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Título
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HELENA COPETTI CALLAI
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Nome Completo
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HELENA COPETTI CALLAI
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Nascimento
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13 de Agosto de 1947
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História de Vida
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HELENA COPETTI CALLAI
Nasci em Ijuí- RS em 13 de agosto de 1947, numa família de descendentes de imigrantes italianos, tanto de parte de pai como de mãe. A família do pai Antonio Cirilo Copetti tem origem na Itália, de Gemona del Friuli (província de Udine) e de Castello di Godego (Treviso). E, no Brasil e instalaram no Rio Grande do Sul no Núcleo Norte, hoje Ivorá, que pertencia à denominada 4ª Colonia- Silveira Martins. A família da mãe Nahyr Strapazon são originários de Arsié, uma pequena comuna da Província de Belluno e no Brasil se instalaram inicialmente no Rio Grande do Sul em Caxias do Sul, na 4ª Légua. Essas questões são interessantes na minha história familiar, pois foi sempre tema recorrente nas nossas conversas.
E são importantes de registro, pois indicam a organização e produção do espaço no Rio Grande do Sul, que ocupado pelos imigrantes demarcam características que até hoje são significativas para entender a sociedade gaúcha. E neste contexto as nossas histórias. As terras antes ocupadas por nativos, caboclos, indígenas ao acolherem os imigrantes passam a ideia, que persiste, de que somos todos, um povo de descendentes de europeus, o quem tem sido marcante nos aspectos culturais, econômicos e sociais. A área que acolhe esses imigrantes denominados de Colônias Velhas se caracterizava pela pequena propriedade agrícola, que logo esgota as possibilidades de subsistência familiar e passa a ocorrer à migração que vai ocupar outras áreas, num movimento que Jean Roche em seus estudos e obras publicadas, denomina de enxamagem.
É neste processo que se cria aquele que foi o município de Ijuí, constituindo-se inicialmente como um projeto de Colonização Oficial, que por iniciativa do Governo Provincial (1980) instala as famílias em terras públicas divididas em lotes rurais. São as “Colônias Novas”, que acolhem os descendentes dos primeiros imigrantes que chegaram ao RS, bem como outros que diretamente da Europa a este lugar se dirigiam.
É interessante destacar este contexto, até porque este tema é conteúdo da Geografia, e mostra as origens das nossas histórias. Somos, cada um de nós, marcados pelos espaços e tempos de nossas histórias familiares.
A colonização de Ijuí foi diferenciada em relação a outras que aconteciam no mesmo período, seja pela sua estrutura espacial, seja por acolher imigrantes de natureza multiétnica: italianos, alemães, poloneses, suecos, austríacos, espanhóis, russos, que se somaram aos antigos moradores: posseiros, lusos brasileiros, ex-escravos, os caboclos. A Colônia de Ijuí foi organizada em lotes rurais simétricos com 250 metros de frente por mil (1.000) metros de fundo, organizadas em “Linhas” num perfeito traçado ortogonal. De forma assemelhada o Núcleo Urbano é organizado em quadriculas de 100x100 metros divididas em lotes urbanos. A perspectiva do planejamento de viés positivista, tão presente no ideário político que animava o Regime Republicano nascente, manifestava a crença otimista, e diríamos hoje discutível e talvez equivocada, de que a natureza poderia ser submetida à racionalidade logica de um projeto autônomo em relação a ela.
Ocupada pelos que imigrantes estrangeiros e pelos que migravam internamente no Brasil- das Colônias velhas para as Colônias novas, essa política de ocupação do espaço logo se esgota e nova re- imigração movimenta também os ijuienses de segunda geração que partem em busca de novas terras no extremo oeste catarinense e sudoeste do Paraná nas décadas de 1940 e 1950. Mais tarde o êxodo rural se intensifica por força dos processos de modernização agrícola, partem em direção as cidades e parte em direção ao Centro- oeste e mesmo Amazônia.
Essas características demarcam as famílias que tem as singularidades das suas histórias, mas demarca também aquilo que estudamos na Geografia, que é a ocupação e organização do espaço que em suas trajetórias além de ser o lugar ocupado, produz os sentimentos de identidade e pertencimento e dá origem a novas formas de organização social, cultural e econômica.
Neste contexto de migração das Colônias Velhas para as Colônias Novas se constitui também a nossa família – Strapazon/Copetti. Somos em 4 irmãs todas formadas no curso de magistério (curso normal) que formava professores para o que atualmente se denomina de Anos Iniciais. Essa foi a orientação, a regra estabelecida na família, pois a minha mãe dizia que nós teríamos que ter uma profissão, para ter independência e formação intelectual para ter o controle das nossas vidas. Neste sentido o curso para ser professora era o ideal. E, nós, após ter essa formação e habilitação nos orientamos ao que fazer de nossa formação e vida profissional, mas antes todas fomos por algum tempo professoras do primário e cada uma continuou seus estudos na universidade a partir de seus interesses. Essa é uma das marcas da nossa mãe que era desde a década de 1950 funcionária pública federal, tendo, portanto sua profissão e identidade não apenas como mulher e esposa, embora as condições econômicas daquele tempo exigiam dela ser também a dona da casa com todas as suas implicações. Eu, a mais velha das 4, professora na universidade, a segunda (Lucia) professora da Educação básica, a terceira (Carmen) médica e a quarta (Elisabeth) jornalista. Como se pode imaginar aquilo que nossa mãe queria de início foi reforçado pelas nossas singularidades e para isso os investimentos intelectuais tiveram que ser reafirmados exatamente pelos interesses de cada uma. Afinal um curso de magistério, não era exatamente o que podia preparar com condições de competir num vestibular concorrido para realizar um curso numa universidade pública.
Acredito que aquilo que nossa mãe queria era exatamente que cada uma de nós pudesse ser independente, ser sujeito de sua própria vida. E nós todas conseguimos atender essa intenção e até o fim de sua vida ela dizia que as filhas a enchiam de orgulho, pois eram profissionais e pessoas importantes!
O mundo político e cultural estava presente na minha casa desde pequena. Meu pai que estudou apenas no primeiro ano do curso primário aprendeu a ler e soube aproveitar este aprendizado, pois estava sempre lendo livros, jornais, revistas, tudo que aparecia ele lia. Não me esqueço das tantas vezes que nos perguntaram se ele era professor. Mas ele foi sempre um trabalhador braçal, e por muito tempo motorista profissional até se aposentar. Aliás, com a aposentadoria, em um tempo que lhe permitiu viver muitos anos como tal, as leituras foram cada vez mais intensas, e discutia com outros, com os genros e filhas e com nossos amigos pois conhecedor de muitos temas tinha conteúdo para argumentar.
A nossa vida foi mais presente e ligada na família de minha mãe, morando praticamente todos juntos nas terras que meu avô e bisavó possuíam como colonos imigrantes, desde que aqui chegaram. Neste contexto a minha avó materna ao mesmo tempo em que tirava leite das vacas, vendia o leite e cuidava das lides dessas atividades era também leitora assídua e conhecia francês, além do italiano que sempre falou - o dialeto “TALIAN”. Com ela e com os outros avós começamos a aprender o italiano. Mas é importante saber que este italiano tinha suas particularidades que, aliás, merece ser referido, pois que é o falar típico de descendentes de italianos que, especialmente no sul do Brasil, é considerado uma variante brasileira do dialeto vêneto. Os imigrantes originários da Itália nas primeiras décadas comunicavam-se em seus próprios dialetos regionais o que por certo representava uma dificuldade. Em razão dos imigrantes vênetos serem a maioria foi seu dialeto que acabou por preponderar, incorporando termos dos outros dialetos e mesmo da língua portuguesa. O Talian diferencia-se da língua italiana e mesmo do dialeto vêneto italiano por ter se desenvolvido em outro contexto cultural. No ano de 2014 o Talian foi reconhecido IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como Referência Cultural Brasileira.
Voltando a minha avó materna- a Carmelina, outra marca que nos deixa realmente marcadas é a sua vida muito ligada á política e lembro que quando o Getúlio Vargas se matou ela (e eu bem pequena junto) chorávamos pela perda, juntamente com os vizinhos. Ela era assídua ouvinte da “Voz da Legalidade” e do Brizola em seus muitos discursos e depoimentos na Rádio Farroupilha de Porto Alegre e comentava com nós os assuntos.
Minha mãe teve apenas um irmão que foi vereador por várias legislaturas e prefeito da cidade. E nas campanhas políticas lembro-me de nós pequenas junto com ele e seus parceiros do partido distribuindo os “santinhos”. Afinal, a família da minha mãe teve sempre atuação política intensa, o que nos marcou, como é de imaginar.
Neste contexto lembro-me de dois fatos referentes a minha escolarização que foram marcantes, e que podem até ter sido fantasiados nos seus detalhes pela criança que eu era, mas que aconteceram realmente. Um deles foi no Primário quando no Grupo Escolar, como da direção do Grêmio estudantil, eu era algo como repensável pela biblioteca, ou pelos livros que a escola tinha para nossas leituras, e que alguém da direção da escola me chamou para avisar que os livros de Monteiro Lobato precisavam ser todos retirados do acesso para leitura. Eles eram perigosos e não podiam ser lidos pelas crianças. Isso resultou em mim, e talvez em vários colegas a curiosidade e a busca de ler assim mesmo sendo proibidos. Mais tarde fui entender os motivos da retirada dos livros, mas não sei por ordem de quem ou com que justificativas eram dadas. Talvez a nós crianças alunas do primário era apenas a ordem, não sei se em algum lugar isso era discutido.
O outro fato era referente a onde estudar no ginásio, pois no Grupo Escolar terminava na 5ª série e era preciso fazer a admissão para o ginásio e depois para o secundário. Mesmo com condições familiares econômicas difíceis de pagar mensalidade fomos cada uma a seu tempo estudar no Colégio das Irmãs. Lembro que um amigo da família que era deputado federal em Brasília conversava com nossos pais dizendo da importância de estudar em uma escola confessional para uma boa formação, pois as escolas públicas não eram confiáveis e adequadas. Quer dizer eram perigosas e incentivavam o comunismo. Claro que em uma família católica, descendentes de italianos e com muitos religiosos primos e tios da minha mãe e do meu pai a opção era estudar num colégio católico.
Mas a atuação política estudantil sempre marcou os meus caminhos de estudante seja na parte que hoje é o Ensino Fundamental e Médio, seja na universidade, sendo integrante da direção do Grêmio Estudantil e do Centro Acadêmico. Esta fase, alias foi na ditadura e o medo pode ter sido um dos componentes para desenvolver a crítica e a busca do conhecimento para argumentação.
Casada com um professor (de História) eu e Jaeme temos 3 filhos, a Andréia, o Tomás, o Sérgio, todos morando longe. Os três estudaram e fizeram seus mestrados e doutorados nas respetivas áreas. Cada um com sua profissão em determinados momentos também atuaram e/ou atuam como professores. É de fato uma marca familiar o ser professor. Dizem eles que a marca de estudar e ter muito material para leitura em casa os envolvia de modo significativo e criou neles o interesse pela educação pela cultura, pela política, pelas artes, pela literatura e pela música. Temos também 4 netas - Isabela, Valentina, Alicia, Olivia. Dos filhos: Andréia (casada com Luiz Fernando) é psicóloga e mora em Chapecó SC, Tomás (casado com Vanessa) é engenheiro eletricista trabalha na Petrobras em Macaé, Sérgio (casado com Bruna) é engenheiro civil e mora atualmente na Itália.
A minha vida foi sempre em Ijuí, uma cidade do Rio Grande do Sul, que está próxima da fronteira com Argentina, o que mostrava a mim desde pequena essa relação de fronteira que no caso era caracterizada muito pela realização de contrabando (pneus, combustível, farinha, óleo comestível e vários outros produtos de alimentação e de limpeza). Eram muitas as histórias.
Num tempo moramos em Augusto Pestana, onde minha mãe foi ser a agente dos Correios e Telégrafos, uma cidade menor ainda que era parte da antiga colônia de Ijuí. Essa antiga colônia que após processos emancipatórios constitui hoje, além destes (Ijuí e Augusto Pestana) os municípios de Ajuricaba, Bozano e Coronel Barros. Minha infância e juventude assim como a escolaridade foi toda realizada em Ijuí no Grupo Escolar do Bairro Osvaldo Aranha (escola pública estadual) e no Colégio das Irmãs- Sagrado Coração de Jesus (escola particular confessional). Frequentava a Igreja Católica de São Geraldo, onde participava dos grupos de crianças e de jovens.
O curso superior foi realizado em Ijuí, antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras criada pelos frades capuchinos que tinham aqui um seminário de formação para os freis/futuros padres da respectiva ordem religiosa. Além dos cursos de Filosofia e Pedagogia foram criados posteriormente os cursos de Licenciatura Curta em Estudos Sociais, em Ciências, em Letras e os cursos de tecnólogos. Fiz o Curso de Estudos Sociais e posteriormente acompanhando meu marido que fazia um curso de especialização no Rio de Janeiro fiz disciplinas de Geografia na PUC-RJ, para posteriormente fazer Licenciatura Plena em Geografia aqui mesmo. Toda minha juventude é vivida então aqui, no interior do RS, e o que considero importante foi de estudar numa instituição de ensino superior que não se dobrou as regras impostas pela ditadura e inclusive acolheu professores de vários lugares do Brasil e da América Latina. Essas características demarcam a minha vivência e sua espacialidade não em seu espaço absoluto apenas, mas na perspectiva do espaço relativo e relacional, seja pelo convívio com pessoas diferentes, sejam pelas condições políticas que nos motivavam a pensar e agir de modo crítico. Tanto na família como na educação superior.
Após ter feito o curso de Estudos Sociais, a licenciatura e o bacharelado em Geografia foram o caminho mais curto para efetivação da minha carreira na universidade como docente e pesquisadora. A geografia aqui estudada e ensinada inclusive na escola básica tem características que saem da estrita especialidade e se conecta com um contexto das Ciências Sociais, de modo especial sempre trabalhando a história e a geografia interligadas. A geografia era marcada pelas suas singularidades, mas sempre se buscava as explicações para as questões estudadas num contexto mais amplo que envolve a sociedade, a política, a cultura. Além das outras áreas - História, Sociologia, Antropologia, Filosofia o olhar para pesquisa e para a extensão se apresentavam como determinantes na formação do geógrafo e do professor de geografia. E a vida no Departamento de Ciências Sociais, com colegas de formação diversificada estimulava as discussões para além da geografia, colocando as questões sempre num patamar de interdisciplinaridade.
A partir de minha inserção na universidade como professora se pôs como necessário a realização do mestrado e, posteriormente a formação com doutorado e pós-doc, todos fora de Ijuí. No mestrado fiz seleção em Rio Claro e na USP ambos em São Paulo, e tendo aprovação nas duas instituições a escolha pela USP se objetivou pelo fato de ser um curso mais consolidado, pois eu era bolsista de um programa de capacitação chamado PICD/CAPES - Programa Institucional de Capacitação de Docentes para melhoria da qualificação do corpo docente das instituições de ensino superior.
No mestrado estudei questões de formação da Região Noroeste do Estado do RS, que foi o tema objeto da dissertação. Retornando ao trabalho na universidade passei e me questionar se o mais importante não seria estudar e pesquisar acerca do ensino da geografia. Marca essa definição e escolha o fato de eu trabalhar num curso que além de ser presencial tinha também o chamado curso de férias onde a Universidade receba professores que estavam em exercício na escola, vindos de grande parte do RS, e de outros estados. Eram professores pertencentes às famílias que migraram para as áreas de fronteira agrícola, com o excedente populacional das Colônias Novas que estavam saturadas, e que retornam para a região onde estão seus familiares para realizar seus estudos nos períodos das férias.
Ingressei no ensino superior na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí no curso de Estudos Sociais, tendo como referência os professores de Geografia Humana, no que eles diziam quando davam aulas, no que a gente lia nos textos específicos e que era o que me interessava. Então a minha escolha foi essa. Na formação superior a gente tinha um ano letivo inteiro com disciplinas de formação geral: Filosofia, Sociologia, História da Educação, Estatística e uma disciplina chamada EPB - Estudo de Problemas Brasileiros, que no contexto daquele momento era obrigatória mas que teve uma marca singular na FAFI, se dedicando a discutir os problemas brasileiros na perspectiva política. Depois deste ano introdutório se entrava, para a formação específica, que na época eram quase todas de licenciatura curta.
Já trabalhando na FAFI/Fidene, precisava fazer a licenciatura plena para ser professora e nesse processo foram algumas andanças. Por motivos familiares fomos ao Rio de Janeiro e enquanto Jaeme realizava um curso de especialização, eu fiz disciplinas na PUC/RJ onde tive professores que até hoje me lembro, por serem marcantes nos meus entendimentos de geografia. Um deles trabalhava no IBGE e acabei indo fazer um estágio lá. No IBGE eu conheço o professor Nilo Bernardes, que tinha realizado pesquisas e estudos sobre o Rio Grande do Sul. E assim, aprendi a fazer mapa, a fazer pesquisa, a conviver com professores de alto nível, inclusive estrangeiros que ligados à universidade e ao IBGE tinham a pesquisa como procedimento essencial e continuado. Fiz um ano de estudo e de trabalho dentro do IBGE (estágio não remunerado). A partir dessa inserção passei a receber muito material de Geografia e também fiz um curso de formação acadêmica para professor de Geografia no IBGE, com trabalhos de campo e pesquisas.
Retorno a Ijuí e faço o curso de Geografia com os olhos voltados para retornar a algum lugar fora de Ijuí, a fim de fazer o mestrado. O meu curso é de licenciatura e bacharelado, mas eu nunca quis trabalhar como geógrafa, porém sempre me desafiei na pesquisa, em ver como aliar o conhecimento dos livros com o conhecimento da vida prática. E, como fazer com que os alunos nos cursos de formação docente e os da escola básica possam sistematizar os aprendizados dos currículos escolares analisando o seu viver e buscando compreender a sociedade da qual fazemos parte. E, por isso mesmo, como a relação natureza – sociedade acontece de modo a criar possibilidades e dificuldades para a nossa vida, e compreendendo que o tipo de relação entre os homens demarca a relação destes com a natureza, por vezes nos esquecendo de que a humanidade também é (parte da) natureza.
Com estes olhares parto para o mestrado onde tive a parceria de uma colega professa da Fidene e amiga até hoje, a Dirce Suertegaray que fazia o mestrado em Geografia Física e eu em Geografia Humana na USP - SP. Voltamos para Ijuí cada uma com sua especialidade para dar continuidade ao trabalho no Curso de Geografia, sempre no contexto do Departamento de Ciências Sociais. Mesmo ela se transferindo para outra cidade atuando em universidades públicas fora de Ijuí mantivemos e até hoje temos uma relação de amizade e de parcerias acadêmicas.
No tempo da formação em pós-graduação, é muito forte a lembrança do professor Milton Santos que voltava para o Brasil depois de exilado, pois era ele um autor que a gente podia ler na época só comprando seus livros na Argentina. Após seu retorno ao Brasil, à primeira palestra que ele fez na USP, no departamento de Geografia, ele se emocionou, chorou, e aquilo foi marcante para nós que assistimos, principalmente porque líamos seus livros em espanhol, pois suas publicações estavam em francês, inglês e em espanhol. A outra coisa marcante é que nessa época saiu a publicação do Yves Lacoste, “A Geografia serve em primeiro lugar para fazer a guerra”, onde ele discute o papel da geografia no contexto em que vivia considerando que a Geografia dos professores não leva a nada e é interessadamente sem sentido. E nós compramos o livro em xerox, porque ele era pirateado, era outro livro que não era possível de ser comercializado. E para nós foi um alento ler e pensar na geografia que fazíamos que aprendemos na escola e na universidade e que ensinamos na formação dos professores para escola básica.
Fui aluna, e tive na banca de qualificação do mestrado o professor Pasquale Petrone, um pesquisador estudioso da Geografia do Brasil e da Geografia do Rio Grande do Sul, que contribuiu muito, acredita que juntamente com o estágio do IBGE, para a realização da minha dissertação (com a orientação do Professor Ariovaldo de Oliveira na USP) que foi um estudo da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul, sobre o desenvolvimento da industrialização da agricultura capitalista. Termino o mestrado e volto para Ijuí na universidade como docente no curso de Geografia, trabalhando com a formação de professores que em serviço realizavam o curso de férias que acontecia exatamente nos períodos em que estavam em férias de seu trabalho nas escolas. O curso presencial formava além da licenciatura o bacharel. Neste contexto interessava para além de estudar e pesquisar sobre temas dos conteúdos da geografia, as questões acerca do ensino e da aprendizagem da Geografia para dar conta de contribuir de modo significativo na formação dos professores para escola básica. Comecei a pesquisar e escrever acerca dessas questões e fazer um doutorado nessa linha se apresentava como mais viável do ponto de vista de atender as demandas com as quais eu trabalhava.
Ao iniciar o doutorado em Geografia na USP, não tinha linha de pesquisa em ensino. Passei por três orientadores, sendo que o último deles foi o professor Gil Toledo, que marcou muito os meus entendimentos do ensinar e do aprender a geografia. Ele aceitou que eu pesquisasse sobre o ensino da Geografia na linha de pesquisa de Geografia Física, na qual ele estava adscrito. Esse professor tinha uma prática de fazer extensão em Geografia e era reconhecidamente um professor que se preocupava em aliar a pratica aos aprendizados curriculares de modo a que o aluno entenda as coisas do mundo da vida ao estudar geografia.
Neste contexto foi desafiador para mim, fazer a tese sobre ensino de geografia, pois que naquele momento pesquisar acerca do ensino não tinha o mesmo significado de pesquisar sobre outros temas específicos da ciência. É importante dizer que isso não era questão da geografia, mas também das demais ciências que são também disciplinas curriculares.
As pesquisas sobre o ensino de geografia passaram então a ser a demarcação do meu fazer acadêmico e é neste contexto que passamos a conviver, a Sônia Castellar, a Lana Cavalcanti e eu quando fazíamos o doutorado em Geografia todas as três a USP, pensando, conversando e pesquisando sobre o ensino e escrevendo as nossas teses. A partir daí nos juntamos em um grupo de pesquisa, pois nós três tínhamos a preocupação de pensar sobre o ensino, e assim começou a nossa história, a partir da nossa formação acadêmica no doutorado. Nós três fazendo nossas pesquisas nos aproximamos, e passamos a participar juntas de eventos, a escrever, a pensar algumas coisas que nos interessasse para discutir o ensino da Geografia, a fazer pesquisas conjuntas. Fomos participando de eventos e nos constituímos como um grupo de pesquisa que têm marcas até hoje, e ao longo desse tempo a gente teve algumas pesquisas e publicações juntas. Somos nós três primeiras bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPQ para investigar acerca do ensino. E diria que desse nosso trabalho criamos uma amizade que se tornou além de profissional, familiar e também como um grupo de pesquisa de ensino de Geografia que talvez, tenha características de ser pioneiro como tal, mas que com certeza não era essa nossa preocupação, tínhamos é que provar a importância e valorização de ser pesquisador de ensino de geografia.
A realização do pós-doutorado na Espanha na Universidade Autônoma de Madrid teve a supervisão do professor Dr. Clemente Herrero Fabregat oportunidade que tive de encontros com outros pesquisadores europeus sobre as temáticas das minhas pesquisas discutindo questões de formação docente e ensino e pesquisa em Geografia. A relação com o professor Clemente Herrero Frabegat se intensificou com a sua presença sistemática por determinado período junto ao Programa de Pós Graduação em Educação nas Ciências da Unijui. Essa relação acadêmica que abriu outros caminhos se mantém até hoje pois continuamos tendo produção conjuntas e convívio acadêmico e familiar.
Como pesquisadora e professora de Geografia atuo no PPGEC - Programa de Pós Graduação em Educação nas Ciências na Unijui onde oriento questões referentes a formação do professor, ao ensino e aprendizagem. Fui também por 5 anos coordenadora deste Programa. Na UFFS- Universidade Federal da Fronteira Sul participo como docente colaboradora no Curso de pós graduação em Geografia- mestrado. Por algum tempo atuei no Programa de pós-graduação em geografia na UFRGS orientando na área de ensino que incialmente acontecia no interior das outras linhas e tendo uma parceria especial e gratificante com os professores Nelson Rego e Dirce Suertegaray desde a instalação do referido mestrado e na sequencia no doutorado.
Afora essas questões de formação acadêmica e na atuação em curso superior e em Pós-graduação, na realização e pesquisas há que ser registrado o trabalho de extensão que se caracteriza como a formação continuada.
Dentre essas trajetórias considero e destaque o Projeto de Estudos Sociais realizado na Unijuí, ao final da década de 1980 quando nós produzimos um material didático - livros de texto de Geografia e de História da 5ª a 8ª series do EF, um livro de metodologia, escrito por dois professores de História e dois professores de Geografia. E um livro da quarta série que é o estudo do município. Esse trabalho tem uma marca significativa na formação dos professores que passaram pelo curso de geografia (e também de História) da Fidene/Unijui. Teve início com a constituição de um grupo de estudos com os professores da rede estadual de ensino com a parceria de associações dos professores: - Sindicato dos Professores municipais de Ijuí, - Sindicato dos Professores de Ajuricaba, - CPERS- Centro dos professores do Estado do Rio Grande do Sul, e de instituições: -36ª Delegacia de Educação, - Departamento de Ciências Sociais da Fidene/Unijui. Marcados pelo tempo em que vivíamos que era da abertura política pós-golpe e ditadura de 1964, havia anseios de mudança em especial para fazer um ensino que fosse significativo para a vida dos alunos da escola. Foi um tempo de estudo e produção de material didático testado em escolas escolhidas pelo grupo e posteriormente editado para uso nas escolas. Nesse momento se agregaram escolas da rede pública municipal e estadual dos municípios da região da então 36ª Delegacia de educação do Estado do RS e também de escolas particulares. Considero que isso é uma marca da pesquisa de ensino e da pesquisa na e para a sala de aula.
A partir dessa atividade que marcou a todos nós professores, de cursos de formação e os da escola básica, outras publicações foram feitas juntamente com professores da rede pública. Destaco o livro “Vamos construir o espaço e a sociedade de Augusto Pestana” obra que foi produzida por nós do Departamento de Ciências Sociais da Unijui juntamente com o pessoal da área pedagógica da Secretaria de Educação, envolvendo a História e a Geografia do município. Foi obra publicada pelo FNDE e com distribuição gratuita a todos os professores da rede pública de Augusto Pestana. O Atlas IJUI-ATLAS ESCOLAR elaborado por docentes do mesmo DCS-UNIJUI com o apoio financeiro da Prefeitura Municipal de Ijuí e patrocinado pela SESu-MEC destinado aos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental. O estudo do município fazia parte do currículo escolar nesta Série e a produção do Atlas foi para atender estes alunos sistematizando informações acerca do município, apresentando orientações didático-metodológicas para realização do estudo. O destaque é que cada aluno matriculado nas escolas da Rede Municipal de Ensino de IJUI recebeu gratuitamente um exemplar para seu uso.
Essas atividades que me envolvi em atenção aos professores resultaram em várias publicações que estão disponíveis e reportam a importância que sempre entendemos que nos cabe dar ao trabalho de extensão universitária que está assentado na ideia e na pratica do fazer junto. Esse fazer junto atende aquilo que possa ser demanda dos professores e que resolve no atendimento daquilo que lhes é significativo aliando a prática e a discussão teórica com as elaborações metodológicas que atendem as práticas pedagógicas.
Com este mesmo entendimento participei no PNLD como avaliadora de todos os níveis: Anos Iniciais, Ensino Fundamental, e Ensino Médio, em vários momentos e, depois como coordenadora adjunta dessas avaliações. Essa é uma atividade que me permite o conhecimento dos processos de elaboração e de uso do material produzido bem como encaminha a necessária discussão teórica que envolve o ensinar geografia.
Além destes livros destinados aos professores e alunos das escolas da educação básica, tive participação na avaliação dos livros produzidos pelos docentes dos Programas de pós-graduação, que faziam parte da avaliação da CAPES, para o Qualis livros. Na Capes também participei integrando as equipes das avaliações dos cursos de pós-graduação em Geografia, outra experiência marcante do fazer pedagógico, da gestão e da produão de conhecimentos.
No que tange as Relações internacionais a minha participação é demarcada pelos contatos estabelecidos pelas pesquisas que oportunizam intercâmbios entre os docentes pesquisadores e envolve também alunos dos PPGSS que realizam estágios sanduiche na sua formação em mestrado e doutoramento. São do mesmo modo marcas do trabalho de pesquisa e de orientação na pós-graduação seja participando de eventos, fazendo pesquisas conjuntas, escrevendo e publicando no Brasil e nos países dos colegas com quem temos atuação acadêmica e encaminhando os estágios sanduiches dos mestrandos e doutorandos.
São significativas as ligações com a UAM (Madrid), a US (Sevilha), a UL (Lisboa), a UNIBÓ (Bolonha), a Universidade de Santiago de Compostela, na Europa. Na América latina com as Universidades na Argentina, no Chile, na Colômbia, na Venezuela... Neste caso com a criação da REDLADGEO – Rede Latino-americana de Investigadores de Didática de Geografia, que promove colóquios dos pesquisadores a cada dois anos nos diferentes países que constituem essa rede e cria condições para publicação de pesquisas de seus membros, tendo inclusive a edição da revista Anekumene.
Tenho realizado ao longo desse tempo várias pesquisas acerca do ensino de geografia e da formação de professores financiadas pelo CNPq e pela FAPERGS. E como pesquisadora do CNPq (bolsista de produtividade em pesquisa) e da FAPERGS PqG (pesquisador gaúcho) realizo trabalhos de investigação com base e sustentação teórica da geografia, estudando em especial o conceito de lugar. E, neste sentido destaco o livro produzido com colegas gaúchos Antonio Carlos Castrogiovanni e Nestor André Nestor Kaercher onde o meu texto “Estudar o lugar para compreender o mundo” demarca a possibilidade de trabalhar o mundo da vida, as questões práticas considerando os conceitos de local e global, de singular e universal.
A dedicação a estudar a Geografia nos Anos Inicias do Ensino Fundamental é oportunizada pela necessidade de compreender o que cabe da geografia neste nível de ensino e como são formados os professores dos anos iniciais.
Cidade e cidadania é outro tema de destaque nas pesquisas considerando as questões de valores, da ética e da estética na produção uso e vivência da cidade, lugar onde vivem os alunos dos Anos Iniciais, mas também conteúdo dos demais anos do ensino escolarizado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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