradições e desigualdades sociais. Tal proposta não coadunava com a empreendida pelo colégio em que eu, naquele tempo, trabalhava. Em razão dessa falta de identificação com as práticas pedagógicas do colégio, eu me demiti no final de 1979, justamente quando concluía meu curso.
Logo após a conclusão de minha graduação, no início de 1980, uma colega muito querida, que também havia sido monitora do departamento, me convidou para trabalhar em um órgão de planejamento do Estado – Instituto de Estudos Urbanos e Regionais - INDUR. Aceitei e comecei a trabalhar, em 1980, com essa colega – Neli Aparecida do Amaral – que coordenava a equipe de cartografia desse órgão. Nele trabalhei como técnica em planejamento até 1988, atuando em equipes diferentes: primeiramente na cartografia, elaborando o mapa do Aglomerado Urbano de Goiânia, que reunia a capital do Estado e os municípios limítrofes, delineando o que viria a ser o embrião da Região Metropolitana; após realizar esse trabalho, atuei na equipe de análise e aprovação de loteamentos urbanos na área de expansão da cidade e também na equipe que realizou um estudo para propor uma regionalização para Goiás, para fins de planejamento. Todo esse trabalho era muito relevante para o desenvolvimento social e econômico do Estado e da sua capital, porém, era muito decepcionante assistir às ingerências políticas que nele ocorriam. Na maioria das vezes, sem critérios técnicos, os políticos decidiam os projetos que poderiam ser realizados e os que seriam “engavetados”.
Nesse período, tive uma pequena experiência de ensinar em escola pública, com contrato temporário, visando perseguir meu interesse maior na profissão, que era pela docência. Enquanto trabalhava no INDUR, também tive meus três filhos, André, Diogo e Lucas, que têm hoje 40, 38 e 34 anos, respectivamente. Sempre conciliando trabalho de jornada integral e a responsabilidade com minha casa e com a criação dos filhos, me organizando nos horários para garantir os tempos mínimos necessários para dar atenção a eles. Meu marido viajava muito a trabalho e na maior parte do tempo eu tinha de cuidar de tudo sozinha, com a ajuda de uma empregada doméstica (tive algumas, sempre permanecendo por muitos anos em minha casa, mulheres guerreiras, ótimas, confiáveis e muito amáveis com meus filhos). Em função dessas demandas, era rígida com meus horários, com minha rotina, saía de casa logo cedo para trabalhar, mas sempre voltava para almoçar e, no final do dia, ia diretamente para casa, não me permitindo muito ter vida social e lazer fora da família. Tinha, portanto, uma vida limitada ao mundo particular e imediato, mas sempre atenta ao que acontecia na sociedade, na administração pública, nos níveis federal, estadual e municipal, e sempre sensível aos atos de injustiça social, de corrupção, de não reconhecimento dos direitos dos cidadãos. Nessa época, mesmo com esses limites que apontei, realizei, entre 1985 e 1986, um curso de especialização em Planejamento Urbano e Regional, ofertado pela UFG, com a finalidade de me aperfeiçoar na profissão.
Em 1986, com meu filho caçula com apenas um mês, fiz um concurso e fui aprovada para professora efetiva na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Assim, iniciei minha atuação profissional como professora do Ensino Superior, logo que fui contratada no final desse mesmo ano. Inicialmente conciliei essa atividade com a outra, de técnica em planejamento, mas assim que foi possível, solicitei um regime de dedicação exclusiva na Universidade e deixei o trabalho no INDUR, podendo me dedicar mais à nova atividade. Na Faculdade de Educação, minha atribuição principal era a docência para as turmas de Estágio Supervisionado em Geografia. O Curso naquela época tinha a estrutura chamada de 3+1, ou seja, os alunos cursavam três anos de disciplinas de conteúdo específico (geográfico) e um ano (o último) de disciplinas pedagógicas, entre as quais estava o Estágio Supervisionado.
No primeiro ano como professora da Faculdade de Educação, estava ainda em adaptação quando surgiu a oportunidade de prestar a seleção para cursar o mestrado no meu próprio local de trabalho. Fui aprovada e realizei, assim, o Mestrado em Educação Escolar Brasileira, no Programa de Mestrado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, no período de 1987 a 1990. A realização do Mestrado foi particularmente importante para mim. Meus limites em casa, embora comuns, eram muitos, pois os filhos ainda pequenos me requeriam atenção todo o tempo. Com as demandas postas, aprendi a estudar, como sempre brinco com meu caçula, com um bebê no meu pescoço, não desperdiçava nem um minuto de tempo livre. Nesse período, fiz um curso livre de filosofia (aos sábados à tarde), que objetivava formar quadros para o partido comunista, com os fundamentos marxistas. Esse curso me ajudou muito na leitura de Marx e de marxistas, o que, por sua vez, me ajudou a compreender as leituras indicadas na pós-graduação. O Mestrado era um curso bastante exigente (eu era da segunda turma de um recém aprovado programa de pós-graduação, que buscava obter boa avaliação entre os pares e junto à Capes), tinha muitas leituras, debates em sala de aula e trabalhos monográficos para fazer. Considero que esse foi um momento marcante de meu amadurecimento e autonomia intelectual. Ele propiciou momentos significativos de crescimento profissional e, também, pessoal, o que resultou em revisões quanto a valores e projetos de vida. Durante sua realização, fiz amizades e interlocuções com colegas queridos, muitos dos quais ainda hoje tenho contato e parceria, de trabalho e de vida. Destaco, entre eles, minhas amigas Sandramara, Dalva, Verbena (já falecida) e Maria Augusta.
Em 1989, me divorciei e, além de todas as dificuldades comuns de conciliar família e trabalho, passei a lidar com dificuldades com meu pai, que não aceitava a separação, dificuldades financeiras e de logísticas quanto aos cuidados com a casa e os filhos. Mas, segui em frente, conseguindo superar os desafios apresentados a cada dia, mesmo com meus limites.
Terminei o mestrado em março de 1990, com a dissertação intitulada “O ensino de Geografia em escolas de ensino fundamental de Goiânia”, uma pesquisa que teve como foco a busca de metodologias de ensino de Geografia mais críticas, evidenciadas na prática de professores do Ensino Fundamental. Em 1993, iniciei meu doutorado no Programa de Pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, no mesmo ano em que, por uma mudança na estrutura dos cursos de licenciatura da UFG, passei a ser lotada no Departamento de Geografia dessa Universidade. Ali trabalhei inicialmente com disciplinas pedagógicas, embora tenha ministrado outras como Geografia Regional e Geografia Urbana.
Nessa mesma época me casei pela segunda vez, com José Carlos Libâneo, que havia sido meu orientador de Mestrado. Com ele passei a dividir muitos projetos de vida, nossos filhos dos primeiros casamentos - ele tinha dois e eu três – nossos amigos, nossos colegas de profissão e, também, a compartilhar muitas preocupações políticas, pedagógicas e sociais. Até hoje tenho com ele uma maravilhosa, amorosa e real vida a dois: cada um tem seus projetos e caminhos pessoais e profissionais, mas compartilhamos nossas ideias, nossa concepção de mundo, nossa casa, nossos filhos, nossos netos, que já são sete, e a família.
Terminei meu doutorado em 1996, com a tese “A construção de conceitos geográficos no ensino: uma análise de conhecimentos geográficos de alunos de 5ª. e 6ª. séries do ensino fundamental”, orientada por José Willian Vesentini. Fiz estudos seguindo a linha já iniciada no mestrado, firmando uma preocupação com a formação de professores de Geografia e sua orientação pedagógica, formulando minha compreensão dos fundamentos de um método dialético no ensino de Geografia, na linha histórico-cultural de Vygotsky, dando ênfase ao processo de formação de conceitos geográficos, a partir do encontro e confronto de conceitos cotidianos e científicos.
MATURIDADE INTELECTUAL E INSERÇÃO NA PRODUÇÃO GEOGRÁFICA BRASILEIRA
A tese que defendi no doutorado foi publicada como livro com o título “Geografia, escola e construção de conhecimentos”, em 1998, pela Editora Papirus. É uma editora bem conceituada e de boa circulação nacional, e propiciou uma ampla divulgação do meu trabalho, com várias edições até a atualidade, tornando-se uma referência do meu trabalho para muitos estudantes de graduação, de pós-graduação e de professores da rede básica de ensino. A partir da publicação desse livro, passei a ser convidada para palestras em várias partes do país, defendendo a proposta de um ensino crítico de Geografia, que buscasse uma aprendizagem significativa dos alunos. E, iniciei assim uma trajetória de pesquisadora, de intelectual que busca contribuir com a produção de fundamentos teóricos e práticos para a área do ensino de Geografia.
Voltei da licença concedida pela Universidade para o doutorado em 1996, quando o Departamento de Geografia havia crescido bastante e se transformado em Instituto de Estudos Sócio-Ambientais - IESA, oferecendo, além dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Geografia, o Mestrado em Geografia. Logo que retornei ao então Instituto, assumi uma disciplina obrigatória no Mestrado: Teoria e Método, e continuei a trabalhar com ela por muitas vezes, ora sozinha, ora em parceria com colegas. Além de ministrar essa disciplina obrigatória, a partir de 2002, até o momento atual, também passei a ministrar regularmente as disciplinas “Espaço urbano, Cidadania e Dinâmica Cultural” e “Formação de professores de Geografia”. Na graduação, continuei a trabalhar com as disciplinas pedagógicas. A docência nessas disciplinas foram fundamentais para meu amadurecimento intelectual, pelo contato com os alunos, que propiciou sempre muitos bons debates, pela preparação e pelas leituras exigidas para ministrá-las.
Com essas disciplinas e pelo meu perfil de formação e de atuação profissional fui delineando uma área de interesse de pesquisa e de orientação de alunos. Essa área é resultado da articulação de 3 fontes de reflexão: 1- minha experiência em planejamento urbano, 2- a Geografia Urbana, destacando como fontes teóricas básicas Henri Lefebvre, Milton Santos, Ana Fani A. Carlos e David Harvey, Edward Soja, 3- a área da educação e do Ensino de Geografia, orientando-me por autores da linha de Lee Semenovich Vygotsky, psicólogo russo do século XX, que investigou o desenvolvimento intelectual de crianças e a aprendizagem, com base na dialética.
Nesses mais de 30 anos de magistério, poderia destacar muitas atividades e muitos fatos, eventos, que me deram prazer em fazer e/ou participar, mas é um longo período e dele consigo relembrar alguns poucos. Um deles é a minha presença em sala de aula, uma imagem difusa, que se coloca em diversas situações, com diferentes grupos de alunos, em número e níveis de formação diferentes, mas sempre com um misto de tensão e prazer. Tensão por ter de estar em prontidão para saber o que fazer diante de qualquer circunstância colocada e prazer de poder estar com um grupo (geralmente de jovens) para ajudá-los em seu desenvolvimento intelectual, social e afetivo. O prazer era sempre maior que a tensão, esse prazer se estende enormemente em minha atividade de orientação, na graduação e na pós-graduação. Hoje já tenho contabilizado mais de 150 orientações concluídas em graduação (trabalho final de curso, iniciação científica, Programa de Educação Tutorial-PET), mestrado, doutorado e pós-doutorado, o que considero um número bem expressivo. Sempre exerci essa atividade com muita motivação, leveza, respeito mútuo e satisfação, procurando expor e defender meu modo de ver as coisas na Geografia, na profissão docente, na vida, mas sem impor esse modo a nenhum aluno, ao contrário, respeitando e incentivando a formulação de suas próprias ideias.
Embora tivesse que assumir muitas outras atividades em minha vida profissional, como coordenações da Graduação e Pós-Graduação, assessorias na administração superior da UFG, assessoria na CAPES, entre outras atividades, sempre dei prioridade à atividade de ensino, pois acima de tudo sou professora, e minha realização maior nessa profissão é o que posso fazer (pelo menos tento fazer) juntamente aos alunos.
Atuei também, entre os anos de 2006 e 2010, como coordenadora e professora do Curso de Docência no Ensino Superior, oferecido pela Pro-reitoria de Graduação da UFG. Nesses anos e em outras experiências subsequentes, conheci muitos professores que estavam ingressando na UFG, portanto representantes de uma “nova geração”. Com eles dialoguei, tive contato breve com seu trabalho de docência e pude ouvir seus depoimentos a respeito do que consideram seus principais dilemas, desafios e expectativas relacionadas ao exercício da profissão. Asseguro que esse contato foi bastante relevante para que eu pudesse continuar exercendo minhas atribuições. Embora não tenha me tornado uma especialista na área de Metodologia do Ensino Superior, que é um campo de investigação muito amplo e exigiria maior dedicação do que eu poderia ter, posso dizer que conheço um pouco a área. Percebo algumas das dificuldades da gestão acadêmica no âmbito das Universidades públicas, diante de um corpo docente que trabalha frequentemente de modo isolado, buscando intensamente “produzir” seu “lattes”, com inúmeras ocupações acadêmicas, que nem sempre tem identificação com a docência, que busca maior atuação na pesquisa e na pós-graduação. Ressalta-se que na Universidade, muitas vezes, os professores recebem maior incentivo para pesquisa e pós-graduação do que para a atividade docente, sobretudo na graduação. Para além disso, posso dizer que essa experiência profissional contribuiu significativamente para meu próprio amadurecimento como professora, fortalecendo minha convicção de que o exercício da docência é bastante complexo e exige uma formação específica, muito além do conhecimento da matéria a ensinar.
Articulada a essa dimensão do ensino, sempre dei também prioridade à atividade de estudo e pesquisa, pois para ensinar eu necessito estudar, estar atenta ao que se passa na sociedade, na escola, na academia. Entendo, assim, que as atividades investigativas são inerentes à docência. Na Universidade, e principalmente para os que concluem seus doutorados, a atividade de pesquisa tem uma relevância mais acentuada e por isso mesmo é institucionalizada em projetos, em submissão de aprovação e em financiamento pela própria instituição ou por outras agências de fomento. Nesse sentido, considero adequado salientar aqui a linha de investigação que fui tecendo ao longo de minha carreira, em coerência com as disciplinas ministradas na graduação e na pós-graduação e com as orientações que tenho feito. Para a tessitura dessa linha foram salientados, e tem sido ainda, alguns sujeitos, objetos e categorias. Os sujeitos sempre foram os professores de Geografia, em formação inicial ou os profissionais que já exercem sua docência na escola básica, e os alunos da escola de nível básico e seus processos de aprendizagem. Os objetos que posso mencionar como recorrente nas pesquisas que realizei e realizo são: os conteúdos e conceitos geográficos; as práticas docentes e seus métodos de ensinar; as práticas de formação profissional; os recursos didáticos, com destaque para os livros didáticos. E quanto às categorias, posso selecionar aquelas que dão norte às pesquisas: Geografia, pensamento geográfico, conceitos geográficos, docência, método de ensino, jovens escolares, cidade, espaço urbano, cidadania.
Na articulação entre esses elementos, foram delineadas algumas problemáticas de pesquisa, com o propósito de identificar seus fatores condicionantes e, também, potenciais de equacionamentos possíveis, dentro de um fundamento teórico de compreensão da realidade, o método dialético. Para exemplificar esses caminhos investigativos, destaco a seguir alguns projetos realizados mais recentemente por uma equipe de profissionais e alunos em formação, sob minha coordenação:
TÍTULO DO PROJETO
- Lugar e cultura urbana: um estudo comparativo sobre saberes docentes de professores de Geografia no Brasil (2004 - 2009)
- Elaboração de materiais didáticos temáticos sobre a área metropolitana de Goiânia (2007 - 2009)
- Tendências da Pesquisa sobre o ensino de cidade na Geografia e suas contribuições para a prática docente (2009 - 2012)
- Pesquisa colaborativa sobre demandas de produção Didática para o Ensino de Geografia na Região Metropolitana de Goiânia (2010 - 2013)
- Aprender a cidade: uma análise das contribuições recentes da Geografia Urbana brasileira para a formação de jovens escolares (bolsa produtividade) (2010 - 2013)
- Estrategias de formación del profesorado para educar en la participación ciudadana (2012 - 2014)
- Formação inicial de professores de Geografia: experiências formativas para atuar na educação cidadã (2012 - 2014)
- Jovens escolares e a vida urbana cotidiana: um eixo na formação de professores de Geografia (bolsa produtividade) (2013 - 2016)
- A mediação didática para o estudo de cidade e a formação de professores em Geografia: contribuições metodológicas para o desenvolvimento do pensamento teórico-conceitual sobre cidade e vida urbana (bolsa produtividade) (2016 - 2019)
- Ciência geográfica na escola: formação do pensamento geográfico para a atuação cidadã (2019 - Atual)
- Formação/Atuação de professores de Geografia, conhecimentos profissionais e o pensamento geográfico: práticas docentes com conteúdos escolares para a vida urbana cidadã (bolsa produtividade) (2019 - Atual)
Também articulada à dimensão do ensino, estão minhas atividades voltadas à extensão, ou seja, à relação mais direta com a sociedade, buscando dar efetividade ao que se produz na Universidade. Na relação com a comunidade acadêmica, podem ser destacadas minha participação em eventos, como ouvinte, como apresentadora de trabalhos, como parte da comissão organizadora ou como coordenadora. Nessa linha também destaco as palestras e mesas redondas que tenho participado em toda a carreira, no Brasil, em outros países da América Latina e na Europa (Portugal e Espanha). Destaco, entre os eventos que participo com maior regularidade, o Seminário Educação e Cidade (SEC-IESA), o Encontro Nacional de Práticas de Ensino de Geografia (ENPEG), o Encontro Nacional de Geógrafos (ENG), o Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), o Fórum Nacional de Formação de Professores de Geografia (Fórum NEPEG), o Simpósio de Geografia Urbana (Simpurb), o Encontro de geógrafos da América Latina (EGAL), o Colóquio da Rede Latino-americana de pesquisadores de Didática da Geografia (Redladgeo).
Na coordenação de eventos, destaco várias edições do Seminário Educação e Cidade, do Fórum Nepeg, uma edição do ENPEG, uma edição do Colóquio da Redladgeo. Sobre esses Encontros, saliento o XI ENPEG, com a temática “Produção do Conhecimento e Pesquisa no ensino da Geografia”, que ocorreu em abril de 2011, em Goiânia, sob minha coordenação geral. A coordenação desse evento permitiu o contato com muitos pesquisadores da área (registrou-se a participação de aproximadamente 600 pessoas), que realizam atividades de ensino e pesquisa em diferentes regiões do Brasil, e uma maior compreensão das diferentes linhas e perspectivas por eles desenvolvidas. Outro evento que destaco, pela oportunidade que tenho tido de participar, desde 2011, é o ENANPEGE, como uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho sobre Ensino de Geografia. Também é importante destacar a coordenação geral dos eventos Fórum NEPEG, realizado a cada dois anos, desde 2001, e do Seminário Educação e Cidade, realizado anualmente nas dependências da UFG, desde 2004.
Além de buscar manter relações constantes com a comunidade acadêmica, sempre foi uma grande preocupação estreitar vínculos entre a Universidade e a Escola. Tenho feito essa tentativa em diferentes frentes de trabalho, em atividades formativas com os professores da Rede básica e por meio das pesquisas. Nos últimos anos, como proposta metodológica predominante, tenho encaminhado a pesquisa colaborativa. Trata-se de um conjunto de possibilidades de desenvolvimento metodológico de investigação que se pauta na colaboração entre os diferentes sujeitos do processo formativo que compõem a equipe de trabalho e são por ele corresponsáveis: os professores da educação básica, os professores em formação, os professores formadores.
Após alguns anos como professora e pesquisadora ligada à pós-graduação, com experiência já acumulada em orientação e pesquisa, com uma linha de investigação já consolidada, considerei que seria importante para minha carreira investir em um pós-doutoramento, para sistematizar estudos sobre a temática do ensino de cidade. Sendo assim, busquei contato com a professora Maria Jesus Marron Gaite, da Universidade Complutense de Madrid, que aceitou a supervisão de meu projeto, desenvolvido em Madri entre os meses de agosto de 2005 e janeiro de 2006. Foi uma experiência significativa para minha vida pessoal e profissional, propiciando momentos de conhecimento e de aprendizagem sobre a Europa, sobre o ensino de Geografia na Espanha e em Portugal, e permitindo também manter contatos com colegas de referência na área, nesses países. Toda essa experiência marcou bastante minha formação e atuação nos anos seguintes, em termos de fontes teóricas, de parcerias, de redes de pesquisa, de intercâmbios de estudantes.
Após voltar desse período de pós-doutorado, em 2006, passei a atuar de modo mais seguro nas diferentes atividades das quais participava: a docência, as orientações, as assessorias, a produção intelectual. Nesse período, na primeira década do século XXI, participei de um movimento de consolidação da área de ensino como uma área legítima de pesquisa, com reconhecimento institucional, nos Programas de Pós como linha de pesquisa, nas instituições de fomento, que subsidiava cada vez mais pesquisas e eventos na área, e entre os colegas pesquisadores de outras áreas da Geografia. Nesse contexto, fui contemplada com bolsa produtividade do CNPq, a partir de 2010, o que considero um marco importante de reconhecimento e de confiança em minha carreira profissional. Em 2016/2017, fiz meu segundo estágio pós-doutoral, por 6 meses, dessa vez em Buenos Aires, com a professora Maria Victoria Fernandez Caso, da Universidade de Buenos Aires, que supervisionou meu projeto de pesquisa, articulado à pesquisa produtividade, referente ao tema mais geral, o ensino de cidade.
A PRODUÇÃO INTELECTUAL E A CRIAÇÃO DE GRUPOS E REDES: A OBJETIVAÇÃO DE UM PROJETO PROFISSIONAL
Ao longo desses anos, desde a publicação de minha Tese de Doutorado, como livro, sempre me empenhei em publicizar minha produção intelectual: minhas ideias, minhas reflexões, os resultados de pesquisa por mim analisados, como forma de objetivar meu trabalho, de colocá-lo ao dispor da comunidade, para debate e utilização, caso fosse pertinente, por outros colegas, por alunos, por professores do ensino básico. Também me esforcei para realizar ações que resultassem em produtos para um projeto de institucionalização de uma área de investigação – a área do ensino de Geografia –. Dessas ações, quero destacar a instituição de alguns grupos e redes de pesquisa, como o LEPEG, o NEPEG, a REPEC, a Redladgeo.
A PRODUÇÃO INTELECTUAL
Minha produção intelectual é produto das atividades de ensino, de extensão e principalmente de pesquisa mais sistemática que tenho realizado ao longo dos anos. Ela está publicada em diferentes tipos de veículos: livros, capítulos de livros e artigos em periódicos. São reflexões, apostas teóricas, análises de dados produzidos em pesquisas, experiências profissionais, articulando-se em eixos temáticos conforme foram sendo delineados com o passar do tempo:
1- Ensino de Geografia: com a preocupação de trabalhar em prol de um ensino dessa disciplina que contribua efetivamente com o amplo desenvolvimento dos alunos, tenho me fundamentado na perspectiva histórico-cultural, proveniente dos estudos de Vygotsky. Destaco desse autor sua compreensão do papel da aprendizagem no desenvolvimento das funções psicológicas superiores nas crianças e jovens escolares, da relação entre pensamento e linguagem, do processo de formação de conceitos. Vygotsky (1984, 1993, 2001) desenvolveu uma teoria sobre o processo de formação de conceitos, na qual são importantes os conceitos científicos e os conceitos cotidianos, e suas mútuas relações. Em relação à aprendizagem, me aproprio das suas ideias sobre seu papel ativo no desenvolvimento das pessoas. E, em relação à linguagem, a concepção central é a de que ela está intrinsecamente ligada ao pensamento e ao seu desenvolvimento. Com essa orientação, tenho formulado proposições para um ensino de Geografia voltado à formação de conceitos, com base na ideia geral de que o ensino é uma intervenção intencional no desenvolvimento do aluno, que é sujeito ativo do processo. Parto da compreensão de que a Geografia escolar, como portadora de conhecimentos que contribuem para a compreensão da realidade, é um instrumento simbólico na mediação do sujeito com o mundo. Nessa linha, defendo que o objetivo do ensino de Geografia é o de contribuir para o desenvolvimento do pensamento geográfico do aluno, para que ele, com autonomia, possa pensar e agir sobre o mundo considerando a espacialidade dos fatos e fenômenos. E os conceitos são ferramentas culturais para o desenvolvimento desse pensamento, destacando-se os de paisagem, lugar, território, região e natureza.
2 - A formação profissional do professor de Geografia: é um tema que se destaca desde o início da minha carreira de professora universitária. Como professora de disciplinas como Estágio Supervisionado e Didática da Geografia durante anos, busco contribuir para essa formação propiciando atividades de ensino que promovam reflexões sobre conhecimento docente, identidade profissional do professor, requisitos da prática docente, elementos do processo de ensino e aprendizagem. Parto da convicção de que a atuação docente requer qualificação específica, referente ao domínio de conhecimentos sobre a matéria (a Geografia Escolar como distinta e ao mesmo tempo relacionada à Geografia Acadêmica) e sobre como ensiná-la. Essa qualificação pressupõe uma convicção, orientadora da prática, sobre a proposta metodológica julgada mais eficaz para a aprendizagem efetiva dos alunos e o papel dos conhecimentos geográficos no seu desenvolvimento. Muitos autores têm contribuído para o desenvolvimento das ideias sobre a formação de professores nessa perspectiva, entre os quais destaco: Antônio Nóvoa (1992, 1995), Carlos Marcelo García (2002a e 2002b), Clemont Gauthier (1998), José Gimeno Sacristán (1996a, 1996b, 1998), Lee Shullman (2005).
3- Ensino de cidade e cidadanias: o pressuposto de que crianças e jovens são sujeitos que constroem conhecimentos geográficos em seu cotidiano, que necessitam ser considerados no processo de ensino/aprendizagem, levou aos questionamentos sobre como percebem o lugar de seu cotidiano, como se relacionam com ele, como produzem e que conteúdos espaciais eles produzem, elegendo a cidade como lugar privilegiado dessas espacialidades. Os autores que têm subsidiado a produção com essa temática são, entre outros: Ana Fani Alessandri Carlos (1996, 2004, 2005), David Harvey (1989, 2004), Henri Lefebvre (1991, 2002, 2006), Milton Santos (1996a, 1999). O foco no tema da cidade destaca sua relação com a formação de cidadãos e se compromete com a formação da cidadania orientados por princípios democráticos, abertos para a diversidade e para o usufruto coletivo dos espaços urbanos. Entre os autores de referência para o tema da cidadania, ressalto: Andrea Pereira Santos e Eguimar F. Chaveiro (2016), José Murilo de Carvalho (2002), Márcio Piñon de Oliveira (2000), Maria Victoria de M. Benevides (1994), Milton Santos (2007, 1996/1997, 1996b), Olga María Moreno Fernándes (2013).
Com esses eixos de reflexão, tenho produzido artigos, capítulos de livros e livros ao longo de minha carreira acadêmica, entre os quais seleciono, por considerar que sintetizam diferentes momentos no desenvolvimento de minhas ideias e por terem tido destaque como referência dessas ideias, os seguintes produtos (somente os publicados no Brasil) que julgo que tiveram maior repercussão no espaço acadêmico (selecionei 5 para cada tipo de produto):
LIVROS
• Pensar pela Geografia. Goiânia: Editora Alfa&Comunicação, 1ª. Ed. 2019.
• Ensino de Geografia e a escola. Campinas, SP: Editora Papirus, 1ª. Ed. 2012
• Geografia escolar e a cidade. Campinas, SP: Editora Papirus, 1ª. Ed. 2008
• Geografia e práticas de ensino. Goiânia, Go: Editora Vieira, 1ª. Ed. 2002
• Geografia, escola e construção de conhecimentos. Campinas, SP: Editora Papirus, 1ª. Ed. 1998.
CAPÍTULOS DE LIVRO:
• A Geografia escolar como eixo de diálogos possíveis entre didática geral e didáticas específicas na formação do professor. In: Selma G. Pimenta; Cristina D’Ávila, Cristina C. A. Pedroso; Amali de A. Mussi. (Org.). A didática e os desafios políticos da atualidade. 1ed.Salvador: Editora UFBA, 2019.
• Espaços da cidade e jovens escolares: por que é tão importante conhecer a espacialidade desses sujeitos da aprendizagem geográfica?. In: Jusssara F. Portugal. (Org.). Educação Geográfica: temas contemporâneos. Salvador: EDUFBA, 2017.
• A Metrópole em foco no ensino de Geografia: o que/para quem ensinar?. In: Flávia M. de A. Paula, Lana de S. Cavalcanti, Vanilton C. de Souza. (Org.). Ensino de Geografia e metrópole. Goiânia: Gráfica e editora américa, 2014.
• Concepções Teórico-metodológicas da Geografia escolar no mundo contemporâneo e abordagens no ensino. In: Dalben, A.; Diniz J.; Leal, L. Santos, L.. (Org.). Convergências e Tensões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
• Ensino de Geografia e diversidade: construção de conhecimentos geográficos escolares e atribuição de significados pelos diversos sujeitos do processo de ensino. In: Sônia Maria Vanzella Castelar. (Org.). Educação Geográfica: teorias e práticas docentes. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
ARTIGOS EM PERIÓDICO
• O estudo de cidade e a formação do professor de geografia: contribuições para o desenvolvimento teórico-conceitual sobre cidade e vida urbana. Ateliê geográfico (UFG), v. 11, 2017.
• Para onde estão indo as investigações sobre ensino de geografia no Brasil? Um olhar sobre elementos da pesquisa e do lugar que ela ocupa nesse campo. Boletim Goiano de Geografia, v. 36, 2016.
• Ensinar Geografia para a autonomia do pensamento. Revista da ANPEGE, v. 7, 2011.
• Cotidiano, mediação pedagógica e formação de conceitos: uma contribuição de Vygotsky ao ensino de Geografia. Cadernos CEDES, Campinas/SP, v.25, n.66, 2005.
• A cidadania, o direito à cidade e a Geografia escolar: elementos de geografia para o estudo do espaço urbano. Geousp, São Paulo, v. 5, 1999.
A FORMAÇÃO DE GRUPOS E REDES DE ESTUDO E PESQUISA
Desde os primeiros anos de professora e pesquisadora ligada à Pós-Graduação, a partir do final da década de 1990, busquei atuar no sentido de fortalecer a pesquisa na área do ensino de Geografia, no âmbito do Instituto, da UFG, das instituições goianas e, também, do Brasil e outros países. Destaco nesse sentido minhas iniciativas, juntamente com colegas da área, de formar grupos e redes de pesquisa, e fazer intercâmbios, por entender que tal fortalecimento só poderia ocorrer com a articulação de professores e instituições que compartilhassem do entendimento da relevância dessa área. Em relação a esses grupos, destaco a seguir o NUPEC, o LEPEG, o NEPEG e a Redladgeo.
1- NÚCLEO DE ESTUDOS EM ENSINO DE CIDADE - NUPEC
Além do trabalho mais formal de orientação e de pesquisa, coordeno um grupo de estudos desde 2000, e a partir de 2013 em conjunto com meu colega Vanilton Camilo de Souza, e com a colaboração das colegas Karla Annyelly e Lucineide Pires, chamado Núcleo de Estudos sobre Ensino de Cidade (NUPEC). Ele é composto por alunos da graduação e da pós-graduação, e se constitui em um espaço de leitura, reflexão e debate sobre essa temática. O grupo se reúne a cada 15 dias para fazer discussões com base em leituras de diferentes autores e de projetos de pesquisa dos integrantes do grupo. As discussões realizadas têm como referência diferentes contribuições teóricas, clássicas e contemporâneas, internas e externas à Geografia, à pesquisa em Geografia (modalidades e fundamentos teóricos) e à Geografia Urbana (destacando-se o objetivo do Ensino de cidade). Esse grupo, em colaboração com os demais membros do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Geográfica (LEPEG), realiza anualmente, no IESA, o Seminário Educação e Cidade.
2- LABORATÓRIO DE ENSINO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA - LEPEG
Em 1997, com apoio de colegas e buscando fortalecer a área do ensino, criei no IESA o Núcleo de Ensino e Apoio à Formação de Professores – NEAP. Este núcleo caracterizou-se inicialmente por congregar alunos da graduação e pós-graduação para auxiliá-los no desenvolvimento de suas demandas de formação. Após alguns anos, em março de 2006, com o aumento, no Instituto, de pesquisas nessa área, houve reformulação no Núcleo, com a inserção de outros professores do IESA, passando a se constituir, sob minha coordenação, como laboratório - o Laboratório de Estudos e Pesquisa em Educação Geográfica (LEPEG). Atualmente, o LEPEG é uma referência importante no Instituto e no contexto acadêmico, agrega 7 professores especialistas na área e tem um fluxo regular de aproximadamente 80 usuários, alunos da graduação e pós-graduação e professores da educação básica e de outras instituições. Esse grupo de professores, formadores e formandos atuam em diferentes grupos de estudo e de pesquisa, como bolsistas ou como voluntários. Tenho muita satisfação de ter acompanhado o crescimento e a consolidação desse laboratório que eu propus a criação e que coordenei por muitos anos. Atualmente ele é coordenado pela professora Miriam Aparecida Bueno e pelo professor Denis Richter.
3- O NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA - NEPEG
O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Geográfica – NEPEG foi criado em 2004, por um grupo de professores de três Instituições de Ensino Superior de Goiás – Universidade Federal de Goiás, Universidade Católica de Goiás e Universidade Estadual de Goiás –, sob minha coordenação, que tinham em comum a preocupação com o ensino de Geografia, desde o nível básico até o superior, o que se expressa por meio de suas pesquisas sobre a temática. Após sua criação, ao longo desses anos o Núcleo, com base em seu regimento, agregou novos pesquisadores que se mostraram interessados em nele se integrar, sendo que atualmente tem componentes que são professores de universidades de outros Estados e até mesmo de outros países (como Moçambique e Chile). Fui coordenadora desse Núcleo desde o seu início, juntamente com Vanilton Camilo de Souza, no período de 2004 a 2011 e desde 2015 voltei a coordená-lo em parceria com Miriam Aparecida Bueno. Esse grupo tem se reunido mensalmente com o objetivo de discutir estratégias de ação no campo da pesquisa, da extensão e da formação acadêmica de seus membros. Suas principais ações têm sido: a de leituras e apresentação no grupo de seus resultados; cursos de aperfeiçoamento para professores de Geografia da Rede básica de ensino; organização de eventos; publicação de livros. O grupo, a cada dois anos, realiza o Fórum NEPEG de Formação de Professores de Geografia, sendo que em 2020 realizou sua 10ª. edição. O objetivo do evento, que já se tornou parte do calendário de muitos professores formadores de Universidades brasileiras, é aprofundar o debate sobre a formação dos professores de Geografia. Como resultados desses Fóruns são publicados livros, apresentando os textos de convidados para o evento e material produzidos a partir dos GTs. Por meio do NEPEG, foram realizadas pesquisas interinstitucionais., uma delas, encerrada em 2008, objetivou traçar um perfil do ensino de Geografia no Estado de Goiás. Outra, recém concluída (2020), “Projetos de formação de professores de Geografia: 10 anos após as Diretrizes Curriculares Nacionais”, foi desenvolvida com o envolvimento de diferentes Universidades do Brasil e analisou Projetos Pedagógicos de cursos de Licenciatura em Geografia.
A FORMAÇÃO DE REDES DE PESQUISA
1-REDE DE PESQUISA DO ENSINO DE CIDADE (REPEC)
Essa rede de pesquisa, a qual sou coordenadora, foi criada em 2006 e “chancelada” pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás – FAPEG. Seu objetivo é congregar pesquisadores de diferentes instituições do Estado – UEG, UFG, PUC Goiás, Rede municipal de Educação de Goiânia, Rede Estadual de Educação de Goiás e alunos da graduação e pós-graduação do Programa de Geografia da UFG, para realizar investigações sobre o ensino de Cidade e elaborar materiais didáticos temáticos sobre a Região Metropolitana de Goiânia e sobre a Rede Urbana de Goiás. A realização dessas atividades tem sido uma oportunidade de o Curso de Geografia da UFG ter uma maior aproximação com os professores de Geografia da Rede básica de Ensino de Goiás e disponibilizar materiais didáticos para essa Rede. Os produtos – Fascículos Didáticos – produzidos por essa Rede e que fazem parte de uma coleção denominada Aprender a cidade, são os seguintes:
1- Cartografia da Região Metropolitana de Goiânia – 2009, atualizada em 2020.
2- Espaço Urbano da Região Metropolitana de Goiânia – 2009, atualizada em 2020.
3- Violência Urbana na Região Metropolitana de Goiânia – 2009.
4- Bacias Hidrográficas da Região Metropolitana de Goiânia – 2009.
5- Dinâmicas Populacionais da Região Metropolitana de Goiânia - 2014
6- Dinâmica Econômicas da Região Metropolitana de Goiânia - 2013
7- A Relação Cidade-Campo no Território Goiano - 2019
8- Cerrado (em elaboração)
2- REDE LATINOAMERICANA DE INVESTIGADORES EN DIDÁCTICA DE LA GEOGRAFIA (REDLADGEO).
Essa Rede foi formada por ocasião do IX Encontro de Geógrafos da América Latina – EGAL – de 2007, em Bogotá-Colômbia. Professores do Brasil, do Chile, da Argentina, da Venezuela e da Colômbia criaram a rede e, compõem seu Comitê Gestor, desde sua criação até a atualidade: Núbia Moreno Lache, Alexander Celly e Raquel Pulgarin (Colômbia); José Armando Santiago (Venezuela); Marcelo Garrido Pimenta e Fabian Palacio Araya (Chile); Maria Victoria Fernandez Caso e Raquel Gurevich (Argentina) e Sonia M. Vanzella Castellar, Helena Coppeti Callai e Lana de Souza Cavalcanti (Brasil). A intenção da Rede é promover o intercâmbio entre os pesquisadores e socializar as pesquisas da Didática da Geografia produzidas na América Latina. Um dos resultados iniciais da instituição dessa Rede foi a produção do livro sobre o estudo da cidade da/na América Latina, publicado em 2010, intitulado: “Ciudades Leídas, Ciudades Contadas: la ciudad latinoamericana como escenario para la enseñanza de la geografia”, no qual contribuí com dois artigos. Em 2010 (Bogotá: Geopaideia), também foi publicado por essa Rede o livro virtual denominado: “Itinerários Geográficos en la escuela: lecturas desde la virtualidad”. Em 2011, foi criada a revista virtual da Rede, chamada Anekumene e apresentado o número 1 - Geografia, cultura y educación. Os contatos de trabalho desta Rede têm sido feitos de modo virtual, por meio de reuniões virtuais e intercâmbios mais espontâneos; por ocasião dos Encontros de geógrafos da América Latina – EGAL, e especialmente nos Colóquios da Rede – o 1º Colóquio ocorreu em São Paulo, em 2010; o 2º Colóquio, em 2012, em Santiago do Chile; o 3º em 2014, em Buenos Aires, o 4º. em 2016, em Bogotá; o 5º. em 2018, em Goiânia/Pirenópolis (sob minha coordenação), e o 6º. está programado para acontecer em 2021, de forma virtual (em razão da pandemia do Corona vírus) e com sede em Valparaizo/Chile.
Após todos esses anos de trabalho junto à essa Rede, considero que sem dúvida trata-se de um projeto exitoso. Atualmente temos essa rede como uma referência para um bom número de investigadores na área da Didática da Geografia (no Brasil, temos 15 grupos, provenientes de vários estados, que fazem parte dessa rede), com vários colegas que a ela pertencem temos feito muitos trabalhos em conjunto, intercâmbio de alunos tem sido feito por seu intermédio, e, acima de tudo, compartilhamos amizade sincera, lealdade e cumplicidade, ajuda mútua no grupo, o que favorece um ambiente de trabalho fecundo e prazeroso.
AS PARCERIAS E INTERCÂMBIOS ENTRE UNIVERSIDADES E ENTRE COLEGAS DA ÁREA
INTERCÂMBIOS
Ao longo dessa trajetória profissional, tenho me integrado a grupos de investigadores para intercâmbio e ampliação de espaços de discussão, no Brasil, em outros países da América Latina (basicamente por meio da Redladgeo) e na Europa. Como resultado dessa integração, tenho participado da constituição de grupos de discussão, realizado eventos, organizado livros, estabelecido parcerias em orientações de pós-graduandos.
No Brasil, a participação em eventos acadêmicos, em bancas examinadoras e em palestras e outros tipos de colaborações intelectuais tem sido fundamental para estabelecer intercâmbio com pesquisadores da área. A realização de atividades como essas é muito relevante para consolidar um grupo que investe sua carreira profissional em ações voltadas ao ensino de Geografia.
Nesse sentido, destaco a muito fecunda parceria e amizade que tenho estabelecido com as queridas professoras Sônia Maria Vanzella Castellar (USP) e Helena Copetti Callai (UNIJUI), que tem resultado em vários momentos de produção e de atividades de compartilhamento pessoal, intelectual e acadêmico. Com elas compartilho uma amizade longa e plena de cumplicidade, respeito, muito carinho, ajuda mútua e prazer pelos trabalhos conjuntos. Considero que posso citar outros colegas, mesmo correndo o risco de não apontar todos, por se destacarem em interlocução teórica específica e, em alguns casos, cotidiana, como Vanilton Camilo de Souza (UFG), Eliana Marta Barbosa de Morais (UFG) e os demais colegas do LEPEG e do NEPEG; Valéria de Oliveira Roque Ascenção (UFMG); Nestor André Kaercher (UFRGS); Carolina Machado (UFT); Rafael Straforini (UNICAMP); entre outros. Além desses colegas, também registro aqui a parceria com todos os meus orientandos e ex-orientandos, sem distinguir nenhum deles, que tem representado para mim uma rede de colegas, uns mais próximos que outros, com quem divido e compartilho muitos projetos, amizades e encontros de corpo e alma.
Com outros países também tenho estabelecido importantes contatos que tem permitido intercâmbio entre as Universidades e, com isso, mútuo (suponho) enriquecimento. Com o Chile, tenho mantido contatos e intercâmbio de orientações de graduandos e pós-graduandos, destacando-se a parceria com os professores Marcelo Garrido Pereira, Fabian Araya Palacio e Andoni Arenas.
Por intermédio desses contatos fui convidada, por exemplo, para expor minha pesquisa no Seminário internacional sobre textos escolares de História e Ciências Sociais, em Santiago do Chile, no ano de 2008. O objetivo do evento consistiu em abrir espaço para pesquisadores chilenos e estrangeiros discutirem e trocarem experiências sobre os trabalhos relacionados à didática das Ciências Sociais. Como resultado desse evento, foi produzido um livro (2009), no qual tenho um artigo intitulado: “Elaboración de materiales didácticos temáticos sobre el Área Metropolitana de Goiânia/Goiás”. O intercâmbio com esse país favoreceu minha ida periódica a Santiago para participar de atividades, como professora visitante, da Universidad Academia de Humanismo Cristiano, com Marcelo Garrido Pereira à frente e a Valparaíso, na PUC de Valparaizo, a convite do professor Andoni. Pude também encaminhar, em diferentes ocasiões, alunos da graduação e da pós-graduação para participar de atividades acadêmicas, sob a coordenação de Marcelo Garrido Pereira ou de Andoni Arenas, além de também receber no nosso Programa alunos desses professores.
Em La Serena/Chile, a convite de Fabian Araya, participei, como avaliadora externa, de atividades de discussão e avaliação de resultados de pesquisa por ele coordenada, em 2013. A realização dessa atividade foi, também, uma importante experiência para mim e ocasião de muita aprendizagem e de trocas. Em 2019, participei, juntamente com a professora Eliana Marta Barbosa de Morais, como representante do Brasil, de atividades em Valparaíso, juntamente com um grupo de pesquisa da PUC de Valparaíso, do qual participa o professor Andoni, que realiza um trabalho de formação docente colaborativo. Nessa ocasião, também ministramos aulas para um grupo de alunos do curso de pós-graduação em Educação em Ciências. Como resultado desse intercâmbio, fui convidada, em 2020, para ser professora externa no programa de doutorado dessa Instituição. Essa parceria, acadêmica e afetiva, e de amizade, tem se estreitado ao longo dos anos, resultando na vinda desses professores à UFG para diferentes eventos e na organização de diversas publicações no Brasil e no Chile.
Em Buenos Aires também tenho participado de algumas atividades e intercâmbio com as professoras Maria Victoria Caso e Raquel Gurevich, o que foi acentuado a partir de 2017, após a realização do meu pós-doutorado, e mais recentemente, desde 2019, mantenho contato fecundo com Verônica Hollman, também uma importante referência para a área.
Na Colômbia, participei de algumas atividades por meio de convites de professores Nubia Moreno, Alexander Celly, em Bogotá (presencialmente) e Raquel Pulgarin, em Medelín (de modo virtual). Nesse país, o contato com investigadores da área iniciou-se no Encontro de Geógrafos da América Latina - EGAL, que ocorreu na cidade de Bogotá em 2007, sobretudo com dois colegas: Nubia Moreno Lache e Alexánder Cely Rodríguez, que estavam na organização do evento. Nesse evento, fui convidada a participar de uma Mesa Redonda para falar sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ao final do Encontro, como já mencionei, reunimos alguns colegas, da Venezuela, da Argentina, do Brasil e do Chile, e decidimos criar a Rede de pesquisadores em Didática da Geografia, conforme já foi relatado anteriormente.
A partir daí, mantive contato periódico com esses dois colegas e com Raquel Pulgarin, que, em 2012, me indicaram para participar de outro evento na Colômbia, dessa vez na cidade de Tunja. Nesse evento, fiz uma conferência e participei, juntamente com colegas do Chile, Venezuela e Estados Unidos, de uma sessão de clausura, bastante desafiadora, com o administrador (Alcaide) do Município e auxiliares, para fazer análise de problemas ambientais daquela cidade. Desse encontro, resultou um livro publicado em 2013, La Educación Geográfica ante los retos del siglo XXI, no qual está um artigo de minha autoria, intitulado La geografía y la realidad escolar brasileña contemporánea: abordaje teórico y la práctica de la enseñanza. Ainda nesse país, em 2014, participei da banca de doutoramento de Alexánder Cely Rodríguez, no Programa de Doctorado Interinstitucional em Educação, da Universidade Nacional Pedagógica de Bogotá. Em 2020, participei em Medelin, a convite de Raquel Pulgarin, como ponente da V Convención Nacional de Educación Geográfica.Relevancia social de la geografía escolar y la educación geográfica, coordenado pela Associação de Geógrafos da Colômbia.
Em Portugal, estabeleci intercâmbio com o professor Sérgio Claudino, da Universidade de Lisboa, que tem recebido orientandos meus para estágio de doutorado, sob sua supervisão. Por meio desse contato, foi possível estreitar relações com um grupo de professores portugueses, no qual destaco Luiz Mendes e Maria João, discutindo o currículo da Geografia Escolar na perspectiva da formação cidadã. Como resultado da referida parceria foi publicado na revista Apogeo de Portugal o artigo “A educação geográfica, cidade e cidadania” (SILVA e CAVALCANTI, 2008). Além dessas atividades, minha participação em uma pesquisa coordenada pela Espanha, em conjunto com Sérgio Claudino Nunes e Maria João, da Universidade de Lisboa, tem permitido aumentar os laços acadêmicos e de amizade. O contato com Portugal resultou ainda em convite, da Associação de Geógrafos de Portugal, para fazer conferência em evento internacional - VI Congresso Ibérico de Didática da Geografia. O evento ocorreu na cidade do Porto, em março de 2013, ocasião em que pude manter novos contatos com colegas de Portugal e Espanha. Após essa data, estabeleci novos contatos com o professor Sergio Claudino, em Lisboa e no Brasil, e sempre buscando trocar ideias e projetos, entre os quais destaco o Nós Propomos!, projeto coordenado por Sergio Claudino e que tem “replicas” em vários outros países e em vários estados do Brasil. Na UFG, há uma dessas “replicas”: Nós propomos Goiás!”, coordenada pela professora Karla Annyelly, articulando uma equipe, da qual faço parte, de professores de diferentes universidades, alunos da graduação, pós-graduação e professores da rede básica de ensino.
Além desse contato na Europa, também tenho estabelecido intercâmbio com colegas na Espanha: de Madrid, de Sevilha, de Valência e de Santiago de Compostela. Em Madrid, tive contato com Maria Jesus M. Gaite, que foi minha tutora de pós-doutorado, em 2005. Tive também a oportunidade de conhecer, nesse mesmo período, dois outros professores da Universidade Autonoma de Madrid, Clemente Herrero Fabregat e Alfonso García de la Vega, com os quais tenho articulado ao longo dos últimos anos várias atividades, resultando em participação em eventos, palestras, bancas julgadoras, publicações conjuntas e participação em cursos de pós-graduação na UFG e em Madri.
Em Sevilha, tenho uma parceria estreita com o professor Francisco F. García Perez (Paco), da Universidade de Sevilha, que se iniciou por ocasião do meu pós-doutorado, em razão de interesses comuns pelo ensino de Geografia e a participação de jovens estudantes nos destinos da cidade. Além de receber três pós-graduandos meus – Vanilton Camilo de Souza, Karla Anyelly de Oliveira e Daniel Valerius Malman - , em sua Universidade, fui convidada pelo professor Paco a participar com ele de um grupo de investigação, para realizar a pesquisa “Estratégias de formación del profesorado para educar en la participación ciudadana”, que foi aprovada em 2011, com financiamento pelo Ministério de Ciência e Innovación - Dirección General de Programas y transferências de conocimiento de España. Esse grupo foi composto por investigadores de Portugal, Itália, Espanha, Brasil e Chile e liderado por Francisco F. García Perez. Em razão dessa pesquisa, pude participar, juntamente com outros colegas brasileiros, de reuniões de trabalho em Sevilha, como a que ocorreu em março de 2012, por ocasião do XXIII Simposio Internacional de Didáctica de Las Ciencias Sociales. Em 2014, foi possível trazer o professor Francisco F. García Perez em um evento em Goiás, quando proferiu palestras. E, em 2017 o professor Paco voltou à UFG para participar da Banca de Doutorado de Daniel Vallerius, meu orientando.
Destaco ainda, na Espanha, os professores Carlos Macia, de Santiago de Compostela e Xosé Manoel Souto, de Valência, com os quais tenho mantido contatos periódicos para publicações conjuntas. Com todos esses professores mencionados sigo em contato regular, trocando materiais, informações, artigos, participando de bancas e outras atividades. Posso dizer que fazemos parte de uma rede, ainda que informal, de professores Ibero-americanos, com preocupações com a Didática da Geografia.
Também quero mencionar minha experiência de participar como professora colaboradora do Programa da Universidade Pedagógica de Moçambique - UP, em 2014. Essa parceria resultou de contatos feitos em razão da orientação de doutorado de Suzete Lourenço Buque, professora desta Universidade, no período de 2011 a 2013, com a professora Alice C. B. Freia. Nesse doutorado, estou como professora colaboradora desde 2013, o que resultou na minha participação como docente de uma disciplina para o Curso em setembro de 2014, e como co-orientadora, com a responsabilidade de receber alunos de doutorado desse curso no Brasil (com bolsa de Moçambique), em 2015. Em 2020, de forma remota, participei da banca examinadora do doutorado de Eusébio Máquina, na condição de co-orientadora.
Dentre as atividades de minha iniciativa, além dessas que já relatei quero finalizar distinguindo uma a mais, por entender que, por sua importância acadêmica e pessoal, não poderia deixar de mencioná-la. Trata-se da criação da Revista Signos Geográficos – Revista do NEPEG. Como coordenadora do Grupo NEPEG, em agosto de 2018, levei ao Fórum a proposta de criar uma revista acadêmica sob a responsabilidade do NEPEG. Aprovamos, em assembleia, a criação da Revista, e a partir daí iniciei as ações necessárias à efetivação desse projeto. Logo após, compus a equipe da Revista: eu, como editora chefe e Eliana Martha Morais, como editora assistente e outros colegas de outras instituições, de outros estados do Brasil e de outros países, como parte do Conselho Editorial e do Conselho Científico. Também conseguimos em pouco tempo a aprovação junto ao IESA e ao Programa de Pós-Graduação de Geografia da UFG para incluí-la no conjunto de revistas da Instituição. Após, também conseguimos rapidamente aprovação da UFG para incluí-la no conjunto de revistas do Portal de Revistas da UFG. Assim, com pouco mais de 2 anos de existência, a revista já tem dois números concluídos, na modalidade on-line e com fluxo contínuo, iniciando em 2021 seu terceiro número. Ainda que precocemente, considero que já se trata de uma revista de referência importante na área, fato que me enche de orgulho e de energia para continuar o trabalho em busca de aperfeiçoá-lo.
PARA TERMINAR DE CONTAR....
Quero terminar esse relato com umas breves palavras, entendendo que não estou relatando o fim de uma história, pois ainda quero continuá-la, realizando coisas, embora não saiba bem o que será. Atualmente, estou há uns anos com condições trabalhistas de me aposentar na UFG, mas reluto em efetivar essa condição. Não quero me aposentar ainda. Não que eu não tenha outras coisas a realizar, principalmente no âmbito pessoal. Os cuidados comigo mesmo, com minha mãe, com meu marido, com minha casa, com meus filhos e netos, além de outras atividades de viagem, de lazer, de reuniões com amigos, certamente me encheriam o tempo e me dariam muito prazer, mas penso que não seriam suficientes para mim. Ainda prefiro fazer tudo isso e continuar a ser a professora que sempre fui, por mais alguns anos, desde que a saúde permita, ministrando aulas, pesquisando, escrevendo, coordenando equipes. Sempre que possível, gostaria de fazer isso com mais tranquilidade, mais leveza, sem pressa, sem agonia, sem pressão. Não tenho planos claramente delineados para esse futuro próximo, vou deixando “a vida me levar”. Nesse momento, a preocupação com a pandemia nos deixou, a todos nós, com muitas propostas em suspenso, e enfrentando o que tinha inevitavelmente de ser feito do modo que era possível. Assim foi 2020, muitas atividades remotas, muitas lives, muitas reuniões para discutir o que fazer diante do quadro de crise que passamos. Assim, creio, será 2021. Ainda um ano muito tenso, na espera da vacina e da superação da pandemia, mas com muitas incertezas. Mesmo assim continuaremos nossas atividades. Eu pretendo continuar realizando o que a realidade demanda, conforme meu perfil pessoal e meus limites intelectuais e físicos. Nesse sentido, penso que seja importante reafirmar que não fui, e acho que nem serei, uma atuante de movimentos políticos e sociais, mas sempre defendi causas e pautei meu trabalho nessas causas, pela justiça, pela igualdade social, pela inclusão, pelos direitos humanos, pelos direitos dos povos minoritários quantitativamente, pelos pobres, pela mulher. Continuarei seguindo essas causas, com todas as dificuldades que sabemos que existem em nossa realidade brasileira e mesmo mundial, mas sem perder principalmente a esperança, de que algo posso fazer para superar dificuldades, para ajudar as pessoas a superá-las. Esperança em um mundo melhor, onde haja o predomínio de pessoas do bem, pessoas generosas, com empatia pelos outros, pessoas justas, pessoas humildes e amorosas. Esperança de que juntas essas pessoas consigam pensar e atuar em uma sociedade melhor, mais respeitosa, mais inclusiva, mais democrática e menos desigual, menos cruel, menos sectária. Esperança que às vezes se esvai, mas que sempre se renova...
Assim, termino esse relato com um poema de Mario Quintana, que fala justamente em esperança, porque a vida continua e nela a esperança renasce....sempre
"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…"
REFERÊNCIAS
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 33, p. 5-16, 1994.
CARLOS, A.F.A. O direito à cidade e a construção da metageografia. Cidades: Revista Científica/Grupo de estudos urbanos, vol. 2, n. 4. Presidente Prudente, Grupo de Estudos Urbanos, 2005.
______________. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
FERNÁNDES, Olga María Moreno. Educación ambiental y educación para la ciudadanía desde una perspectiva planetária: estudio de experiencias educativas en andalucía. Universidad Pablo de Olavide, Sevilla, Tesis Doctoral, 2013.
GAUTHIER, C. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Unijuí, 1998.
HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1989.
LEFEVBRE, H. A produção do espaço. Trad. Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do original: production de l’espace. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: início – fev. 2006
_____________. O direito à cidade. São Paulo: Morais, 1991.
NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In.: NÓVOA, A. (org) Vida de professores. Porto: Editora Porto, 1995.
OLIVEIRA, M. P. Geografia, globalização e cidadania. Terra Livre, São Paulo, v. 1, n. 15, p. 155-164, 2000.
SACRISTÁN, J. G. Os professores como Planejadores. In: Sacistán, J G; GÓMEZ, P.A.I. Compreender e transformar o ensino. 4° ed. São Paulo: Artmed, 1998, p.127-293.
SACRISTÁN, J. G. Reformas educacionais: utopias, retórica e prática. In: SILVA, T.T; GENTILI, P. Escola S.A – quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 7ªed, 2007.
SANTOS, Milton. As cidadanias mutiladas. In: LERNER, Júlio (Org.). O preconceito. São Paulo: Impressa oficial do Estado, 1996/1997. p. 133-144
SANTOS, Milton. Por uma geografia cidadã: por uma epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, agosto 1996.
SANTOS, Andrea Pereira; CHAVEIRO, Eguimar Felício. A constituição das identidades juvenis na metrópole contemporânea: A interface entre lugares e práticas socioespaciais. In: Os jovens e suas espacialidades. Orgs: CAVALCANTI, L. S; PAULA, F. M. A; PIRES, L. M. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2016. p. 71-92
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
VYGOTSKY, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.