ROSA ESTER ROSSINI

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Título
ROSA ESTER ROSSINI
Nome Completo
ROSA ESTER ROSSINI
Nascimento
1941
História de Vida
HISTÓRIA DE VIDA (1941-2020)
Rosa Ester Rossini

1. HISTÓRIA DA VIDA ATÉ A UNIVERSIDADE - 1941-1960

Desde o meu nascimento, ocorrido em Serra Azul, convivi com o trabalho da mulher. Minha mãe sempre trabalhou para somar na manutenção da família. Inicialmente, após o casamento, ela costurava sapatos, enquanto meu pai os fazia.
Por problemas de saúde do meu pai, este vendeu a sua parte na sociedade de uma sapataria, a qual já contava com 17 pessoas trabalhadoras, e veio para São Paulo, com a família para se cuidar. Foi operado e ainda, neste período, meu irmão também ficou doente. Por recomendação médica voltamos para o Interior. Residimos alguns meses em Altinópolis, onde, durante o dia, meus pais trabalhavam como sapateiros e, à noite, meu pai tomava conta do Clube. Foram dias difíceis.
Quando eu tinha 5 anos minha mãe foi convidada para trabalhar no Grupo Escolar de Serra Azul como servente. Voltamos para minha cidade natal e minha família iniciou a "vida no funcionalismo público". Meu pai continuava como sapateiro exercendo atividade em casa e à tarde ia ajudar, gratuitamente, minha mãe na limpeza do Grupo. Ela era a única funcionária.
Neste período convivi intensamente com meu pai e com a nonna (avó), quando aprendi a admirá-los muito. Ia buscar lenha "no mato" com ela para a preparação dos alimentos no fogão de lenha. Não íamos sozinhas. Com o tempo várias crianças da área onde morávamos aderiram “à atividade” como se fosse uma espécie de brinquedo. Ficávamos juntas e, para nos proteger, de algum animal ou cobra, ela ia na frente e nós a seguíamos. No cerrado ela nos explicava a importância de cada lenha que selecionávamos e dizia: “estes gravetos são bons para fazer o início do fogo, pois queimam rápido; ao selecionar as madeiras um pouco mais grossas ela explicava, ao fazer o feixe, que estas eram as canafístulas – madeira dura – que mantinha o fogo aceso por mais tempo (por exemplo, faveiro, sucupira, ipê, jacarandá branco, etc.) ”. Depois de todos os feixes prontos ela fazia a rodilha que era um protetor para a cabeça que consistia em pegar, por exemplo, um saco vazio de açúcar, torcê-lo e enrolá-lo como uma rosca, colocá-lo na cabeça e sobre a qual se assenta o feixe de lenha. Para nós, crianças, era um lazer, um prazer, uma alegria.
Com frequência a nonna Esterina ia visitar as amigas na colônia e me levava com ela. Sempre atenta a tudo, as ouvia falar sobre as histórias da “Brava Gente”. O forno de barro que ficava na frente da cozinha era usado para fazer pão ou assar alguma outra coisa. Nas prateleiras havia muitos doces em conserva (goiabada, bananada e doces em calda - laranja, figo, mamão, cidra). No fumeiro havia variedade de carnes e linguiça. Na lata de gordura, carne pronta em conserva.
Via também cortinas nas janelas, jardim cheio de flores na frente da casa e, no quintal, uma verdejante horta cercada para que os animais de pequeno porte não a invadisse. Tudo isto ia me encantando e acabou ficando gravado para sempre na minha memória.
Numa cidade de amigos, os serviços realizados e nem sempre pagos passaram a ser maiores do que os remunerados. Fazendo um balanço entre receita e despesa meu pai percebeu que, sem computar a sua mão-de-obra, estava gastando mais em material do que recebia com o fruto do seu trabalho. Assim sendo, abandonou a profissão e foi ser carregador de lenha em caminhão.
Aos seis anos, num dia 1o de maio, maravilhada com o desfile dos estudantes do grupo, eu me apaixonei pela escola. Chorei muito dizendo que queria entrar no grupo. Minha mãe falou com a Diretora e dias após, dois meses e meio depois do início das aulas, eu fui para a escola. Consegui ser aprovada no final do ano.
Alguns anos depois, surgiu a possibilidade de uma vaga para servente e meu pai também foi trabalhar no Grupo.
Minha carreira de estudante vai ser selada, indiretamente, pelas mãos de Dona Antonietta de Mattos Guaryannas Taveiros, a diretora do Grupo, a quem devemos a democratização do ensino em Serra Azul.
Até 1948 só as famílias de melhor renda enviavam os filhos para o Ginásio e o ensino médio, pois, praticamente, a única opção era o internato. Escolas caras, enxoval, etc. Em outros casos, para as mulheres havia os pensionatos dirigidos por religiosas, muito caros e com horário de fechar as portas à noite às 22 horas. A outra alternativa, para os meninos pobres, era o seminário que, com frequência, desistiam da “vocação” quando concluíam o ensino médio.
Dona Antonieta fez levantamento na cidade de todas as crianças e adolescentes que tinham "pendor" para o estudo. Foi de casa em casa falar com os pais dos futuros estudantes. Usou o seguinte argumento: deixe seu filho(a) estudar e caso os senhores não consigam mantê-los eu os ajudarei. Assim ela preparou todos/as jovens para o exame de admissão ao Ginásio em São Simão. Numa manhã de dezembro, subiram todos no caminhão e foram fazer exame no Ginásio. Quase todos foram aprovados e nesta leva foi meu irmão, quase quatro anos mais velho do que eu. No começo viajavam de caminhão, diariamente, para São Simão, para frequentarem o Ginásio, depois conseguiram uma jardineira, a "Marieta".
Meus pais sempre tentaram agir de forma democrática e quando eu, aos 10 anos, obtive o diploma do Grupo Escolar e não podia prestar o exame de admissão ao ginásio tive que ficar em casa quase um ano. Fui no segundo semestre, sem questionar, para São Simão, na "Marieta", fazer o cursinho para entrar no ginásio.
Sempre lutei para conquistar meus objetivos. O primeiro grande exemplo ocorreu em outubro de 1952 quando comuniquei à minha família, na hora do almoço, antes da partida da jardineira, que eu ia, a partir daquele dia, morar em São Simão. Diante dos olhares atônitos do meu pai, da minha mãe e da nonna, eu lhes expliquei que a professora, Dona Zoé, disse que eu precisava estudar mais, caso eu quisesse entrar no ginásio e teria, portanto, que dedicar mais tempo ao estudo e ainda receber ajuda da professora. Uma coleguinha me convidou para ficar na casa dela em São Simão. Assim eu saí de casa. Um mês depois meu pai foi ver onde e como eu estava. Quando entrou no escritório e me viu estudando, chorou de emoção.
Em 1953 já estava frequentando o ginásio em São Simão, pois havia sido aprovada no exame de admissão.
Fiz o ginásio, viajando diariamente para a cidade vizinha. No percurso via o café ser substituído por pastagens e eucaliptos. A jardineira quebrava muito e quase diariamente chegávamos a São Simão ou a Serra Azul a pé. Percorríamos trechos de terra-roxa ou de areão. Comecei a perceber nitidamente diferenças de paisagem.
Em Serra Azul, da minha casa, eu via o café ser substituído pelo algodão e ambos já começavam, também, a ser substituídos pela cana. Durante as férias eu ia com a nonna, na Fazenda Paraíso, colher algodão e/ou ia buscar lenha nas áreas de que estavam sendo retiradas partes da mata remanescente para o cultivo deste produto. Íamos diretamente na mata buscar lenha, conforme já referido. Conosco, agora, se juntavam outras mulheres e muitas crianças. Era uma festa, mas eu ainda não percebia que já estava colaborando para a manutenção da família.
A vida era difícil, o salário se atrasava e meu irmão fazia o Curso Normal no Instituto de Educação Moura Lacerda, em Ribeirão Preto. O dinheiro para ele não podia faltar, mesmo considerando que morava na casa do tio Umberto.
No ginásio de São Simão poucos professores haviam cursado a Universidade. O professor James Noronha de Souza havia frequentado a Universidade de São Paulo e cursado Geografia, a professora Maria Sabina Kundman, professora de Francês, também tinha o diploma da USP. Eles se individualizavam.
A influência do professor James foi decisiva para a definição e reforço da minha opção futura. Ele explicava as mudanças da paisagem. Com o uso obrigatório do Atlas em todas as aulas, ele nos mostrava o Brasil e o Mundo. Devo, entretanto, ressaltar que o primeiro mérito pela minha escolha profissional foi devido à nonna que me despertou o prazer de conhecer a paisagem, o trabalho das pessoas e como viviam longe de suas terras e o que e como faziam para sobreviver. Eu me decidi, já na segunda série ginasial, por fazer GEOGRAFIA.
Ganhei muitos beliscões da minha mãe a cada vez que dizia que ia ser professora de Geografia. Como é que a filha dos serventes ia ser professora de ginásio se as filhas da Dona Antonieta eram professoras primárias e nenhuma mulher na cidade tinha ido além do Curso Normal? O braço ficava roxo e eu "como a mulher do piolho" - teimosa - dizia: eu vou ser Professora de Geografia.
Cada vez que eu ia com a nonna visitar as amigas na colônia da Fazenda Paraíso aumentava meu encantamento com o pão quentinho feito no forno de lenha, com as carnes dependuradas no fumeiro, com a horta cheia de verduras, com o pomar carregado de frutas, com o jardim cheio de flores. Cada família era dona de uma "fatia" de terra que ia desde a estrada, passando pela casa até o topo da cuesta.
Os italianos vindos no final do século XIX - minha família chegou em 30 de dezembro de 1889, no Porto de Santos–foram levados, depois de passarem pela Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo, para o município de São Simão, no Distrito de Serra Azul para o trabalho na lavoura de café. Trabalhavam sob o regime de colonato e recebiam, por ano de trabalho, pelo número de pés de café que cuidavam, guardando proporcionalidade entre o número de pés de café e o tamanho da família. Recebiam a casa, um pequeno quintal no entorno da casa onde lhes era permitido criar pequenos animais (cercados) e cultivar verduras, frutas e flores, além de poderem plantar, por exemplo, milho e feijão no intervalo entre uma fileira e outra dos pés de café. As despesas na venda da fazenda eram pagas, geralmente, superfaturadas, no final do ano, quando do acerto de contas.
Muitos conseguiram fazer um pequeno "pé de meia" e, mais tarde, com o loteamento das propriedades, na década de 40, feito pela Companhia de Imigração e Colonização - CAIC - compraram os lotes e passaram a ser donos da terra. Minha família, bem antes desse período, no início do século, já havia conseguido pagar as dívidas no armazém da Fazenda Paraiso, saído do campo e ido para Serra Azul montar um pequeno comércio.
O nonno, Andrea, morreu de acidente de carroça, aos 27 anos, em 1911, quando ia levar "despesa" nas fazendas e meu pai, com 7 meses de idade – e seus dois irmãos foram criados por um tio – Umberto – que, não tendo conseguido manter o comércio, foi ser mestre de obras.
Voltando à década de 40, alguns italianos venderam para "mineiros" seu lote e foram se estabelecer na cidade e/ou migraram para outros locais como Ribeirão Preto ou São Paulo.
Eu queria entender como era tão diferente a terra cultivada pelos "oriundi" e aquela cultivada pelos naturais da terra. Eu queria entender por que os solos eram diferentes. Eu queria entender porque as pessoas eram diferentes. Eu queria entender porque uns tinham muito e outros trabalhavam e se submetiam e continuavam pobres. Só a Geografia, da "Maria Antônia", segundo Seu James, poderia me dar respostas a essas indagações.
Disse para meus pais que queria cursar o Colegial, mas, na ótica deles, eu tinha que me profissionalizar. O máximo que eles imaginavam que poderiam "me dar" era o diploma de Professora Primária.
Na década de 50, as professoras gozavam de grande status e eu seria uma delas. A profissão já havia se feminilizado. Na classe do meu irmão, que havia se formado no ensino profissionalizante em 1957, havia apenas dois rapazes.
Fui para o Curso Normal em Ribeirão Preto e, neste ano, introduziram o vestibular; era o ano de 1958. Neste, mesmo ano, alguns dias após o início das aulas, recebi um telefonema do Diretor do Ginásio de São Simão me convidando para ir para lá, pois acabara de ser criado o Curso Normal. Agradeci e fiquei no Ginásio Estadual e Escola Normal Oficial "Otoniel Mota" de Ribeirão Preto. Foi uma das decisões mais acertadas de minha vida.
Ao contrário de meu irmão, não aceitei morar em casa de parentes. Fui para uma pensão mista, era mais barato que pensionato. Naquela pensão, na Américo Brasiliense, já havia morado a Maria Helena Antuniassi, de quem 20 anos depois fiquei amiga aqui em São Paulo, através do Centro de Estudos Rurais e Urbanos. Era a pensão da Dona Antoninha, viúva, que mantinha quartos coletivos de aluguel para poder manter os filhos estudando. Um deles era o hoje conhecido Major Curió.
Minha vida mudou completamente em Ribeirão Preto. Conheci e me tornei amiga do "grupo das pobres". Ainda, nesta época, mesmo o curso Normal oficial, porque era mais difícil, era freqüentado por filhos de família de classe média e alta. Nós, a Baccega, a Deisi, a Stella, a Litamar, a Santa, a Lourdinha, a Du, etc., éramos filhas de assalariados, pobres.
Todas nós lutávamos, de alguma maneira, para sobreviver. Eu recebia o dinheiro da pensão que era "retirado" do salário dos meus pais. Meu irmão já trabalhava na Clipper, em Ribeirão Preto. Não seguiu a carreira do magistério, embora tivesse tudo para ser bom professor, pois não pôde lecionar, considerando que só no final de fevereiro iria completar 18 anos. Depois de casado, ajudava muito a esposa no preparo do material das aulas. Era excelente desenhista e, enquanto eu estava no ginásio, ele fazia meus trabalhos de desenho e pintava meus mapas.
Em Ribeirão Preto a convivência com as amigas pobres foi uma dádiva. A Baccega, sempre amiga, era a líder do grupo. Dava aulas particulares de português, reunia a equipe na casa da tia,(sua mãe havia morrido de câncer no ano anterior), na Vila Tibério, para os estudos de grupo. Fazíamos debates com os "colegas" do clássico.
Os professores do "Otoniel Mota" eram excelentes, na sua maioria. Um bom número formado pela Universidade de São Paulo. Toccari de Assis Bastos, Florianete de Oliveira Guimarães mostravam o que era ser um professor consciente, engajado.
Nestes três anos eu tentava sobreviver diminuindo as despesas para minha família. Meus pais pagavam a pensão e eu dava aulas particulares para crianças da Escola de Aplicação do "Otoniel Mota". Descobri também com a Deise e com a Stella que se jogasse basquete para a equipe da cidade poderia viajar. Nas refeições, nas cidades onde se realizavam os jogos, era permitido pegar a sobremesa da semana (chocolates, balas, doces). Treinava quase todas as tardes na "Cava do Bosque". Foi um período agradável. Fomos vice-campeãs dos Jogos Abertos do Interior, realizados em Santo André, em 1959.
Continuava ouvindo e recebendo orientação do professor James que agora morava em Ribeirão Preto. Ele me emprestava livros, me orientava e eu me preparava para o vestibular na "Maria Antônia".
No dia 26 de dezembro de 1960 eu e meu pai viemos para São Paulo para eu fazer o cursinho. Os professores eram estudantes do último ano ou recém-formados pela Universidade de São Paulo.
Também não foi fácil convencer meus pais que eu queria fazer faculdade. Afinal eu já era professora. O sonho deles havia se concretizado. O anel de pedra verde seria o símbolo dessa realização. Meu pai fez empréstimo para a compra da jóia. Consegui com que a mesma não fosse adquirida e o dinheiro do empréstimo me fosse dado para eu "passar dois meses" em São Paulo. Abrimos um crediário na Clipper e eu comprei um "banlon" azul, um par de sandálias havaianas. Tomamos o Cometa e chegamos em São Paulo.
Minha tia queria que eu ficasse na casa dela em São Paulo, no bairro de Pinheiros, mas eu argumentei que sempre havia morado em pensão e preferia continuar nessa situação porque tinha mais liberdade para usar o meu tempo. Venci e fomos procurar uma pensão nas imediações da Maria Antônia. Acertei, porque quando começaram as aulas chegaram as "meninas" universitárias do interior, já residentes no casarão da Marquês de Itu: Cidão (São Roque), Clemência (Piracicaba), Ilza (Bauru), Takako (Bauru), Marlene (Bauru), Maria Rosa (Gonçalves), Lúcia Comenho (Avaré), Madalena...
Prestei o vestibular para a Geografia na Universidade de São Paulo. Fiz todos os exames, escrito e oral - Geografia Geral e do Brasil, História Geral e do Brasil, Português e Inglês - todos eliminatórios. Fui passando em todos, mas fiquei no último, inglês. Quase morri de chorar. Telefonei para Serra Azul, na casa de um "amigo", para informar. A minha sorte, uma vez que eu não havia passado no vestibular, foi a forma pela qual meu pai foi informado da minha primeira grande derrota.
Soube que havia outro vestibular de Geografia no "Sedes Sapientiae", Faculdade paga. Telefonei para a professora Maria Sabina, que nesta época já morava em São Paulo e ela veio ter comigo, me consolou, me incentivou e me ajudou no pagamento da inscrição. Prestei exames e fui aprovada.

2. A CHEGADA NA UNIVERSIDADE... 1961-1964

Enquanto fazia o vestibular na Cidade Universitária conheci o professor Araújo. Tínhamos "uma história ligada a Ribeirão Preto". Foi "amor à primeira vista". Ele passou a ser a minha referência. Também no vestibular conheci a Lia, amizade que preservo até hoje.
Comecei a frequentar a Geografia do "Sedes". Apenas preenchi um formulário para pedir bolsa. Não foi preciso fazer mais nada. A dificuldade econômica estava transposta. Foi a minha primeira bolsa de estudos.
Durante o ano em que frequentei o "Sedes Sapientiae", fiz amizade com várias colegas, que me marcaram muito.
Foi o primeiro contato que tive com escola não oficial. As cônegas, pela sua abertura, pela amizade, pelo apoio logo me cativaram. A Madre Maria Ângela - Irmã Lêda -, a Madre Maria da Paz - Irmã Ana Maria -, a Madre Ana Maria - Irmã Lúcia -, a Madre Claret - Irmã Valdete -, Irmã Olívia, Irmã Carmelita, foram tantas que conheci e de quem fiquei amiga que acabaria por estender demais "minhas memórias". Todas foram muito importantes e quase me tornei uma delas. Faltou-me coragem e força.
Em abril de 1961, a inflação se acelerava, a mensalidade da pensão aumentava, a situação ficou muito difícil. A opção foi montar uma "república". Fizemos reunião e organizamos o grupo.
A caminhada para encontrar um apartamento foi grande. Ninguém alugava apartamento para moças, estudantes e do interior. Depois de muitas negativas, encontramos um apartamento. A proprietária era a educadora Chiquinha Rodrigues. Foi a única que acreditou em nós.
No dia 16 de maio mudamos para a rua das Palmeiras. Talvez essa república tenha sido a primeira ou uma das primeiras de mulher. Fazíamos depois da meia-noite, única hora em que todas as moradoras estavam em casa, duas reuniões mensais: uma para prestação de contas e outra cultural. Cada mês uma das "meninas" falava sobre tema de sua "especialidade". Foram, provavelmente, os dez melhores anos de minha vida.
Praticamente todas as moradoras eram estudantes da Universidade de São Paulo. Foram me convencendo a mudar, e a Lúcia me convidou a assistir, à tarde, aulas, na Cidade Universitária. No final do ano eu consegui a transferência para o Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, na Cidade Universitária.
Ainda no mês de maio de 1960, meu pai escreveu me convidando a voltar para Serra Azul e ser professora substituta no Grupo Escolar. Dizia ele que a situação estava difícil e que já havia diminuído o consumo de cigarro, os sapatos precisavam ser substituídos, etc., que não dava mais, especialmente porque os gastos aumentaram muito com a doença da nonna. Pensei bastante e escrevi a ele dizendo que não precisava mais enviar dinheiro.
Fizemos reunião na república e a Takako me arrumou uma atividade: preceptora dos filhos de uma família japonesa. Recebia pouco, mas sobrevivi. Na rua das Palmeiras a contribuição mensal se referia aos gastos com o apartamento e consumo coletivo de café. Fiquei mais de seis meses comendo batata temperada com sal e limão; era a alimentação mais barata.
Na Cidade Universitária eu me realizei. Passava o dia todo lá e fui considerada uma aluna aplicada. O professor Araújo percebeu minhas dificuldades, não falou nada, mas agiu prontamente. Passei a dar aula particular para os filhos dele - José Marcos e Eliana.
Ele me levava da Geografia para a casa dele, na hora do almoço, para que eu desse aulas para as crianças. Elas não precisavam, mas foi a forma discreta que meu amigo encontrou para que eu me alimentasse. Todas as tardes, também, com a mesma discrição, me convidava para tomar no bar da Geografia uma média com pão e manteiga. Passei também a dar aulas para Stela, filha da Dona Nice. Grande parte dos meus problemas alimentares estavam resolvidos.
Sempre que o professor Araújo podia ele me arranjava um "bico". Assim passei a colaborar de forma mais efetiva com ele, levantando material para a Tese de Livre Docência que estava elaborando e também para a pesquisa sobre a Baixada Santista.
Fiquei totalmente envolvida com a vida universitária e profissional. Em 1962 dava aula de admissão na escola que seria criada no bairro do Butantã, trabalhava no levantamento do material sobre o Porto de Santos, especialmente nas férias, passava o dia todo no Departamento de Geografia e, no domingo, junto com as cônegas, Madre Maria ßngela, Madre Ana Maria e Madre Maria da Paz dava aula de religião em Santo André.
Minha primeira grande excursão aconteceu em janeiro de 1963. O professor Aziz organizou uma viagem pelo Vale do São Francisco. Quanto aprendi! Visitamos as Cidades Históricas, chegamos a Pirapora, descemos o rio no "Venceslau Braz" até Juazeiro, na Bahia. Foram dias memoráveis. Todas as noites o professor reunia os mais de trinta estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Sedes Sapientiae - e da Universidade de São Paulo que estavam viajando, fazia uma exposição e recomendava leituras. Chegamos a Juazeiro e em Petrolina tomamos um trem para Salvador. Foram três ótimos dias no Hotel Paraíso. Visitamos a Petrobrás, que financiava nossa estada na cidade. Alugamos um micro-ônibus, pois alguns dos estudantes "esticaram" a viagem e voltamos para São Paulo. Foi a minha primeira e proveitosa viagem geográfica. O professor Aziz foi assim, o professor que com seu brilho incontestável, nos mostrava como o ser humano interferia na paisagem re/produzindo um novo espaço. Com grande categoria integrava sociedade e espaço.
Eu já estava perfeitamente inteirada na vida universitária, exalava geografia, até cansava as "meninas da República" de tanto falar do meu curso. Estava irresistivelmente apaixonada pela geografia. O grupo dos deslumbrados era formado pela Lia, Olmária, Sebastião e eu. Não perdíamos nenhuma excursão, não perdíamos nenhuma conferência; a geografia era nosso alimento.
Em 1963 eu já havia me tornado sócia da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB/São Paulo e não perdia as reuniões que aconteciam na cidade, na sede da rua 24 de Maio. Em julho de 1963 aconteceu a Assembleia Anual da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB. Foi realizada na Bahia - Jequié - sob a presidência do professor Milton Santos.
Fizemos inscrição, fomos selecionadas, mais uma vez o professor Araújo colabora para o avanço da minha profissionalização, pois quando fui me informar dos custos ele já havia pago minha inscrição que incluía hospedagem e alimentação.
Rumamos para Jequié numa perua comandada pelo Tomotoshi. Éramos sete: Diva, Lia, Sebastião, Manuel de Souza, Tomotoshi, um primo deste e eu. Percorremos a Rio-Bahia recém-asfaltada. Era por ela que viajavam, agora, os "paus-de-arara" que se dirigiam para São Paulo.
Em Jequié participei da equipe de trabalho comandada pela professora Nice Lecocq Müller. Fui responsável pelo subgrupo: "A área de influência de Jequié". Fazia parte da equipe o jovem Roberto Lobato.
A Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB, juntamente com o Departamento de Geografia, foram a minha escola de aprendizado. Trabalhávamos, lado a lado, comandados pelos maiores expoentes da geografia do Brasil. Nunca mais perdi reunião da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB. Fui depois às Assembleias que se realizaram em Poços de Caldas (1964), Congresso no Rio de Janeiro (1965), Blumenau (1966), Franca (1967), Montes Claros (1968), Vitória (1969), I Encontro Nacional em Presidente Prudente (1972), Congresso da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB em Belém (1974), II Encontro Nacional em Belo Horizonte (1976), Fortaleza (1978), Rio de Janeiro (1980). A partir dessa data assisti apenas aos III, IV e VIII Encontros da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, respectivamente.
A paixão pela Geografia aumentava cada vez mais. Queria conhecer tudo, queria me "especializar" em tudo. Em 1963 fiz estágio com os professores Maria Alice dos Reis Araújo e José Bueno Conti, no Instituto Geográfico e Geológico, e com o doutor Nelson Rodrigues no Instituto de Medicina Tropical. Neste mesmo ano, a convite da Marinita, comecei a ensinar geografia no Colégio Estadual Antônio Raposo Tavares, de Osasco.
Assisti também, em 1964, ao curso optativo de Orientação à Pesquisa coordenado pelos professores Léa Goldenstein, José Ribeiro de Araújo Filho e Renato da Silveira Mendes. A área escolhida para o desenvolvimento do trabalho interdisciplinar foi o "Bairro Industrial do Jaguaré". Nesse curso comecei a aprender a trabalhar em equipe. Foi um ano de pesquisa e mais tarde a professora Léa e eu redigimos o trabalho "O Bairro Industrial do Jaguaré", cuja publicação só viria a ocorrer em 1972, através do Boletim Paulista de Geografia, número 47.
Para completar foi criado o Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, em 1963, e através do convite formulado pelos professores Aroldo de Azevedo e Pasquale Petrone comecei a trabalhar na pesquisa sobre "O Abastecimento da Cidade de São Paulo em Produtos Hortifrutigranjeiros". Foi um ano de levantamento de dados junto ao Entreposto Municipal da Cantareira. Copiávamos, por amostragem de 10%, as notas fiscais com a discriminação dos produtos, do volume, da procedência e a empresa ou cooperativa responsável pela emissão da nota. Diariamente, o mais eficiente e responsável motorista - senhor Sulino - nos levava ao mercado. A equipe era constituída por todos os pesquisadores, estagiários e geógrafos do Instituto de Geografia: Seabra, Judith, Maria Enokida, José Luís, Lia e eu. Um pouco mais tarde a professora Diva se integra ao grupo.
Chega 64. Eu trabalhava no dia 31 de março, com a professora Diva, corrigindo os originais do livro organizado pelo professor Pasquale Petrone, fruto de trabalho interdisciplinar, "Baixada Santista". Na "República" onde eu morava fizemos reunião e a partir daí a casa se "encheu" de gente com "culpa no cartório". Pensávamos apenas que tínhamos que apoiar as pessoas que pensavam como nós.
Não perdia nenhuma excursão promovida pelo Departamento. Ia a todas as obrigatórias e mesmo às outras. Lia, Sebastião e eu não perdíamos nenhuma oportunidade.
Sabíamos que ia haver uma excursão e íamos ao ponto de saída do ônibus para ver se sobrava algum lugar. Os professores resolveram, em uma reunião do Departamento, de uma forma discreta, para diminuir nossa participação repetida, exigir sempre relatório. Isso não nos abalou, continuamos a ir em todas elas e fazíamos relatório. Acabamos "incomodando" até nossos colegas com nosso desejo de participar sempre.
A vida transcorria e eu trabalhava dia e noite com o objetivo de "crescer", assim concluí o bacharelado e licenciatura em Geografia em 1964.

3. O ENSINO E A PESQUISA... 1965-1988

O ano de 65 foi o mais importante, do ponto de vista profissional: "Dante Alighieri", PUC - "Sedes Sapientiae", "São Bento" -, Concurso de Ingresso, Congresso no Rio de Janeiro, Instituto de Geografia.
No início do ano foi criado o Curso Normal no Colégio "Dante Alighieri" e o professor Pasquale Petrone me convidou para assumir as aulas de Geografia.
No mesmo ano a professora Cacilda também me convidou para ensinar Geografia do Brasil na Faculdade "São Bento", pois ela começava a deixar as aulas de lá e no fundo me preparava para assumi-las, integralmente, o que aconteceria em 1967.
No "Sedes Sapientiae" os alunos do Curso de Ciências Sociais não estavam muito satisfeitos com a professora de Geografia. Como eu mantinha contato, aos domingos, com as Cônegas de Santo Agostinho e como elas estavam acompanhando meu interesse pela geografia e sabiam que eu ia iniciar o trabalho na PUC "São Bento" e no Colégio Dante Alighieri, me convidaram para assumir a Disciplina de Geografia Humana para o Curso de Ciências Sociais. Neste Departamento, mais tarde, eu seria eleita a Coordenadora (1970-71).
Neste mesmo ano de 1965 foi realizado o concurso de ingresso para o Magistério Oficial do Estado de São Paulo. Do concurso faziam parte as seguintes provas eliminatórias: escrita e leitura pública da mesma, didática e prova prática de cartografia.
A banca examinadora foi constituída pelos seguintes professores: José Ribeiro de Araújo Filho, Diva Beltrão de Medeiros e o representante do Ensino Oficial, Miguel Chammas.
Mesmo tendo sido classificada em primeiro lugar, não consegui escola na Capital. Mesmo assim, ao ingressar, pude conciliar, em parte, meus interesses, pois ensinava à noite no Instituto de Educação Estadual "Washington Luís", em Moji das Cruzes.
Em 1963 fui nomeada para auxiliar de pesquisa no Instituto de Geografia. O meu conflito surgiu em 1965, quando nós, os estagiários, ficamos sabendo que havia duas vagas para geógrafos/as e tinham sido convidadas pessoas que não estavam nem vinculados à pesquisa e nem ao ensino superior. Sentimos que, já formados, esses dois cargos deveriam ser preenchidos por concurso e nós nos submeteríamos a ele. Isso não aconteceu e pedimos demissão: José Luís, Maria Enokida e eu. Os/as geógrafos/as não foram admitidos. Mais tarde o Adilson A. de Abreu foi nomeado. Apesar desse problema, eu continuei, agora "estagiando", sem bolsa, no Instituto de Geografia. Colaborei na monografia sobre "O Tomate", escrevi sobre "A Alface no Abastecimento da Cidade de São Paulo", colaborei na pesquisa de campo sobre "As funções urbanas nas proximidades do Mercado Central de São Paulo", texto redigido por Adilson Avansi de Abreu.
Em 1966, quando assumi as aulas como Professora Efetiva de Geografia Geral e do Brasil, reforcei ainda mais minha preocupação voltada para os estudos populacionais. Viajava no trem de subúrbio com o professor Maurício Tragtenberg e conversávamos muito sobre o tema Migração. Víamos e participávamos da luta daquelas pessoas, em bom número migrantes, que tentavam sobreviver, como nós.
Em 1966-67 fiz curso de Pós-Graduação no velho regime e recebi o certificado em 1968, pois realizei o trabalho final da disciplina de Geografia Urbana sob o título “ A perda do emprego dos “colarinhos brancos” na Inglaterra”.
A efetiva Pós-Graduação, no Departamento de Geografia da USP, sob orientação do professor José Ribeiro de Araújo Filho, comecei em 1967, quando assisti a vários cursos para obtenção dos créditos com vistas à defesa de Dissertação de Mestrado, que tinha acabado de ser implantada. Assim sendo comecei a Pós-Graduação.
Paralelamente às atividades de ensino continuei assistindo aos cursos ministrados por professores convidados pelo Departamento de Geografia e pelo Instituto de Geografia. Em 1963 o professor Monbeig ministrou o curso sobre Geografia Regional da França e Problemas da Agricultura em Regiões Tropicais; em 1964 o professor Philippe Pinchemel sobre Geografia Urbana e Planejamento Regional; professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro sobre Climatologia Dinâmica e o professor Guy Lassere sobre Fitogeografia; professor Antônio Rocha Penteado sobre o Mundo Tropical, em 1965; Sociologia Rural pela professora Lia Freitas Garcia, Cartografia pelo professor André Libault, em 1966; Planejamento Regional e Regionalização pelos professores Michel Rochefort e Jean Labasse, Colonização no Sul do Brasil pelo professor Jean Roche e População Brasileira, pelo professor Moisés Kessel, curso patrocinado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB, em 1967, no Departamento de Geografia da USP que sediava a AGB/SP.
Prestei concurso e fui aprovada em 1967 no Colégio de Aplicação Professor "Fidelino de Figueiredo" da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Teria sido uma experiência única caso eu tivesse conseguido o comissionamento pleiteado. Como meu dia só tinha 24 horas tive que abandonar a ideia de trabalhar lá, pois continuava sendo professora da PUC - "Sedes Sapientiae" e "São Bento", do IE "Washington Luís" de Moji das Cruzes, fazia Pós-Graduação, assistia a vários cursos, etc.
No final de 1967, por sugestão da colega Marina Piza de Sampaio Góes – a Marinita – fiz minha primeira viagem de avião e internacional. Fui com um grupo de brasileiros participar de estágio internacional sobre didática da Geografia em Sèvres – França. Conhecemos as melhores técnicas de ensino, falamos sobre nossos trabalhos e no retorno assumi as aulas de Prática de Ensino de Geografia e coordenação do Colégio de Aplicação do “Sedes Sapientiae”.
Com a vinda do professor Pierre George para ministrar Ciclo de Conferências sobre Geografia Urbana e África do Norte, "transferi", por dois meses, em 1968, as aulas da PUC - "São Bento" para a USP. Tive alguns problemas com isso e acabei me desinteressando pela Faculdade "São Bento". Pedi demissão. Coincidentemente várias alunas pediram transferência para o Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Dentre elas, a Nilde Pinheiro, a Arlete Moises, a Cida Serapião, etc.
No início de 1969, estavam criando o Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul e a professora Maria Alice dos Reis Araújo me convidou para ministrar as aulas de Geografia Humana do Brasil, enquanto ela ensinava Geografia Humana. Foi uma experiência gratificante. Tínhamos a mesma orientação e uma aproveitava os exemplos da outra, deixados no quadro-negro, para fazer as amarrações das aulas que transcorriam teórica e metodologicamente com muita semelhança.
Surgiu a possibilidade de contratação de uma pessoa no Departamento de Geografia. Desde 1965 o professor Araújo vinha interessado na minha admissão pela Universidade de São Paulo. Todos os professores me conheciam muito bem e sabiam do meu interesse científico. Houve discussão no Conselho do Departamento e todas as pessoas presentes aprovaram a minha indicação. O catedrático de Geografia do Brasil, em cuja área eu ia trabalhar, argumentou que “mulher casa, tem filho e não faz carreira”. Não fui contratada. Nova oportunidade só foi acontecer em julho de 1970, quando o referido catedrático já havia se aposentado em 1968.
Menos de um ano depois eu entregava e defendia sob orientação do professor Araújo a dissertação de mestrado intitulada "Serra Azul, o homem e a cidade".
Obedeceu à linha até então desenvolvida pela geografia da época, isto é, o trabalho monográfico.
Nesta pesquisa já comecei a trabalhar, na geografia, com a mão-de-obra volante. Talvez um dos primeiros trabalhos voltados para este tema e o primeiro do Departamento de Geografia da USP, onde, inclusive, já apresentei no texto os dados do trabalho específico da mulher e do homem.
Após a defesa do Mestrado, em 1971, a convite da professora Terezinha Fram comecei, por sugestão da professora Maria Alice dos Reis Araújo, a trabalhar também na Secretaria da Educação, coordenando o projeto denominado "Caracterização Socioeconômica dos Municípios do Estado de São Paulo", com vistas à implantação do ensino profissionalizante no Estado (Lei 5692/71).
Neste trabalho, apesar das dificuldades econômicas para a pesquisa, elaboramos vários documentos e mais tarde, com acompanhamento da Lia Reismann, foram publicados os mapas com a denominação de "Cartogramas Básicos para Planejamento Educacional".
O trabalho foi realizado de 1971 a 1974 com a colaboração de Lia Reismann, Teluko Yonemoto, Helena Mirabelli e Aparecida de Godoy, professoras comissionadas. Contou ainda com a colaboração mais efetiva dos estudantes Ana Fani Alessandri, Amélia Luiza Damiani, Tânia Bondezan, Lúcia Araújo Marques, Adalberto Leister, Nelson Bacic Olic. Estes dois últimos, récem-formados. Ainda tivemos a colaboração preciosa, por um período de mais de um ano, da professora Nice Lecocq Müller. O trabalho na Secretaria de Educação, apesar de sofrido, pois que, neste longo período, nem a metade do tempo os estagiários e eu recebemos qualquer remuneração. Foi, tenho certeza, uma verdadeira escola para muitos estudantes, na realidade, foi uma Iniciação Científica.
Para mim, o convívio com Dona Nice e a experiência adquirida fora do mundo acadêmico foram muito proveitosos.
O mais importante foi que, a partir deste material, alimentei o projeto de minha tese de doutoramento.
Utilizei na redação da Tese, cerca de 10 cartogramas, vinculados diretamente ao estudo da população.
Envolvida com as leituras dos trabalhos de Jacqueline Beajeu-Garnier e Pièrre George na Europa e Elza Keller, pioneira nos estudos de população no Brasil, além de José Francisco de Camargo, enveredei de forma concreta por esse caminho.
O trabalho desenvolvido foi constituído de duas partes. Na primeira foi feito estudo evolutivo da ocupação do espaço paulista, dando uma espécie de continuidade à Tese de Doutorado do professor Camargo, que analisou a população até 1950; eu o estendi até 1970. Na segunda parte apresentei pesquisa feita pela Fundação Plano de Amparo Social - Fundação PAS - que se referia a "Populações Marginais" e, com autorização da Fundação aproveitei parte dos dados e desenvolvi o tema sobre a questão do trabalho volante na agricultura. Neste momento a penetração mais intensa das relações capitalistas no campo tinha deixado marcas profundas. A migração campo/cidade assumiu proporções enormes no Estado e no País e a presença do volante, residindo na periferia das cidades e voltando diariamente para o trabalho no campo, era um fenômeno novo na paisagem e que foi implementado, em especial, a partir da Legislação Trabalhista para as pessoas trabalhadoras no campo em 1963 – Estatuto do Trabalhador Rural. Em 1964, foi publicado o Estatuto da Terra, que favorece a implantação da Reforma Agrária. Em 2020 ainda permanece quase como “letra morta” em relação ao número de famílias necessitadas e daquelas atendidas.
O trabalho de Maria Conceição D'Incao sobre o "Bóia-Fria, Acumulação e Miséria" ocupava as manchetes. Todas as áreas voltadas para as Ciências Humanas desenvolviam este tema.
Assim foi que, em outubro de 1975, defendi a tese de Doutoramento, sob orientação do professor José Ribeiro de Araújo Filho. Participaram da banca os professores Pasquale Petrone, Wanda Silveira Navarra, José de Souza Martins e Fernando Salgado. A Tese foi defendida com o título"Contribuição ao Estudo do Êxodo Rural no Estado de São Paulo", onde dei o destaque para o trabalho de homens e de mulheres no corte da cana.
No final de novembro, aniversário da minha cidade natal, a Prefeitura, para comemorar o Ano Internacional da Mulher, através de minha pessoa, homenageou todas as mulheres. Foi, talvez, a maior honra recebida, pois, cada uma tem o seu significado específico e único. Neste momento eu percebi efetivamente que tinha sido pioneira em Serra Azul e provavelmente aberto a porta para outras mulheres alçarem vôo e conquistarem espaço. Tinha sido a primeira mulher a ter bicicleta, a entrar na Universidade, fazer carreira universitária. Em 1984 inauguraram, sob grande emoção para mim, na Escola Estadual de 1o e 2o Graus, a Biblioteca Professora ROSA ESTER ROSSINI.
A partir de 1975 fiquei definitivamente voltada para os estudos de população e, de forma mais intensa, preocupada com o tema da mão-de-obra volante, com o destaque para o trabalho específico de Homens e de Mulheres.
Tendo sido publicado o tempo integral, em fevereiro de 1976, tive que me afastar da PUC, de São Caetano e ficar exclusivamente na Universidade de São Paulo.
Merece ressaltar que, com a fusão das Faculdades "São Bento" e "Sedes Sapientiae" em 1970, eu havia retornado à PUC (São Bento), ensinando Geografia Humana - Geografia da População - para os alunos dos cursos de Ciências Sociais e História. Trabalhava também com o curso de geografia, coordenando estágios dos alunos de Prática de Ensino de geografia e ministrava aulas desta disciplina para os alunos do período da manhã, o que vale dizer, para os alunos do "Sedes Sapientiae".
Foi um período bastante profícuo, pois aprendi a trabalhar com o colega Fauze Saadi nos cursos que programamos, em conjunto, para os Departamentos de História e Ciências Sociais.
Ainda na PUC me foram dadas muitas responsabilidades, as quais eu desenvolvia com enorme prazer: Coordenação e organização do currículo para alunos de complementação em geografia para os formados em Estudos Sociais, Reformulação do Currículo de Geografia em conjunto com a professora Maria Alice dos Reis Araújo Fischer, preparo das questões de geografia para o vestibular da PUC, etc.
A partir de 1976 fiquei exclusivamente trabalhando no Departamento de Geografia da USP. Se por um lado a saída da PUC, em especial do elo que me ligava ao "Sedes Sapientiae", foi traumatizante, por outro, a partir desta data pude me dedicar mais aos estudos populacionais.
Foi nesse período que comecei a frequentar o Centro de Estudos Rurais e Urbanos a procura de intercâmbio, pois o meu trabalho na geografia era muito solitário. Era a única que trabalhava mais diretamente com População. Ao mesmo tempo passei a frequentar mais reuniões científicas além daquelas realizadas pela Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB.
A convivência com Eva Blay, Lia Fukui, Maria Isaura Pereira de Queirós, no CERU, abriram novas perspectivas para meus estudos.
Neste período conheci a professora Maria Luíza Marcílio, pioneira nos estudos de demografia histórica no Brasil, e ela me abriu as portas para maiores intercâmbios. Participei de mesa redonda com o tema "Relações entre a Marcha da Ocupação do Estado de São Paulo e o Café", no Congresso da União Internacional para o Estudo Científico da População - IUSSP - 1977, no México. Por sugestão da mesma colega fui ao Rio de Janeiro apresentar trabalho e também participei da criação da Associação Brasileira de Estudos Populacionais - ABEP -, em 1977, sendo, portanto, sócia-fundadora, da qual em 1980-82 fui tesoureira.
Assisti a quase todas as reuniões sobre "Mão-de-obra Volante", realizadas anualmente em Botucatu, sob a coordenação das professoras Maria Helena Rocha Antuniassi, Sonia Maria P. P. Bergamasco, Leonilde Sérvolo de Medeiros e José Graziano da Silva.
Nesta mesma época me integrei intensamente na Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB/São Paulo, tendo sido diretora por duas vezes, além de ter exercido de 1961 a 78 praticamente todos os cargos. Na Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB/Nacional, também participei do Conselho Diretor, praticamente de 1970 a 78, após ter sido alçada à sócia efetiva, tendo sido secretária e tesoureira por dois mandatos.
Com a defesa da tese de doutoramento, surge outra preocupação básica, isto é, a orientação de alunos de Pós-Graduação. O Programa de Pós-Graduação autorizou, em 1977, nível mestrado e em 1979, nível doutorado, assim como o ensino da Disciplina Geografia da População - A População Paulista, em nível de Pós-Graduação.
A orientação de alunos e a participação em bancas examinadoras representam momentos de enriquecimento intelectual e significativa oportunidade de atualização científica. Trabalhando com os pós-graduandos, tenho tido oportunidade permanente de reciclagem e de abertura para vários temas na área de população.
Finalmente devo ressaltar que por indicação da professora Elza Keller passei a ser membro efetivo por duas gestões - 1980-84 e 1984-88 -, da Comissão de Geografia da População da União Geográfica Internacional - UGI. Nesta Comissão tive a oportunidade de conhecer pesquisadores de todo o mundo que trabalham com o tema de minha especialidade.
Em função de minha vinculação com a Comissão de Geografia da População, organizei em 1982 reunião intermediária da UGI que ocorria centralizada no Rio de Janeiro, mas com reuniões distribuídas por todo o país devido à diversificação de Comissões. A de Geografia da População ocorreu, em duas etapas – São Paulo e Rio de Janeiro – dela participando os membros da Comissão de Geografia da População e demais participantes.
Foi penoso, pois com pouca experiência internacional recebi uma dezena de professores do exterior para debater questões de População. Vieram pessoas da Inglaterra, França, Suíça, Itália, Moçambique, Índia, Argentina e Chile, além dos brasileiros. Do Departamento de Geografia, de forma mais efetiva, atuaram as colegas Inês Geraiges, Maria Regina Sader e Nice Lecocq Müller (profa. aposentada). Neste evento de 1982 realizei a primeira mesa redonda sobre Geografia e Gênero no Brasil que contou com a presença de Janet Momsen (coordenadora do Grupo de Trabalho Geografia e Gênero da UGI), Jane Benton, Mônica Osthaeder, dentre outras personalidades.
A participação nessa Comissão permitiu tanto maior intercâmbio com pesquisadores como possibilidade de publicação em revistas internacionais. Valeu a pena.
A criação do Grupo de Trabalho sobre Geografia e Gênero da UGI do qual participei, desde o seu início, possibilitou nova frente de envolvimento, de estudo, de pesquisa e de trabalho e de ousadia, pois, a mulher não era ainda categoria de análise na geografia.
Iniciei, oficialmente, minha primeira pesquisa sobre o tema em 1977 (projeto de pesquisa para o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa – RDIDP, junto ao Departamento de Geografia), mas como a mulher não representava ainda categoria de análise para a geografia fiquei por longo tempo procurando o caminho para a integração. Em 1983, consegui, pela primeira vez a Bolsa de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, na categoria B. Reapliquei a mesma pesquisa em 1985, o que me permitiu avaliar as mudanças ocorridas nestes quase dez anos de maior engajamento da mulher na força de trabalho.
O fio condutor foi encontrado. Através da categoria trabalho foi possível a integração. O aprofundamento dos estudos nos permitiu entender melhor essa categoria de trabalhadoras discriminadas. Em 1988 entreguei e defendi a Tese de Livre-Docência com o título "Geografia e Gênero: a mulher na lavoura canavieira paulista". Da banca participaram os professores José Ribeiro de Araújo Filho (presidente), Milton Almeida dos Santos (USP), Manuel Correia de Andrade (UFPE), Antonio Olívio Ceron (UNESP Rio Claro) e Lêda Maria Pereira Rodrigues (PUC – São Paulo).
Do concurso fizeram parte as seguintes provas: Aula Teórica, Aula Prática, Prova Escrita, Defesa da Tese e Avaliação do Memorial. O resultado final deixou-me radiante, pois foi média 10,0 (dez).
Enquanto pesquisava participei de reuniões na Itália - Cagliari – Sardenha - primeira reunião internacional sobre Geografia e Gênero da Comissão de Geografia da População da UGI - estabeleci intercâmbio com pesquisadores da Inglaterra, dos Estados Unidos, da Suíça, da Itália, da França, de Portugal. Os estudos de Geografia e Gênero começam a interessar as pessoas pesquisadoras da Geografia. Assim é que em 1988 o grupo de trabalho se transforma em Comissão de Geografia e Gênero na UGI, do qual, a convite de Janet Momsen, da Inglaterra, fiz parte como representante da América Latina e já, em abril de 1989, foi realizada a primeira reunião científica na Inglaterra, em Durham.
No Brasil, desde 1985, por iniciativa da professora Eva Blay, oito professoras da Universidade de São Paulo (Eva Blay (FFLCH), Elizabeth Lobo (FFLCH), Vera Soares (I Física), Ruth Cardoso (FFLCH), Maria Amélia Azevedo (I Psicologia), Dulcília Buitoni (ECA), Miriam L. Moreira Leite (FFLCH), e Rosa Ester Rossini (FFLCH),criaram o Núcleo de Estudos da Mulher e, em 1988 adotou-se a denominação de Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais do Gênero (NEMGE), do qual participo até hoje. A primeira coordenadora foi a Professora Eva Blay.
De 1984 a 88 coordenei o curso de Pós-Graduação em Geografia Humana no Departamento de Geografia, o qual foi rico em experiência. Aprendi muito.Ainda na coordenação do curso, já com mais conhecimento das formas de obtenção de financiamento para vinda de professores, pudemos contar com a presença de importantes geógrafos, como a dos professores Manuel Correia de Andrade e Pedro Pinchas Geiger. Vieram ainda financiados pela FAPESP os professores Jean P. Damais, Daniel Noin, Alain Lipietz, da França, os professores Carlos Carreras e Eugênio Garcia Zarza, da Espanha, e a professora Maria Nazaré Roca, da Iugoslávia. No mais na coordenação vieram ministrar cursos e proferir conferências os professores Manuel Araújo de Moçambique, Maria Beatriz Rocha-Trindade de Portugal e Maria Aparecida de Moraes de São Carlos.
A convite da professora Maria Isaura Pereira de Queiroz, participei como membro do Conselho Técnico e Científico do CERU, de 1985 a 1988 e do Conselho Deliberativodo NAP-CERU até 1998. Também em 1985 foi criado, por iniciativa da professora Maria Luiza Marcílio, o Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina - CEDHAL - do qual participei como representante do Departamento de Geografia até 2008, quando me aposentei.
A Professora Ebe Reale, coordenadora do Programa de Estudos de Problemas Brasileiros, em 1985, fez-me um convite de difícil resposta em função do momento político em que vivíamos (Ditadura Militar), o qual consistia em coordenar, em nível de graduação, o referido programa junto à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, constituído por 700 estudantes. Conversei com várias pessoas. Uma delas, o jornalista Granville, que já havia estado preso por dois anos, disse: “Se ela fez o convite e lhe deu autonomia é ver para crer. Nós só podemos avaliar durante o desenvolvimento da atividade. É um ato de coragem”. Aceitei o desafio, convidei pessoas competentes para proferir palestras, independente da opção política. Foi um sucesso. Deu tudo certo. Valeu.
Por iniciativa da professora Elza Keller, desde 1985 desenvolvemos no Departamento de Geografia - antes Instituto de Geografia - o projeto do “Atlas da População do Estado de São Paulo”, financiado pela FAPESP e CNPq do qual ela foi coordenadora geográfica e eu coordenadora geral.
A elaboração deste trabalho, que foi o primeiro deste gênero no país, recebeu apoio da Fundação SEADE e Secretaria de Economia e Planejamento, graças ao interesse da professora Neide Patarra, diretora de Estudos Populacionais da Fundação SEADE - SP. Devido a diversos problemas, finalmente em 1995 foi publicado.A coordenação do Projeto, sua conclusão e publicação, representam o coroamento dos esforços e do interesse pelos estudos populacionais.
A redação da tese de Livre Docência se prendeu muito a este trabalho, pois quase todos os cartogramas, nela apresentados, foram extraídos desse projeto.

4. O CNPq, A DESCOBERTA DO PIBIC E AS NOVAS POSSIBILIDADES – 1988 – 2010...

Uma das grandes realizações e consagrações profissionais ocorreu em 1988 com a eleição, promovida pelo CNPq, junto à comunidade de bolsistas de produtividade em pesquisa e dos Programas de Pós- Graduação em Geografia para a indicação de nomes para a seleção pelo Conselho Deliberativo de uma pessoa para participar como Assessora de Geografia Humana e Regional junto ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na vaga aberta com a saída do professor Manuel Correia de Andrade. Meu nome foi o selecionado.
Foram dois anos altamente gratificantes: o trabalho em Brasília; o estudo e análise dos projetos; a constatação do que estava sendo produzido na Geografia. A convivência com os técnicos do CNPq foi maravilhosa. Em 1989 fui eleita para representar o Comitê (Geografia Humana e Regional, Planejamento Regional, Arquitetura e Urbanismo e Demografia) junto à Comissão Coordenadora dos Comitês Assessores do CNPq.
Desde o final de 1989 participo, junto às instituições que integram o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do CNPq, como membro representante dos Comitês Assessores junto à Área de Ciências Humanas e Sociais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Através desse programa, colaborando na seleção e ou avaliação das bolsas, tive oportunidade de viajar por todo o Brasil. Participei de trabalho nos Módulos U. E. Maringá/Londrina (Londrina), U. F. Bahia (Salvador), U. F. Minas Gerais/Viçosa (Belo Horizonte), F. U. A. Amazonas/INPA (Manaus), U. F. Pará/Maranhão e U. E. do Maranhão (São Luís), U. F. Mato Grosso/U. F. C. Acre/U. N. I. R. Rondônia (Cuiabá), U. F. Pelotas/Santa Maria/Rio Grande (Pelotas), U. F. Santa Catarina/U. E. Santa Catarina (Florianópolis), U. F. Uberlândia/Goiás/Mato Grosso (Campo Grande), U. F. Pará/Maranhão/FCAP/UEMA (Belém), U. F. Minas Gerais/Viçosa (Viçosa e Belo Horizonte). A partir dessa atividade apresentei na SBPC do Rio de Janeiro (1991) trabalho de comunicação coordenada a respeito do Programa ("Mudança de Vento: do 'Balcão’ para a Universidade. O Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação Científica"). A partir de meados da década de 90, as instituições começaram a fazer, cada uma, de forma independente, a sua seleção e avaliação. Os pedidos de ingresso junto ao Programa por parte das instituições de ensino e pesquisa pipocavam. Prazerosamente eu me multipliquei para colaborar com as instituições que me convidavam para participar como representante dos Comitês Assessores do CNPq junto à área de Ciências Humanas e Sociais, segundo a norma estabelecida pelo CNPq em que tanto para o processo de Seleção como para o de Avaliação deveria haver uma listagem de pesquisador/as fornecida pelo CNPq, constituído por bolsistas de Produtividade em Pesquisa-Pq-Nível 1A, que seriam os representantes dos Comitês Assessores das três grandes áreas do conhecimento – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Ciências Exatas e da Terra e Ciências da Saúde e Biológicas. Cada instituição deveria convidar pelo menos uma pessoa pesquisadora, de cada área do conhecimento. No início foi muito difícil, pois as instituições nos viam como fiscais e não como colegas, com mais experiência do que eles em pesquisa, e que estavam ali colaborando na análise dos projetos e na proposta do subprojeto específico para o/a estudante. Foi difícil e ainda hoje continua, pois torna-se necessário explicar ao Professor/a, que cada solicitação não é uma parte do projeto mais amplo, mas um subprojeto específico para o/a estudante se iniciar na pesquisa e que não é o volume de trabalho que vai definir a qualidade do subprojeto.
Declarei que tinha dois amores – Geografia e PIBIC – em um dos textos que escrevi. Um deles é o PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Por ele tenho viajado por todo o país e contribuído com minha experiência. De 2004 até 2009 participei da Comissão Nacional de Avaliação da Iniciação Científica – CONAIC – sob a coordenação do Prof. Isaac Roitman que muito tem contribuído para o aperfeiçoamento do Programa e a descoberta de novos talentos. Considero o PIBIC o Programa de maior sucesso do CNPq. No início eram 350 bolsas por módulo, bem modesto. A “ginástica” era grande no momento da seleção, pois em geral, eram, no mínimo, três universidades. Com o tempo, o programa foi ganhando significado pela sua descoberta pelas Universidades e pela percepção de que ele era o caminho para o futuro. Pipocavam motivações de ingresso no Programa, para a participação. As universidades necessitavam demonstrar sua capacidade de orientação: professores titulados, tempo integral de uma boa parte do corpo docente e publicação de artigos e livros indexados. Em 2004 foi dado mais um reforço ao PIBIC, pelo Presidente do CNPq, Professor Erney F. Plessmann de Camargo com a implantação do PIBIC Junior do qual fazem parte estudantes das escolas públicas dos ensinos médio e fundamental. Em 2005 foram criados tanto o PIBIT – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Tecnológica bem como o PIBIC Jr. Foram incluídas também participações do ensino fundamental. Para se ter uma ideia da importância destes programas, em 2010 eram cerca de 100.000 bolsas usufruídas pelos estudantes, sendo 28.000 pelo CNPq e o restante por Universidades, Fundações de Amparo à Pesquisa e outras fontes. Hoje, (2020), apesar da estagnação e até diminuição dos números do CNPq, o forte apoio tem sido dado pelas Universidades. Acrescente-se ainda o forte empenho dos/as estudantes que atuam junto ao programa na condição de voluntários/as.
Entre 1990 e 1995, fui representante do Brasil como membro da equipe do Foro de Iberoamérica coordenado pelo Professor Eugênio Garcia Zarza, da Universidade de Salamanca. Estive na Espanha apresentando trabalhos "A População Brasileira: Trabalhar e Sobreviver". A exposição foi apreciada de tal forma que o convite foi renovado até o final do programa. Apresentei trabalho sobre Migrações – II Jornadas de Estudos Geográficos Iberoamericanos com o tema: “A peregrinação do cidadão à procura de cidadania. Brasil. Migração Nacional e Internacional”, Evolução da População, Urbanização e outros temas, todos publicados.
Por iniciativa das Professoras Miriam Moreira Leite, Lia Fukui e Lucila Brioschi com reuniões e palestras quinzenais, foi constituído o Grupo de Estudos de Gênero, de 1995 até 2005, no NEMGE, com reuniões quinzenais, do qual participei durante todo o período de vigência. Lamentavelmente, com a transferência da Reitoria para o prédio onde o NEMGE estava alojado, perdemos o espaço e ainda não reconquistamos outro equivalente, mas começa a aparecer uma luz no final do túnel, um espaço para a discussão de trabalhos sobre o tema Mulher está em compasso de espera.
Orientei dissertação de Mestrado sobre o tema ("Mulher na Indústria Têxtil Paulistana" – Yná Andrighetti) e tese de Doutorado (Marlene Maria da Silva. A participação da Mulher na pequena produção agrícola do agreste pernambucano) e a elas se seguemmuitas outras orientações.
Em julho (1991) foi realizada reunião sobre a Questão Regional e os Movimentos Sociais na América Latina, na qual coordenei os trabalhos sobre o tema Mulher. A reunião foi patrocinada pelo Departamento de Geografia da USP, Departamento de Cartografia e Análise da Informação Geográfica da UNESP - Campus de Rio Claro, UGI - Grupo de Trabalho sobre Geografia e Gênero e NEMGE (Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero).
Assim é que, além dessas atividades, embora as pessoas estudiosas sobre o tema Mulher ainda sejam pouco numerosas na Geografia, tenho levantado a bandeira sobre o tema e feito várias palestras, por exemplo: CERU, Faculdade de Botucatu, UNESP - Rio Claro, F U A – Amazonas, Barcelona (Espanha), Buenos Aires e Tandil (Argentina), Bogotá (Colômbia), Cidade do México (México), bem como em todos os eventos do PIBIC, Congressos e Reuniões Científicas. Nunca perco a oportunidade de inserir a discussão sobre gênero.
Um dos trabalhos mais difíceis na minha carreira foi a participação na Comissão Examinadora do Concurso para efetivação docente junto ao Departamento de Geografia da F.F.L.C.H. da USP, em 1988. Foram 24 candidatos, todos colegas e de excelente nível. Julgar é tarefa difícil especialmente quando se trata de colegas de trabalho. Todos mereciam o primeiro lugar, mas só um, poderia ocupá-lo. Felizmente tudo transcorreu na maior normalidade e a banca, após o exame do currículo, do memorial, da aula e da leitura da prova conseguiu chegar a um resultado classificatório. Participaram também da banca os professores José Pereira de Queiroz Neto – Geografia - USP - e José Sebastião Witter – História – USP.
A vinda para o Departamento do professor Milton Santos, em 1983 e, em seguida, da professora Maria Adélia A. de Souza colaborou para com que se tomasse um novo rumo de criação no Departamento. O espírito aberto de ambos, a criatividade e o coleguismo deram novo impulso aos projetos. A cobrança no bom sentido tem sido extremamente gratificante e nos impulsiona.
Com a reestruturação do Departamento surgiu a possibilidade de trabalho mais participativo. Integrei-me ao Laboratório de Geografia Política, Planejamento Territorial e Ambiental – LABOPLAN, coordenado por Maria Adélia. No Laboratório, além dos trabalhos individuais atendendo às linhas de pesquisa dos professores envolvidos, elaboramos um projeto de cujo desenvolvimento participaram vários pesquisadores: "Território e Sociedade: As Geografias da Modernidade". Pretendemos nele, "estudar através de múltiplos enfoques, as geografias decorrentes da modernidade, especialmente no Brasil". Os professores envolvidos foram Milton Santos, Maria Adélia A. de Souza, Armen Mamigonian, Maria Regina C. T. Sader e eu.
Deste projeto participei, na condição de coordenadora, por dois períodos de financiamento junto ao CNPq – Projeto Integrado – e só deixei por ter “perdido o pé” quando me deparei em 1996 com vitiligo. Participei também por várias vezes da coordenação do LABOPLAN, até minha aposentadoria, em 2008, após 44 anos de dedicação integral ao Departamento de Geografia da FFLCH da USP. Isto não quer dizer que “dependurei as chuteiras”, pelo contrário, continuo trabalhando intensa e gratuitamente na orientação de estudantes – IC, TCC, Mestrado, Doutorado e Supervisão de Pós-Doctor, além da gratificante participação na condição de Bolsa de Produtividade junto ao CNPq além muitas colaborações para participar de bancas, concursos, avaliações, pareceres, etc.
Voltando às atividades junto ao LABOPLAN ressalto que com o término do programa do Projeto Integrado do CNPq cada professor passou a solicitar, individualmente, Bolsa de Produtividade em Pesquisa (Pq), os bolsistas de IC, Apoio Técnico e verba. Aproveito a oportunidade para declarar que desde 1983 tenho a felicidade de usufruir de bolsa de Pq e, a partir de 1985, na Categoria 1A e em 2003 recebo também o GRANT. Talvez seja a pessoa em atividade que detém, no Departamento de Geografia da USP, bolsa por mais longo período. A partir de 2010 a solicitação de bolsa, na categoria 1A, passou a ter vigência por um período de 5 anos. Prêmio concedido a bolsistas experientes. Isto quer dizer também que tenho o aval para participar do PIBIC como membro do Comitê Externo e até mesmo de Comissões nomeadas pelo CNPq. Penso que esta última concessão, pelo período de 03–2020 a 02-2025 será minha última solicitação, pois estarei com 84 anos.
Voltando à década de 90 merece destaque minha participação junto ao Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero – NAP/NEMGE-USP. A Profa. Eva Blay permaneceu como Coordenadora até o final de 1988 quando assumiu importante posição junto à Organização das Nações Unidas para, em Viena, coordenar atividades de Gênero. E, de 5/10/89 até 1/02/91, a professora Eva assumiu a condição de Senadora por São Paulo por ser a 1ª Suplente de Fernando Henrique. Assim sendo, alguém tinha que assumir o NEMGE e por aclamação fui a escolhida. Trabalhei duramente de 10/1988 até fevereiro de 1996 exercendo a coordenação do NEMGE e até 2008 fui membro participante do Conselho Deliberativo. Durante o período organizamos eventos, orientamos bolsistas e estabelecemos convênios, atividades várias de interesse das questões de gênero e continuamos na luta, mesmo com o NEMGE apenas presente on-line.
Do Convênio realizado com o Ministério de Educação e Desportos e Universidade de São Paulo – NEMGE - sob a coordenação do Prof. Ary Plonski coordenei a pesquisa que redundou na Publicação “Ensino e Educação com Igualdade de Gênero – Guia prático para professoras e professores do ensino fundamental e médio”. O Guia foi publicado em 1996 tendo como autoras Rosa Ester Rossini (Coordenadora),Rochelle Saidel, Sonia Calió e Isamara Lima de Jesus. Em 2006, na comemoração dos 10 anos foi lançada a 2ª edição, revista e ampliada.
Estes engajamentos possibilitaram com que eu adquirisse maior visibilidade nacional e passasse a ser mais conhecida pelo meu envolvimento com a questão de gênero na Geografia. Este “viés” possibilitou a algumas pessoas certa confusão teórica: “Você não trabalha com geografia agrária, mas com mulher”. O meu esforço de mais de 40 anos, no Departamento de Geografia, para muitos colegas, pode ter valido pouco. Fora dos muros do Departamento, valeu muito e há demonstração nacional e internacional desta minha bandeira de lutas: dar visibilidade aos estudos de gênero na geografia.
Em 1989, foi publicado o edital de abertura de concurso para Professor Titular junto ao Departamento de Geografia da FFLCH da USP. Apenas duas professoras do Departamento de Geografia, (Rosa Ester Rossini e Maria Adélia Aparecida de Souza), eram credenciadas para a participação neste concurso, pois o pré-requisito era ter defendido tese de Livre-Docência. Como percebi que a Professora Maria Adélia não estava se preparando para a inscrição neste concurso, fui perguntar a ela o motivo pelo qual não estava se inscrevendo pois, sabidamente, ela possuía mais títulos de atividades e maior produção científica do que eu. Para minha satisfação, a sua ética e generosidade falaram mais alto. Naquela época, no departamento de geografia era respeitada a precedência da data, na defesa da Livre-Docência a quem já a havia defendido. A vaga para Professor Titular se devia a aposentadoria da Professora Olga Cruz. No ano seguinte, 1991, com a aposentadoria da Professora Léa Goldenstein e abertura de novo concurso a Professora Maria Adélia teve a chance de se inscrever ao concurso para Professora Titular. A partir daí, em todos os concursos há vários candidatos com banca escolhida e aprovada pelo Conselho do Departamento de Geografia (pela composição da banca tanto para Professor Titular como para ingresso à carreira de Docente no Departamento de Geografia é, com frequência, previsível o resultado).
Em dezembro de 1990 prestei concurso para Professora Titular de Geografia e fui aprovada com a nota máxima (dez). Como membro da Banca de Concurso participaram os Professores Milton Santos (presidente), Manuel Correia de Andrade, Eva Blay, Antonio Olívio Ceron e Lêda Maria Pereira Rodrigues. Pela primeira vez não pude contar com o Meu Professor, Meu Orientador, Meu Amigo, Prof. José Ribeiro de Araújo Filho, a quem devo boa parte de minha história de vida acadêmica e científica, pois seu estado de saúde estava bastante precário.
O ingresso nesta nova categoria – MS6 – na Universidade de São Paulo foi o passaporte para outras conquistas: financiamento para a pesquisa, orientação a mais estudantes, mais bolsistas, aumento de convites para participação em bancas de concurso público, etc. Aproveito ainda para reproduzir, no encerramento, a fala do Professor Milton Santos, presidente da Banca do Concurso para Titular de Geografia – Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo: “- Agora, na condição de Professora Titular a senhora recebe o passaporte da LIBERDADE. Pode falar o que quiser!”.
Continuei no Programa de Pós-Graduação trazendo professores do país e do exterior para ministrar, em nível de pós-graduação,disciplinas e/ou cursos: Maria Aparecida de Moraes (UNESP) e Ivone Gebara para ministrarem curso sobre gênero, Manuel Araújo de Moçambique da Universidade Eduardo Mondlane, para ensinar sobre a África Sul-saariana, Maria Beatriz Rocha-Trindade da Universidade Aberta de Lisboa que proferiu o curso sobre Migrações, Eugênio Garcia Zarza da Espanha que ministrou a disciplina “A terceira idade produz emprego”, dentre outros.
Com estes contatos profissionais e outros engajamentos, participei de vários convênios internacionais pelo programa Alfa como, por exemplo, com a Universidade de Salamanca, Universidade de Barcelona – Espanha, Universidade Eduardo Mondlane – Moçambique, este último coordenei até 2006 quando passei a “batuta” ao Prof. Wanderlei Messias da Costa por recomendação do Prof. Manuel Araújo.
Em 2005 fui agraciada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia do Governo Federal com a Ordem Nacional do Mérito Científico na condição de Comendadora. Este reconhecimento nacional de minha atuação profissional foi extremamente honroso considerando que, no Departamento de Geografia da USP, apenas o Professor Milton Santos detinha o título na condição de Comendador desde 1995 (segundo seu currículo) mas em 2005 recebeu a comenda Grã-Cruz. No Brasil, são pouquíssimos/as os/as geógrafos/as que as receberam. Também em 2005, meu colega Eduardo Yázigi fez-me uma surpresa inesquecível. Honrou-me dedicando o livro “Deixe sua Estrela Brilhar – criatividade nas ciências humanas e no planejamento” (apoio do CNPq e publicado pela editora Plêiade), com os seguintes dizeres: “A inefável Rosa Ester Rossini (...como a fascinação do canto doce).
Por falar em honraria, neste mesmo ano a Câmara Municipal de Serra Azul me homenageou reconhecendo minha luta em benefício da ciência e minha luta para conquistar um “lugar ao sol” considerando que venho de família humilde – servente de escola pública – e consegui, graças ao meu esforço, ascender ao mais alto grau na academia – Professora Titular – e na mais significativa universidade do país – Universidade de São Paulo. Aproveito também para destacar que, apesar da ocupação do meu pai ter sido muito modesta ele se individualizou tanto na atividade que, por indicação do vereador José Carlos Gomes, foi aprovada pela Câmara Municipal de Serra Azul e inaugurada em 28 de abril de 2000 a Escola Municipal de Educação Infantil – EMEI Ramiro Rossini. Em 2 de agosto de 2014, recebe a denominação de Escola Municipal de Educação Básica – EMEB Ramiro Rossini. Em 2020, são 300 crianças matriculadas de 5 a 7 anos de idade. Talvez seja o único servente no mundo que tenha recebido esta honraria.
Pelo envolvimento desde 1990 junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC – CNPq recebi inúmeras homenagens o que me torna cada vez mais responsável pelo programa. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1999 me ofereceu uma placa pelos 10 Anos de Dedicação ao PIBIC; em 2001 o mesmo ocorreu com a Universidade Católica Dom Bosco de Campo Grande – MS; em 2010 a UFAM também me homenageou pelos 20 anos de participação no PIBIC.
Nada mais agradável do que encerrar um período da vida com a GLÓRIA de o Programa de Pós-Graduação Geografia, Gênero e Sexualidade da Universidade Federal de Rondônia, na coordenação da Profa. Dra. Maria das Graças Silva, em 30/05/2010, ter dado meu nome – Rosa Ester Rossini – a uma das salas de trabalho e que fica defronte à de Josué de Castro.

5. O PRESENTE E O FUTURO – 2008...

Para ter mais “autonomia de voo” e dedicar mais tempo, tanto ao Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC – do CNPq e instituições conveniadas, como aos orientandos de IC, TGI, Mestrado, Doutorado, Pós-Doutorado (supervisão) e aos estudos e trabalhos de pesquisa, assim como aos projetos de vida em andamento, tomei a decisão de solicitar aposentadoria após 44 anos de atividades na Universidade de São Paulo, pois minha primeira contratação foi como auxiliar de pesquisa no recém criado Instituto de Geografia da USP, em 1963.
Não foi o ponto final, mas o ponto de partida para novas empreitadas. O PIBIC, que representa, para mim, o programa de maior inclusão científica, cultural e social, me absorve boa parte do ano nas atividades de seleção e de avaliação de Projetos e Subprojetos específicos de pesquisa. Vale “esclarecer” que muitos jovens se descobriram participando do PIBIC, se envolveram de tal forma com a pesquisa que, a partir de sua realização, continuaram no aprofundamento da temática, tanto no desenvolvimento do TGI (Trabalho de Conclusão de Curso), na Dissertação de Mestrado e na Tese de Doutorado e, em cada um deles, pela competência apresentada, obtiveram, por mérito, financiamento através de bolsas de estudo. Muitos foram além, tanto na instituição original, no país e no exterior; partiram à procura de mais conhecimento sobre a temática escolhida. Muitos, também prestaram concurso e, por mérito, foram aprovados e, portanto, “entraram pela porta da frente” da Universidade, na condição de professores/as ou pesquisadores/as, tanto da mesma universidade que lhes ensinou os primeiros passos da pesquisa como em outra Universidade ou Instituto de Pesquisa, ambos Pública e continuaram trilhando os passos da pesquisa agora na condição de orientadores, tanto de IC como de outras titulações (Mestrado, Doutorado, por exemplo). É muito comum, participando de processos de avaliação por este enorme país, encontrar jovens professores/as que, emocionados/as, dizem: “Professora, a senhora já me avaliou outras vezes nesta ou em outra instituição (mencionando o nome), agora a senhora vai avaliar o meu/minha orientando/a”. Acrescente-se ainda que, no caso de terem optado por exercer atividade fora da academia, os/as jovens que participaram da IC, na empresa onde trabalham ou na condição de executivos, sempre se individualizam devido ao aprendizado e experiência de trabalho em equipe e também de resultado de estudo e pesquisa individual e específica.
Assim sendo, o Programa não é de Assistência Social, mas de motivação e de competência científica e do qual qualquer estudante, não importando a condição socioeconômica e origem étnica pode e deve participar. Esta é uma das minhas “bandeiras” de luta: o PIBIC.
Participei intensamente desde 2007 no engajamento do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo junto ao Programa Interinstitucional da CAPES – Dinter e Minter – e Universidade do Estado do Amazonas, a partir da solicitação do Prof. Marcílio de Freitas, Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas, e, posteriormente, reforçado pela reitora da Universidade Estadual do Amazonas – UEA, Professora Marilene Correa da Silva a qual ofereceu todas as condições para a realização plena do programa. Apesar de ser recomendação da CAPES que programas de Pós-Graduação com o mérito científico notas 5 a 7, como o do Departamento de Geografia – nota 7 - colaborassem para a formação de quadros nas universidades emergentes, houve muita resistência de professores/as dos Programas de Pós-Graduação em Geografia Física e Geografia Humana do Departamento de Geografia da USP para participarem de orientação aos colegas tanto em nível de doutorado como de mestrado da Universidade do Estado do Amazonas - UEA e da Secretaria da Educação do Estado do Amazonas. Resistências foram rompidas e cerca de 40% dos professores se fizeram presentes. O apoio irrestrito veio da Profa. Sandra Lencioni que, depois de minha aposentadoria, assumiu a coordenação do Programa.
No início de 2009, tomei a decisão de reduzir “quase integralmente” minha biblioteca, doando, no total, 54 caixas de livros – tamanho mudança. Enviei numa primeira leva, 30 caixas contendo livros para a UNIR e em outra remessa, poucos meses depois, mais 11 caixas, tendo, no primeiro caso, ocorrido certo desvio de boa parte dos livros, por tê-los encaminhado, por sugestão institucional, à Fundação Rio Mar e não ao Departamento de Geografia da Universidade de Rondônia – Porto Velho – RO. Continuo armazenando caixas – tipo mudança – aguardando que colegas de Rondônia as levem para a UNIR. Em 2017 o Professor Josué da Costa Silva preparou mais 13 caixas que correspondiam ao acervo de Didática da Geografia doado pela Professora Lúcia Araujo Marques. Pela gentileza dos Professores Rosangela Hilário e Wendell, da UNIR, em 2018, despacharam os volumes diretamente à instituição e os abriu publicamente. Assim sendo,o novo endereço da minha biblioteca passou a ser a Universidade Federal de Rondônia pelo carinho e respeito que tenho recebido dos/as colegas. No novo prédio da UNIR os estudantes passarão a ter um espaço com um acervo que foi meu e que muito me ajudou a trilhar o caminho do ensino e da pesquisa.
Professora e Professor são todos iguais, apaixonados/as por livro. Assim sendo, restaram em 2009, na minha casa seis estantes de livros “imprescindíveis”. Hoje – 2020 – os “livros se multiplicaram” e já há 20 estantes repletas de livros.
Tive também a honra de receber homenagens em 2009 no Encontro de Geografia Agrária ocorrido na USP em São Paulo, e, no final de 2010, no Encontro Nacional de Geografia Agrária, realizado na Universidade Estadual do Paraná – UNIOESTE, Francisco Beltrão – PR, no qual proferi a palestra de encerramento do Evento.
Após minha aposentadoria intensificaram convites para participar, na condição de supervisora, do acompanhamento, discussão de pós-doutorandos, mesmo já tendo feito esta atividade anteriormente, desde 2004, junto ao Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero. Com bolsa apoiada pela Fapesp, tive a honra de realizar a supervisão do pós-doctor de Sonia Alves Calió, uma das poucas geógrafas que sempre trabalhou com a questão de gênero.Assim sendo, concluí muitos programas na condição de supervisora, por um período de um a dois anos cada um: Professor Paulo Esselin, da UFMS – 2007 a 2009 – e do Professor Carlos Martins Jr., também da UFMS – 2012 a 2014. Abrindo um parêntese, destaco a supervisão, em 2010, à Professora Dra. Alice Y. Asari, da UEL – Universidade Estadual de Londrina, com o tema dos dekasseguis. Desde 1985, eu me envolvi com este assunto e aproveito a oportunidade para inserir uma pequena história que esclarece e aprofunda o engajamento com o tema. Talvez eu tenha sido a primeira pessoa que, sem ascendência oriental, tenha publicado o primeiro trabalho na geografia do Brasil sobre os dekasseguis. Orientei – mestrado e doutorado – ReimeiYoshioka que, após o mestrado, foi o primeiro diretor do CEATE – Centro de Atendimento ao Trabalhador Migrante para o Exterior – e com o qual discutia também muito este assunto; orientei – especialização – Wanda Ueda, cuja mãe aplicou, no Japão, os questionários que utilizamos para explicar o envolvimento/engajamento das pessoas do Brasil que migraram “temporariamente” a procura de trabalho para o Japão e que lá, “no calor da hora”, se manifestavam a respeito da vida e trabalho; Yoshikazu Yamochi, professor da Universidade de Tenri (Província de Nara), que realizou o mestrado no Brasil, em 1991, sob minha orientação, em 1995, convidou-me a conhecer sua universidade e proferir palestras sobre o Brasil, no Instituto Latino Americano da Universidade, cujos estudantes entendiam, um pouco, da comunicação em língua portuguesa. Estando lá, aproveitei a oportunidade, com a colaboração dele, para entrevistar muitos dekasseguis do Brasil e o que mais me chamou a atenção foi o número de casamentos “oportunistas”, isto é, como, em geral, o homem não tinha etnia japonesa, fazia acordo com uma jovem de origem japonesa propondo casamento para poder migrar para o Japão à procura de trabalho. O acordo rezava que ela o acompanhava e ele se obrigava a repassar, mensalmente, 30% do salário recebido. Caso ele não cumprisse o contrato, realizado em cartório no Brasil, ela poderia denunciá-lo e ele não mais poderia permanecer no Japão (pode ter sido um acaso terem me indicado apenas mulheres que tinham este histórico); Ricardo Hirata – doutorado, na sua pesquisa no Japão, realizou cinco perguntas de interesse para o meu trabalho em andamento e, Marcelo Hideki – Iniciação Científica, cujos pais, no Japão, aplicaram 40 questionários que foram úteis para desvendar alguns itens de nossa pesquisa individual. Engajei-me no tema, a partir dos anos 80, quando percebi que a migração para o trabalho de colheita da cana era muito semelhante aquele dos migrantes à procura de trabalho no Japão. Acrescente-se que a palavra dekassegui quer dizer migrante temporário. Os problemas, as dificuldades de ambos, são muito semelhantes sendo que a grande diferença é o valor monetário recebido no final de cada mês, por parte da pessoa trabalhadora no Japão e pela mão de obra volante na agricultura canavieira no Brasil, com destaque para a macroárea de Ribeirão Preto, localizada no Estado de São Paulo.
Retornando aos colegas de diferentes universidades que, como pós-doutorandos, realizei a supervisão, Carlos Alberto Póvoa da Universidade Federal de Uberlândia, 2016, Yoshiko Sassaki, da UFAM, 2017 e José Januário de Oliveira Amaral, 2018, todos permaneceram por um período de dois anos e muito contribuíram não só apresentando trabalho no Laboratório de Planejamento Territorial e Ambiental – LABOPLAN – do Departamento de Geografia da USP, como realizando pesquisas de interesse para o seu projeto específico. Destaco também o acompanhamento de jovens estudantes durante um período de mais de 10 anos contínuos que na primeira década do século XXI, com a Iniciação Científica, passando pelo Trabalho de Conclusão de Curso (TGI), Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado. São eles: Elisa Pinheiro de Freitas (2016), Danton Leonel Bini (2018), Aline Lima Santos (2019) e Mateus de Almeida Prado Sampaio (2019).
O Programa de Pós-graduação em Geografia Humana autorizou-me em 1976 a orientação no nível Mestrado e em 1978 em nível de Doutorado. Até o presente – 2020 – orientei: 28 mestrados; 38 doutorados. No conjunto das orientações, acrescente-se, ainda, monografia de Conclusão de Curso de Aperfeiçoamento/Especialização - 5; Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação – 16; Iniciação Científica – 63; Supervisão de Pós-Doutorado – 11.
A vida renasce e se transforma a cada dia, a cada ano. O trabalho se multiplica. “Chovem” projetos ou programas para dar parecer – FAPESP, FAPEAM, FAPESPE, FAPEMato Grosso, FAPERN, UNB, USP, CNPq, UNIR, UERN, UFABC, UFPB, UFCG. Os convites para participar de Bancas em nível de mestrado e de doutorado – qualificação e defesa – muito me honram, pois todas são de muito bom nível. Apesar de receber convites de todo o Brasil, vale destacar a intensidade e frequência dos oriundos dos estados do Amazonas – UFAM; Pernambuco – UFPE; Rio Grande do Norte – UFRN; Rondônia – UNIR; Ceará – UECE; Mato Grosso do Sul – UFMS, dentre outras.
A partir da primeira década do século XXI, com o novo procedimento das Universidades Federais em relação a concursos, tenho participado de Bancas de Concurso de Ascensão à Carreira Docente na Categoria de Professor/a Titular: Gisele Aquino Pires do Rio – UFRJ, 2015; Vitória Regia Fernandes Gehlen – UFPE, 2015; Marilene Correa de Silva Freitas – UFAM, 2017; Nelson Matos Noronha – UFAM, 2017; Jaira Maria Alcobaça Gomes – UFPI, 2017; Yoshiko Sassaki – UFAM,2017; José Januário de Oliveira Amaral – UNIR, 2017; Rosa Mendonça de Brito – UFAM, 2017; Josué da Costa Silva – UNIR, 2019; Françoise Dominique Valery – UFRN, 2019; Iraildes Caldas Torres – UFAM, 2019; Maria Francinete de Oliveira – UFRN, 2020.
Uma das maiores satisfações da vida acadêmica é também o ofício de escrever, publicar, participar de eventos e de grupos de pesquisa. Participei de 2010 a 2015 como colaboradora do Observatório do Desenvolvimento: Monitoramento e Avaliação do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais na Zona da Mata Sul de Pernambuco, coordenado pela Professora Vitória Gehlen, que coordenou a Cátedra Desenvolvimento IPEA/CAPES, tendo como patrono o Professor Manuel Correia de Andrade e que, com sua aposentadoria, perdi a pista sobre a cátedra, mas o trabalho, de certa forma, continua tanto pelos ex-orientandos da Professora Vitória como também com as pesquisas de duas Doutoras, minhas ex-orientandas, Maria Rita Ivo de Melo Machado, da UFRPE e Lúcia Ferreira Lirbório, do Instituto Pedagógico de IPPE e que também ministra pós-graduação na UFPE.
No final de 2011, no Seminário Latino-Americano de Geografia e Gênero: Espaço, Gênero e Poder – Conectando fronteiras, Pré-encontro da Conferência Regional da União Geográfica Internacional – UGI – sob a coordenação as Professora Joseli Maria Silva, da UEPG, a mais representativa dos estudos de gênero e sexualidade do Brasil, fui homenageada na qualidade de precursora dos estudos de gênero na Geografia do Brasil.
No dia 8 de maio de 2012 fui surpreendida ao receber a agradável notícia dada pela minha colega geógrafa, Helena Ribeiro, diretora da Faculdade de Saúde Pública da USP, que eu era uma das 5 professoras da USP agraciada pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo com a Medalha da Imperatriz Leopoldina, pela passagem do dia da Mulher. Estas medalhas tinham permanecido “guardadas”, por 50 anos, por conta da perda da chave do cofre, e isto a torna ainda mais valiosa.
Mais uma vez pela minha participação, engajamento e dedicação ao PIBIC em “Seminário FAPEAM 20 anos”, ocorrido em 10 de julho de 2013, recebi o Diploma de Menção Honrosa pela colaboração, durante todo este período, não só com o PIBIC, mas também como membro da Comissão Científica do PIBIC da UFAM e da FaPEAM.
Em 31 de novembro de 2012, a reitora em exercício, Professora Dra. Maria Cristina V. de França, da Universidade Federal de Rondônia, me honrou com a entrega do título de Doutora Honoris Causa, cujo processo inicial havia sido encaminhado pelo ex-reitor, Professor Dr. José Januário de Oliveira Amaral (um dos dois “meninos” que apoiei, conseguindo bolsa do CNPq, quando ele e o Professor Dr. Josué da Costa Silva, já matriculados no Departamento de Geografia da USP, para realizarem Pós-Graduação na USP – Mestrado – e que após aguardarem por dois meses a bolsa souberam que os processos nem sequer havia saído da Universidade e sido encaminhados à CAPES, que oferecia duas bolsas a cada Departamento de Universidade emergente para a formação de quadros. Assim sendo, estavam se despedindo dos Professores da USP).
A Congregação da Universidade de São Paulo aprovou o meu ingresso junto ao Programa de Professor Sênior junto ao Departamento de Geografia no dia 21 de fevereiro de 2013, o qual, até o presente (2020), eu o mantenho (A cada dois anos é necessário fazer relatório das atividades e nova proposta. O processo é avaliado por uma comissão; em seguida o parecer é discutido no Conselho do Departamento de Geografia e depois pela Congregação da FFLCH-USP). É a forma que me permite continuar na ativa nas seguintes atividades junto ao Departamento de Geografia: orientação de TGI – 1 e 2 e IC. Vale ressaltar que desde minha aposentadoria continuo dando minha contribuição na Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado – ministrando disciplina e participando de colóquios semanais com os/as estudantes de pós-graduação e IC. É sempre conveniente ressaltar que, na USP, após a aposentadoria, continuamos a trabalhar sem remuneração; trabalhamos pelo prazer de poder contribuir, em especial, com a pós-graduação, possibilitando a entrada de mais pessoas no programa USP porque, além de ser de bom nível, é gratuito. Minha opção principal tem sido o apoio aos estudantes de outros estados do país.
Em maio de 2013 (de 22 a 23), o Departamento de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia e o Grupo de Pesquisa Produção do Espaço Urbano do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia realizaram, sob coordenação da Professora Dra. Maria Auxiliadora da Silva, o Seminário Nacional de Geografia, que teve como objetivo discutir relevantes temas contemporâneos da Geografia Brasileira desenvolvidos por docentes-pesquisadores de reconhecido prestígio nacional e internacional. Foram 18 professores/as homenageados/as e fui um dos nomes cujo texto foi elaborado pelo Professor José Bueno Conti.
Recebi, em setembro de 2013, o Diploma de Menção Honrosa em “reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à FAPEAM-AM (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas)” e para a qual continuo contribuindo. Devo ressaltar que desde que a Professora Marilene Corrêa da Silva gestou a ideia de implantação da FAPEAM participei de inúmeras discussões e sugestões. Desde sua implantação tenho contribuído na avaliação de projetos de pesquisa para concessão de bolsas, avaliação de processos a partir de Editais de Auxílio à Pesquisa ou em Convenio da FAPEAM e Secretarias, Ministérios, etc.
Sou muito grata ao CNPq pelas oportunidades que tem proporcionado às pessoas para a realização da titulação, de aprendizado para a pesquisa, de bolsas de produtividade em pesquisa de Edital Universal, dos quais tenho me aplicado e obtido sucesso. Em outubro de 2014 fui surpreendida, graças ao empenho e convite feito pelo CNPq, para a redação do texto por parte de Elisa Pinheiro de Freitas e colaboração na redação de Ana Elisa Pereira e José Fonseca da Rocha Filho, com a síntese do meu currículo publicado no Portal do CNPq destacando o pioneirismo de minha atuação científica. Na 4ª edição do portal “Mulheres Pioneiras na Ciência” constam, pela primeira vez, duas geógrafas: Bertha Becker (falecida em 2013) e Rosa Ester Rossini. A luta continua. Espero continuar apresentando o novo no meu trabalho. É oportuno ressaltar que, em 1971, na dissertação de mestrado discuti, na geografia da USP, a questão do trabalho da mulher e do homem na agricultura canavieira de Serra Azul, no estado de São Paulo, sob a ótica do materialismo histórico e dialético. Na tese de doutorado, em 1975, mantive o fio condutor, agora discutindo o tema para o estado de São Paulo, sobre a mão de obra volante na agricultura.
Em 1988, na tese de Livre-Docência, consegui aprofundar a discussão sobre a questão de gênero na geografia assim como em outros estudos e pesquisas realizados, como os já referidos, possibilitando dar visibilidade à mulher como trabalhadora, tendo como fio condutor o trabalho. É, através dele, no âmbito de minhas pesquisas, que evidencio como o espaço vem sendo produzido e reproduzido através do trabalho de homens e de mulheres. Valorizo muito a luta das pessoas trabalhadoras não só na reivindicação do direito como pela igualdade e equidade de gênero.
Em 2015 meu coração quase parou ao ter sido honrada tanto pela Universidade Estadual do Ceará como pela Universidade Federal do Piauí com o título de Doutora Honoris Causa, não apenas pelo meu histórico de atividades, como pelo meu engajamento junto ao PIBIC-CNPq/Universidade assim como pela participação e envolvimento nos eventos institucionais de Universidades.
No dia do geógrafo, em 2015, fui convidada junto ao Núcleo de Análise Urbana (NAU), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mais uma vez fui surpreendida pela gentileza dos/as colegas ao me oferecerem uma placa, não só pelo dia do/a geografo/a, mas também pelo pioneirismo nos estudos de Gênero na Geografia Brasileira.
Parece que o tempo flui muito rápido. Mesmo considerando os inúmeros trabalhos realizados, o saldo aparece quando “costuramos” o que fazemos e fizemos e percebemos que trabalhamos muito. Em 2016, com financiamento do CNPq para pesquisa e publicações, o Grupo de Pesquisa “Geografia e Gênero” publicou, pela Annablume, o livro “Dinâmicas Contemporâneas do Espaço Agrário Brasileiro: modernidade técnico-científica e diferentes usos do território”.
Em 2017 tive a honra e satisfação de ser homenageada pelas pessoas organizadoras do livro “Diálogos ibero-latino-americanos sobre geografias feministas e das sexualidades”, organizado por Joseli Maria Silva, Márcio Ornat e Alides Baptista Chimin Junior, com a seguinte dedicatória: “Para a geógrafa Rosa Ester Rossini, pela inspiração, coragem e eterna luta”. Foi lançado pela editora TODAPALAVRA – PR, P. 6, ISBN: 978-85-62450-48-8.
2019 foi um ano de muito trabalho e de muitas realizações e alegrias. Em março, comemorando o dia da mulher, foi aberta em Cuiabá a “Amostra Cultural 300 Mulheres – Letras, História e Equidade – Uma celebração de presença feminina na história dos 300 anos de Cuiabá”. Academia Mato-grossense de Letras – Casa Barão de Melgaço, da qual sou uma das mulheres integrantes da Amostra.
Em maio recebia o I Prêmio CREPESG de Iniciação Científica – Congresso Regional de Grupos de Pesquisa em Geografia. “Homenagem em consideração à contribuição à Instituição Científica de Estudantes de Geografia”. Placa de Honra oferecida no II CREPESG – Guarabira-PB.
Em julho de 2019 recebi em sessão solene do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, o Diploma de Sócio Honorário “conferido à Exma. Sra. Rosa Ester Rossini para que possa gozar de todas as regalias e direitos que lhe são outorgados pelos Estatutos”. Diga-se que é mais do que uma honraria, considerando que o IGH-AM foi fundado em 23 de março de 1917 e o Diploma de Sócio Honorário recebido foi o 18° título oferecido.
Reservo carinho especial à Universidade Federal do Amazonas – UFAM, considerando que, desde a primeira vez que lá estive, no início de 1990, todos os colegas sempre me receberam muito bem assim como valorizaram sempre minha participação , em especial, junto ao PIBIC/UFAM/CNPq e em setembro de 2019, recebi homenagens e proferi palestra de encerramento do 5º Encontro de Políticas Públicas para a Pan-Amazônia e Caribe - 5° PPPAC, sob a coordenação da Professora Heloisa Helena Correa, realizado no Instituto Natureza e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, campus de Benjamin Constant.
Na participação do IV Seminário Latino Americano de Geografia, Gênero e Sexualidades realizado na Argentina – Tandil – fui homenageada na abertura do evento, em 13 de novembro de 2019, “por ter sido a precursora dos estudos de gênero na geografia do Brasil”. Durante o evento participei também de várias entrevistas.
No ano de 2020, com a chegada do COVID-19 no Brasil, tivemos que mudar a rotina, isto é, passamos, desde março, a trabalhar em casa. O estado de São Paulo, assim como o Brasil inteiro foi violentado tanto com a ocorrência de pessoas infectadas como de elevado número de mortes. Para se ter uma ideia da agressividade do vírus, até a presente data, 16 de outubro de 2020, no mundo são 38.394.169 de casos confirmados com 1.089.047 mortes e no Brasil são 5.140.863 de casos confirmados com 151.747 mortes. As aulas foram suspensas, todas as reuniões e eventos, defesas de tese, etc. estão sendo realizadas sob forma de videoconferências, utilizando variados tipos de plataformas, como o Google Meet, por exemplo. O trabalho não parou e não para. Tínhamos programado a publicação de um livro para março/abril de 2020 pela editora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, graças ao apoio dado pela Professora Maria Rita Machado, da mesma universidade e participante da equipe. Agora são dois: Volume I - “Terra e trabalho: usos e abusos do espaço agrário brasileiro” e Volume II – “Terra e trabalho: Territorialidades e desigualdades”, ambos organizados por Rosa Ester Rossini, Maria Rita Ivo de Melo Machado e Mateus de Almeida Prado Sampaio. Estas publicações são resultado do financiamento da concessão apoiada pelo CNPq – Projeto Universal – Título – Geografia e Gênero: trabalho e produção no campo brasileiro: competitividade econômica e resistência no século XXI – 06/2017 – 05/2020. Como resultado do fechamento de tudo, inclusive da editora da UFRPE, e do enclausuramento, o livro se multiplicou.
Anexando aos engajamentos, há novo projeto em execução que é a transformação da chácara que possuo e moro quando vou lá em Serra Azul-SP, em Laboratório de Pesquisa para as crianças e adolescentes das escolas da cidade e arredores. O pontapé inicial já foi dado: o plantio e conservação das plantas de cerrado, a contratação de uma pessoa que sempre cuidou da terra e do verde, a construção de um galpão e implementação de mesas e bancos de marmorite, banheiros (M e F) e cozinha para preparar alguns alimentos ao receber as crianças ou adolescentes e ensiná-los a “ler” a paisagem... Já comuniquei a municipalidade e a minha família que consta do meu testamento o repasse de chácara a Serra Azul, como extensão da Escola Municipal de Educação Infantil Ramiro Rossini, hoje denominada de Escola Municipal de Educação Básica Ramiro Rossini, e que deverá ter sempre a função de educação e motivação às crianças e adolescentes.
Sonhar é possível e “o mundo é cheio de possibilidades” (Milton Santos).
Viver é mudar e variar, pensando sempre no social, na perspectiva de colaborar para com que os jovens acreditem no futuro, como eu sempre acreditei, e o transformem de modo a existir igualdade e equidade de gênero, proporcionando a transformação do sonho em uma realidade concreta.
Para finalizar, sem concluir, uma história de vida vai além da história vivida pela pessoa, posto que ela continua através dos estudos e pesquisas realizados pelos/as discípulos/as que desdobram nossas ideias através da criação ou fortalecimento de grupos de trabalho, de estudo e de pesquisa, gestando novas ideias - produzindo ciência.
Midia
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