- 1 As raízes do IBGE remontam ao Instituto Nacional de Estatística (criado em 29/05/1036), o qual dá l (...)
- 2 Sobre as universidades mencionadas e particularmente sobre a criação da USP e da Universidade do Br (...)
- 3 Sobre a Sociedade Geográfica do Rio de Janeiro, ver Pereira (2003). Duarte (2011) fornece de sua pa (...)
1Quando surge o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1938,1
como uma das iniciativas do processo de modernização do Estado
brasileiro, entrecruzaram-se contribuições “institucionais” e outros
saberes geográficos já então há tempos consolidados na intelligentsia
brasileira. Ao lado da missão francesa de criação da Universidade do
Distrito Federal, da Universidade do Brasil e da Universidade de São
Paulo,2
engenheiros, diplomatas, advogados, dentre outros profissionais
(diversos deles, nomes importantes de associações como a Sociedade
Geográfica do Rio de Janeiro3
e o Clube de Engenharia), também foram protagonistas dessas primeiras
instituições “oficiais”, que em breve teriam o incremento dos futuros
geógrafos oriundos dos quadros dessas universidades. Naquela década de
grandes transformações do Estado nacional, juntamente a várias
autarquias públicas então criadas, o IBGE voltou-se para os objetivos
básicos de reconhecimento do território (tido do ponto de vista estatal
como um vazio populacional, um sertão obscuro [Moraes, 2003]),
envolvendo cartografia e levantamento de dados (sobre população,
indústria, agricultura, etc.), elementos necessários para a composição
de séries estatísticas para o país.
- 4 A respeito do Plano de Metas, consulte-se Lafer (2001).
2As
intenções de criação e fundação do IBGE já salientavam a centralidade
do conceito de planejamento como objetivo do Instituto, ainda que
sabidamente a intervenção do Estado na organização do território ganhe
relevo a partir do Plano de Metas – governo Juscelino Kubitschek
(1956-1961)4 – e,
sobretudo, de um duplo contexto de valorização da geografia aplicada e
do advento do golpe civil militar de 1964, quando a modernização
autoritária fez da tecnificação do território um escopo fundamental do
período, para o qual houve uma reestruturação do IBGE e mesmo de todo o
aparato burocrático do Estado, culminando com o I e o II Plano Nacional
de Desenvolvimento – respectivamente, 1971-1974 e 1974-1979 (Bomfim,
2007; Pontes, 1983).
3Isso
posto, o objetivo deste breve texto é assinalar, precisamente, como o
planejamento foi pensado nos quadros do IBGE no período aqui considerado
como de gênese do Estado moderno no Brasil, ou seja, nos anos iniciais
do Instituto.
4Antes
de tornar-se uma das principais políticas públicas implementadas pelos
estados capitalistas, o planejamento esteve por mais de uma década
associado a uma racionalização da economia – e da economia no território
– em países tidos como socialistas; no caso, a União Soviética. Já em
1918, a Academia de Ciências daquele país envolvia-se com estudos de um
plano para racionalização da localização das indústrias na URSS (Martin,
2005: 258-263). A chamada Comissão de Planejamento do Estado – GOSPLAN –
encarregou-se de dividir a recém-criada república socialista em
“unidades funcionais” sob a batuta de
Nikolai Nikolaevich Baransky, expoente da geografia econômica
russa, quem, na opinião de Martin (2005: 261), teria sido um pioneiro em
“demonstrar que a ciência da geografia econômica consistia em um
sistema de regiões econômicas relacionadas umas com as outras por meio
de uma divisão territorial do trabalho”.
5Anteriormente
à 2ª Guerra o planejamento econômico, ou melhor, a geografia regional
em sua dimensão econômica, já era um campo fértil. Baransky e outros
nomes como Kolosovsky (autor de um plano industrial para a região do
Ural) influenciaram, dente outros, Alfred Weber, Hettner, Preston James e
Pierre Gourou (Martin, 2005: 261). Nos EUA, o empresariado requeria no
início da década de 1930 alguma forma de planejar a economia nacional,
por meio de associações classistas e de intervencionismo estatal, no
qual o governo deveria ter responsabilidade e poder para garantir
emprego e estabilidade necessários frente à Crise de 1929 (Schlesinger
Jr, 1988: 88-89).
6A
geografia norte-americana do período entre guerras igualmente se
debruçou com afinco na tarefa de desenvolver conhecimentos e ferramentas
para resolução “espacial” desses problemas práticos de governança
(Martin, 2005: 448). Os anos imediatos à 1ª Guerra e sobretudo à Crise
de 1929 são assinalados por trabalhos cartográficos e de geografia
política. Tratava-se de – obviamente, do ponto de vista estadunidense –
esquadrinhar (principalmente) os estados alinhados, enquanto que,
internamente, iniciavam-se estudos da Sociedade Geográfica Americana (American Geographical Society)
a pedido do Conselho Nacional de Pesquisa (NRC em inglês), para
formulação de políticas territoriais nos “cinturões” agrícolas, minerais
e industriais (Martin, 2005: 463-464), em consonância com as políticas
de pleno emprego e construção/dotação de infraestruturas do governo
Roosevelt.
7Na
França, às monografias regionais “tradicionais” adicionam-se a partir da
década de 1920 pesquisas enfocando a região como “quadro de análise”,
numa leitura do território estruturado em conjuntos homogêneos de acordo
com atividades e especializações econômicas, a exemplo de trabalhos de
Demangeon e Emmanuel de Martonne (Claval, 1996: 167-170).
- 5 Uma premissa central do planejamento de matriz keynesiana residia na ênfase dada ao papel do Estado (...)
- 6 Pode-se enquadrar o planejamento na peculiaridade indicada por Lefèbvre (2000, p.436) de o Estado i (...)
8É
óbvia nesse aspecto a diferença entre o “planificar” da economia
soviética e o caráter interventor dos estados capitalistas, nos quais a
planificação – a partir das concepções de Keynes ([1936], 1983) e suas
críticas às crises cíclicas de demanda, produção e consumo a que uma
economia estaria sujeita sem uma política econômica da parte do Estado5
– atendia, sem nenhuma margem a dúvidas, a interesses da iniciativa
privada. Mais que isso, essas políticas tiveram grande utilidade,
falando-se do caso francês, nos projetos coloniais, não sendo poucos os
autores que as identificaram a intenções de caráter autoritário ou
totalitário (Lefèbvre, 2000; Martins, 1988):6
não à toa, o Brasil do período militar será exemplo paradigmático da
difusão do planejamento regional (Bomfim, 2007) como “estratégia de
intervenção ao nível da estrutura territorial” (Costa, 2001: 13).
- 7 Capitalismo cujas características essenciais seriam: surgimento a partir da economia colonial; nasc (...)
- 8 Em seu importante livro, José Chasin (1978) defende o caráter “hipertardio” da formação do capitali (...)
- 9 “Na periferia a modernização é induzida. E seu principal indutor é o Estado, posto como agente de d (...)
- 10 Certamente nos reportamos aqui ao quadro de uma modernização conservadora, um movimento excludente (...)
9No
dizer de Foucher (1991: 27), em certos casos, “a organização do
território foi empregada como meio de gestão das contradições sociais”,
sendo o exemplo mais célebre “a abertura de frentes pioneiras na
Amazônia brasileira pelo regime militar, como meio de responder às
pressões sociais”; como aquelas supostamente vindas da Região Nordeste.
Num país marcado historicamente pelo capitalismo tardio7 ou hipertardio,8
vinculado ao setor agroexportador como meio de acumulação e dele
dependente para substituir importações (Mello, 1984), o Estado
brasileiro tomou para si a função indutora do processo de modernização –
que necessitaria inapelavelmente dinamizar a industrialização.9
A modernização encaminhada pelo Estado e seus planos, compostos em
variados níveis de profundidade, não coube a uma participação da
sociedade civil, dado nosso “quadro geral de baixa informação política”
(Cardoso, 2001: 172), mas a uma burocracia propensa a pensar, na
vacuidade de um discurso de fortalecimento do Estado-Nação, “o
progresso” à margem da questão social; papel político sem dúvida moderno e não contraditoriamente pleno de vínculos com tradições elitistas e autoritárias.10
10Se
tal modernização pela via do Estado é vivida no Brasil desde os anos de
1920 e 1930, o projeto estatal se encorpa de fato nos governos de
Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954), quando se operou a preparação do
aparelho do Estado para execução do planejamento. Para rastrear tal
“preparativo”, é fundamental seguir uma periodização necessária,
fazendo-se, pois, uma muito breve revisão daquilo que se entendeu por
planejamento no período escolhido (grosso modo, de 1939 a
1956), conforme se pôde verificar nas páginas da Revista Brasileira de
Geografia (RBG), publicação seminal do Instituto, ao lado da Revista
Brasileira de Estatística.
- 11 NAE refere-se ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidên (...)
11Seguiremos, pois, a proposta de José Truda Palazzo (apud Cadernos NAE, 2004: 76-78),11 quem sugere uma divisão do planejamento no Brasil, desde os planos setoriais até o planejamento de caráter macroeconômico.
- 12 Previsto pela Constituição de 1937 e criado em 30 de julho de 1938 o DASP foi um órgão diretamente (...)
- 13 Evidencia-se aqui uma problemática no entendimento de como se deu, num espectro político mais ou me (...)
12A
1ª fase do planejamento no Brasil (1934-1945) seria marcada por uma
forte atuação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).12
Já o período compreendido entre 1946-1956 é caracterizado pelas
primeiras tentativas de implantação de órgãos de planejamento. Note-se
que o intervencionismo estatal, justamente num período em que se
consolidaria a Guerra Fria, pautava-se muito mais no apoio estratégico
do Estado a iniciativas liberais, privativas e internacionalizantes;
constituindo propostas estruturadas “mais frequentemente em torno de
grandes objetivos econômicos e [...] formuladas para atender
necessidades de estabilização econômica ou de desenvolvimento regional”
(Cadernos NAE, 2004: 75). Noutros termos, a defesa do intervencionismo
muitas vezes equivalia a um programa estatal para otimizar o capital
privado, reservando-se ao Estado o papel de financiador apenas de
setores econômicos não lucrativos para a iniciativa particular ou
considerados estratégicos – ou de “interesse nacional” (Mantega, 1985:
203).13
13Em
seguida ao Relatório Simonsen (1944-1945), é apresentado no governo
Dutra o Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia),
estabelecido para o período 1949-1953. Embora abandonado em 1952, do
Plano Salte lançaram-se as pedras de duas importantes obras – a rodovia
Presidente Dutra (inaugurada em 1951) e principalmente o início da
construção da Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso; marco para a
“eletrificação do território” como escopo do planejamento (Moreira,
2015: 87-90) e de grande importância para viabilidade da
industrialização em parte expressiva do Nordeste do Brasil (Lima, 2015).
- 14 Criou-se a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) pela Lei no 3.692, de 15 de dez (...)
14A
Constituição de 1946 criara o Conselho Nacional de Economia e em 1945 o
Banco do Brasil constituía a Superintendência da Moeda e do Crédito
(SUMOC) como autoridade monetária nacional (até então inexistente),
exercendo até 1964 uma tarefa depois creditada, com maior leque de
poderes, ao Banco Central. Na entrada para a década de cinquenta
nasceram instituições ou agências decisivas na etapa de preparação ao
planejamento. Em 1952 é aprovada pelo Congresso Nacional a criação do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), coluna vertebral
para financiamento do planejamento no país. A Lei nº 1806 de 06 de
janeiro de 1953 criou a Superintendência do Plano de Valorização
Econômica da Amazônia (SPVEA), depois substituída em 1966 pela
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Importante
assinar que o mesmo dispositivo jurídico estabeleceu o recorte regional –
para fins principalmente de concentração de investimentos financeiros –
da “Amazônia Legal” (Marques, 2013).14
15Contudo,
a mais simbólica iniciativa dessa 2ª fase do planejamento brasileiro
foi a Comissão Técnica-Mista Brasileira-Americana de Estudos Econômicos
(Comissão Mista Brasil-Estados Unidos), atestando um evidente interesse
geopolítico norte-americano pelo Brasil, embora economicamente os
recursos aqui invertidos tenham sido decepcionantes. A Comissão, a
partir de cujas indicações se criou por exemplo o próprio BNDE, remonta
aos trabalhos de 1948, da Missão Abbink (chefiada por John Abbink e
Gouveia de Bulhões). Oficialmente, ela vigorou de 1951 a 1953, chegando a
fazer um diagnóstico da economia e dos pontos de estrangulamento da
infraestrutura do país à época. O relatório final da Comissão, de 1954,
não deixava dúvidas:
A
disparidade das taxas de desenvolvimento regional tem sido uma das
feições mais salientes da evolução brasileira entre 1939 e 1952.
Estimativas indicam que o crescimento do produto real per capita no
centro econômico do Brasil, que compreende os Estados do Rio, Espírito
Santo, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e o Distrito Federal, foi de 50%
entre 1939 e 1959, duas vezes maior que a taxa nacional correspondente.
Isto deve ser comparado com um acréscimo de cerca de 15% na região
pioneira de Mato Grosso e Goiás, de 8 a 10% nos Estados meridionais, e
de 4% nos Estados nordestinos (incluindo Bahia e Sergipe). O produto
real per capita pouco ou nada subiu na região amazônica. (Relatório da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, 2008: 303)
16Sinteticamente,
o relatório assinalava os pontos de estrangulamento impeditivos ao
“desenvolvimento” nacional, salientando as dificuldades em promover a
atividade industrial, primeiramente, de forma equalizada pelo
território, como visto na citação acima, ainda pleno de desigualdades;
em segundo lugar, devido a um entrave exatamente na questão energética: o
Brasil era absolutamente carente em petróleo e o potencial hídrico era
pouco aproveitado.
Do
ponto de vista do progresso econômico da Nação, os prolongados debates
legislativos dos últimos seis anos criaram a pior das situações porque a
ausência de decisão firme propiciou um clima de incerteza sobre a base
energética do país. Desse modo, a ulterior evolução da indústria e do
sistema de transportes foi posta em dúvida, enquanto limitações cada vez
mais rígidas introduziam-se nas listas de importação, obscurecendo, por
inteiro, o panorama da balança de pagamentos. (Relatório da Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos, 2008: 327)
17Nesse
tom, Moreira (2015) recorda o surgimento de comissões voltadas para a
urgente questão energética do país, como aquela dedicada ao Vale do são
Francisco, bacia de grande interesse para o planejamento ao lado da
bacia Amazônica; ao que se pode somar o projeto da CIBPU, a Comissão
Interestadual da Bacia do Paraná-Uruguai, uma iniciativa federalista que
visava uma atuação em conjunto dos estados de Mato Grosso, Goiás, Minas
Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Gardin,
2002) e que seria abortada pelo regime militar, obviamente contrário a
iniciativas descentralizadoras.
- 15 Interessante contrapor duas leituras sobre o Plano de Metas. Se para Celso Lafer (2001: 49) o plano (...)
18Para
finalizar essa periodização, uma terceira etapa poderia ser
caracterizada, nos anos entre 1956-1963, distinguidos pelo planejamento
inserido “numa concepção abertamente desenvolvimentista” (Cadernos,
2004). Nesse intervalo, o marco na história do planejamento no Brasil
seria o Plano de Metas (1956).15
Não será nosso intuito, porém, rastrear o período posterior a 1956. A
partir daí e ainda mais na etapa seguinte do planejamento –
correspondente ao regime militar – várias questões envolvendo o estado e
a geografia se tornaram mais complexas. Sendo uma etapa já estudada
(Bomfim, 2007; Pontes, 1983), nos deteremos aqui – tendo a RBG como
material de análise – entre o primeiro número da Revista, de 1939, e o
ano de 1956, marcado por duas ocorrências: o incremento do
desenvolvimentismo a partir do governo JK e o XVIII Congresso
Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro, de alto significado para a
geografia brasileira em geral e ibegeana em particular (Mendoza Vargas;
Bomfim, 2014). Deixemos assim as páginas da RBG nos mostrarem a relação
entre planejamento e IBGE nos anos primeiros do Instituto.
19Como
número inaugural daquela que seria a mais importante publicação do
IBGE, o volume 01 da Revista Brasileira de Geografia apresentou normas e
legislações, dentre as quais, a Convenção Nacional de Estatística, que
três anos antes fora presidida pelo Ministro de Estado das Relações
Exteriores, José Carlos de Macedo Soares, Presidente do Instituto
Nacional de Estatística, e cuja uma das bases era assegurar “a mais
ampla autonomia de ação técnica e administrativa, para o fim de
eficiente coordenação no planejamento e execução dos serviços
estatísticos brasileiros” (Legislação, 1939: 135), razão de ser do
Instituto desde seus primórdios, como fica evidente nesta passagem, ao
lado do empenho para bem cartografar o território nacional. O IBGE
nesses primeiros anos de vida articulou-se, nomeadamente por meio de
Macedo Soares, Jorge Zarur e Cristóvão Leite de Castro, a diversas
entidades coirmãs, marcadamente naquelas voltadas para a cartografia.
Como Secretário Geral do Conselho Nacional de Geografia (CNG) do IBGE, o
engenheiro Cristóvão Leite de Castro apresentou, por exemplo, uma
comunicação em Washington, em 03 de junho de 1944, por ocasião da Quarta
Reunião Anual Congresso Americano de Topografia e Cartografia (American Congress on Surveying and Mapping).
Importante notar que, tendo sido feita a comunicação numa fase final da
Guerra, havia a preocupação indiscutível de planejar um arcabouço
técnico para cartografia e topografia do território nacional, como
condição para segurança nacional. A fala de Leite e Castro é exemplar
nesse aspecto. Como pronunciou,
No
após-guerra o Mundo experimentará grandes transformações, que irão
modificar não só o mapa político senão também, em muitos aspectos, a
vida econômica e social das nações. Os problemas a resolver serão,
então, numerosos e importantes e cada nação deverá estar preparada para
dar soluções justas, duráveis, orgânicas e construtoras às questões
econômicas sociais e políticas que tantas surgirão, a influírem
decisivamente na vida nacional. Para que assim seja, tal como convém, é
indispensável que as soluções dos problemas envolvendo fenômenos de
superfície tenham fundamento geográfico sólido, de modo que tais
soluções levem em conta as condicionantes do ambiente, e assim bem
ajustem a atitude do homem às condições da terra [...] No estudo dos
problemas do após-guerra, é importantíssimo pois haver bons mapas, que
bem representem o território onde se desenrolarão os fenômenos marcantes
da vida nacional [...], no conveniente planejamento das medidas
governamentais. (Noticiário, 1944a: 300-301)
- 16 Na sequência, ocorreu entre 07 e 16 de setembro, em São Paulo, o X Congresso Brasileiro de Geografi (...)
20Vislumbrando
no horizonte o após-guerra, o IBGE albergaria entre agosto e setembro
1944, no Rio de Janeiro, a II Reunião Pan-americana de Consulta sobre
Geografia e Cartografia, promovida pela Comissão de Geografia do
Instituto Pan-Americano de Geografia e História.16
A Reunião Pan-americana contou com a participação não apenas de
engenheiros e geógrafos do CNG. Militares, diplomatas e estadistas do
Brasil e de nações do continente estiveram presentes, ressaltando a
importância dos conhecimentos cartográficos para defesa e organização do
território e de políticas voltadas a esses interesses. É no clima da
Reunião que Vargas cria, pelo Decreto-Lei 2.828, de 25 de agosto de
1944, o Serviço de Geografia e Cartografia do IBGE (Noticiário, 1944b).
- 17 Os territórios criados foram: Guaporé (atual estado de Rondônia), Rio Branco (Roraima), Ponta Porã (...)
21Podem-se
apontar outras vertentes de preocupação do IBGE no tangente ao
planejamento: havia uma dimensão técnica, exemplificada pelo empenho do
Instituto em buscar subsídios e conhecimentos para seus trabalhos
cartográficos. Existiam também dimensões geopolíticas – desde expedições
até estudos sobre novos territórios federais (como os criados em 1942)17
e dimensões econômicas, as que mais diretamente se relacionariam ao que
seria o entendimento futuro de “planejamento” no Instituto.
- 18 Conforme pronunciamento de Fábio Macedo Soares Guimarães (apud, Noticiário, 1950: 502): “Não só no (...)
22Esse
entendimento estava bastante relacionado a leituras acerca da
“geografia” do IBGE. Jorge Zarur, nome importante dessa fase do
Instituto, traçava clara linha divisória entre os “professores de
geografia” formados pelas universidades brasileiras e o “geógrafo
profissional”. A “geografia moderna”, nesse sentido, muito deveria se
aproximar de uma geografia aplicada18 (Zarur, 1944: 315).
[...]
a Geografia de hoje examina a localização, ou melhor, a distribuição
dos fenômenos na terra e os contrastes que cada grupo de fenômenos
homogêneos possam apresentar. Portanto, a definição muito sumária de que
a Geografia é o estudo dos contrastes regionais, poderia dar causa a
uma série de divagações, que não vou fazer. Entretanto, a Geografia
Regional tornou-se quase sinônima de Geografia Utilitária, devido ao
método de estudar os problemas e às conclusões a que chega e às
sugestões de caráter evolutivo que apresenta a Geografia hoje começou a
adquirir um caráter dinâmico. A Geografia pode estar ao meu e ao serviço
de todos. A Geografia saiu da academia, está passando para a rua e está
sendo praticada e usada por todos. A Geografia traz os elementos de uma
região e dá ao administrador a possibilidade de transformá-los. Um
destes exemplos é o TVA [Autoridade do Vale do Tennesse] uma das
realizações do século. (Zarur, 1944: 315-316)
- 19 Charles Colby era um dos mais conhecidos nomes da geografia “aplicada” nos EUA, cujos entusiastas p (...)
23O
geógrafo moderno, “aplicado”, haveria de conhecer os métodos de medição
do território, num trabalho conjunto com astrônomos, topógrafos e
especialistas em geodésia e aerofotogrametria. No momento seguinte,
quando da necessidade de representar o território, esse mesmo geógrafo
contaria com a colaboração “de desenhistas cartógrafos” (Zarur, 1944:
313). Zarur realizara no espírito da “da técnica moderna regionalista”,
um trabalho sobre a bacia do Rio São Francisco, contando com a
colaboração de geógrafos estadunidenses como Clarence Jones, Robert
Platt, Charles Colby e Preston James, todos ligados à Associação
Nacional de Planejamento (National Planning Association) dos EUA.19
Para o professor ibegeano, o potencial da Bacia do São Francisco era
incalculável: uma bacia sete vezes maior que a do Tennessee – com
problemas menos simples, por certo. Resulta que o Brasil poderia muito
bem, por meio de um planejamento cujo recorte regional se daria segundo
bacias hidrográficas, alçar aquela parte do território ao
desenvolvimento. Nessa linha de raciocínio, a Usina de Paulo Afonso já
então planejada, começaria a ser construída em 1948.
24No
que se refere à dimensão geopolítica do planejamento, Backheuser (1942),
escrevendo no calor das discussões sobre a divisão regional do Brasil,
louvava a política da Marcha para o Oeste implementada pelo Estado Novo,
salientando o planejamento como etapa para equipar o território com
ferrovias. Sílvio Fróis Abreu (1945: 106-107) reivindicava um
“planejamento de sistemas de transporte capazes de atender as exigências
das nossas principais zonas mineralizadas”, como meio de fomentar a
atividade de mineração no Brasil; neste caso, articulando também a
dimensão geopolítica à econômica.
25Para
lembrar as indicações da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, o grande
“gargalo” para supostamente alavancar o “desenvolvimento” industrial do
país era, para além da dificuldade relativa aos transportes, assinalado
por Abreu (1945) e Backheuser (1942), a questão energética nacional.
- 20 Entre “privatistas” notórios, podem-se mencionar Eugenio Gudin, Roberto Campos e Mário Henrique Sim (...)
- 21 A primeira diretiva recomendava a “divisão do país em regiões de coordenação caracterizadas pelos s (...)
- 22 “No estabelecimento das redes regionais, as linhas de interligação deverão ser construídas, sempre (...)
26Dos
debates travados no II Congresso Brasileiro de Engenharia e Indústria,
sediado no Rio de Janeiro, entre 25 de janeiro e 03 de fevereiro de
1946, propôs-se o Planejamento da Energia Elétrica Nacional. Durante o
certame, reivindicou-se uma política governamental menos burocratizada
face ao planejamento, além de – bem de acordo com as indicações
“privatistas” do desenvolvimentismo brasileiro (Bielschowsky, 1996)20
– uma atuação do Estado no sentido de deixar fluírem os capitais
privados. Assim, o Estado, para efetiva planificação econômica do pais,
deveria assumir em “fase experimental” os empreendimentos, via de regra,
“no domínio da indústria pesada, para, depois de superados os maiores
riscos, oferecê-los ao capital privado” (Noticiário, 1946: 163). Ao
final do Congresso, foram retiradas cinco diretivas: a) Política de
estruturação das rêdes regionais de suprimento público;21 b) Política de fomento da eletrificação urbana e rural; c) Política de eletrificação ferroviária;22 d) Política de utilização das fontes nacionais de energia; e) Política de intervenção do Estado.
- 23 A Constituição Brasil de 18 de setembro de 1946 estabelecia em seu art. 199 “Na execução do Plano d (...)
27Mas
um dos textos mais significativos dessa primeira safra da RBG é o
trabalho de Lúcio de Castro Soares, “Delimitação da Amazônia para fins
de planejamento econômico”, estudo realizado pela Divisão de Geografia
do Serviço de Geografia e Cartografia por solicitação da Comissão
Especial do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, da Câmara dos
Deputados.23
28O
grande objetivo metodológico desse artigo era estimar quais os melhores
critérios de regionalização da Amazônia – visando ao planejamento. De
imediato, rechaça-se a adoção dos limites naturais da região – como
entendia o autor – para tal delimitação com “fins utilitários”.
Se,
do ponto de vista científico, no caso, geográfico, a Hiléia Amazônica –
mesmo com as suas numerosas e extensas clareiras campestres – serve
para bem caracterizar a grande unidade geo-econômica da Amazônia, por
outro lado o seu vasto domínio não basta [...] para delimitar a área
brasileira que deverá ser considerada “amazônica” para fins exclusivos
de planejamento econômico, encarado o problema do ponto de vista do
interêsse nacional, e não somente sob o aspecto da sua significação
regional ou local. Isto porque, tais limites deixariam de incluir na
região onde deverá ser levado a efeito um grande programa de recuperação
e valorização econômica, as zonas através das quais passarão as vias de
acesso à própria Hiléia. (Soares, 1948: 164)
29O
autor debate os critérios sugeridos até então para divisão da Amazônia
(sempre o planejamento à vista), rebatendo-os todos. Os critérios mais
“simplistas”, nas palavras de Soares (1948: 164-166), seriam os da
delimitação feita pelo divisor das águas e aquela traçada por uma linha
mista de paralelos, meridianos e divisas administrativas. Contudo – e
novamente – para fins de planejamento, Lúcio Soares advogava como
critério preliminar o estudo da ocupação pretérita da Amazônia, a qual
se dera basicamente ocupando-se as várzeas dos grandes rios. Somava-se à
fragilidade econômica da região e à sua rarefação demográfica, a matriz
econômica local, muito menos relacionada à agricultura que à atividade
extrativista, “nômade” por excelência.
A
experiência histórica já provou também que a ocupação do vale amazônico,
por via fluvial e de jusante para montante, pelo rio Amazonas e seus
tributários [...] tem sido precária [...] devido, principalmente, ao
isolamento em que ficam os núcleos povoadores [...]. Concorre para esta
dispersão a grande facilidade de penetração proporcionada pelas
numerosas, extensas e caudalosas artérias fluviais da bacia amazônica,
navegáveis em quase tôdas as suas extensões. (Soares, 1948: 169)
- 24 Pierre Gourou, Les paysans du Delta tonkinois. Étude de géographie humaine, apud Soares, 1948: 174.
30Em
sua argumentação, a ocupação amazônica se daria por uma dupla via. A
primeira corresponderia ao reforço da fixação econômica na agricultura,
ou seja, por meio da “colonização” das várzeas; porém, condicionada a
“uma técnica agrícola racional”, a exemplo daquele empregado na antiga
Indochina, conforme preconizado por Pierre Gourou:24
[...]
todo e qualquer plano de valorização da Amazônia, pela recuperação e
povoamento, deve cuidar de maneira inteligente e intensiva,
primeiramente de realizar a ocupação da “terra-de ninguém” que separa a
atual faixa pioneira do Planalto Central, da linha de penetração mais
meridional das populações amazônicas. Partindo dêsse princípio
verdadeiro sugerimos que, unicamente para fins de planejamento
econômico, deva ser considerada como região amazônica em território
nacional, tôdas as terras situadas ao norte e a oeste da frente pioneira
do Planalto Central Brasileiro. Outrossim, esta linha deverá colocar na
Amazônia não somente a “terra-de-ninguém”, através de cuja conquista
deverá ser feita a daquela região, mas também outras unidades
antropogeográficas ligadas à Amazônia por razões geográficas, econômicas
e culturais. (Soares, 1948: 180-181)
- 25 A rodovia Belém a Anápolis, prevista no Plano Rodoviário Nacional, foi matéria de projeto de lei ap (...)
- 26 A política de transportes como fator geopolítico foi exemplarmente trabalhada no Brasil por Mário T (...)
31É
fundamental recordar a leitura de Moraes (2003) sobre o sertão. A
condição imputada por Lúcio Soares à faixa setentrional dos atuais
estados de Mato Grosso e Tocantins como “terra-de-ninguém”, separando a
Hileia Amazônica da área do Planalto Brasileiro já à época “ocupada”,
cabalmente demostra o ideário segundo o qual ao planejamento – e à
ciência, poder-se-ia dizer – competia apagar os traços do território
lidos como arcaicos, nele compreendidas as populações locais. Assim, uma
das maneiras de viabilizar a penetração econômica na Amazônia seria por
meio do Plano Rodoviário Nacional (cuja primeira versão data de 1937),
no qual se previam tanto a construção da rodovia Transbrasiliana
(ligando Anápolis a Belém),25
como parte de um “sistema de comunicação flúvio-terrestre, utilizando
trechos navegáveis do rio Tocantins”, quanto da “Rodovia Centro-Oeste”,
ligação projetada entre Cuiabá e Porto Velho (Soares, 1948: 183-184).26
- 27 Para recordar a classificação das etapas do planejamento que vimos adotando, conforme elaborada por (...)
- 28 Miyamoto (1985) destaca como grandes temas do pensamento geopolítico nacional questões em voga no d (...)
- 29 É significativo mencionar o comentário de Speridião Faissol por ocasião da I Conferência Brasileira (...)
32Do
trabalho de Soares (1948: 203) resultou, com efeito, a proposta
cartográfica de delimitação da “Amazônia para fins de planejamento
economico” e que seria adotada doravante pelo IBGE. Deve-se notar que o
recorte regional associado a grandes bacias hidrográficas prevaleceu nas pesquisas dessas primeiras e segundas fases do planejamento.27
O planejamento regional norte-americano era tomado como modelo a ser
seguido e, além da Bacia Amazônica, cujo foco da organização do
território recaía sobre a efetivação de sistemas de transportes – como
parte importante das temáticas geopolítica28 e colonizadora–,29
a Bacia do São Francisco constituía o outro foco das políticas
públicas. Nela, a centralidade do planejamento se atrelava
inequivocamente à questão energética.
33Retornando
a uma dimensão do planejamento já trabalhada por Zarur (1944), vê-se
avultar na virada para os anos de 1950 o destaque dado à bacia do São
Francisco. O Congresso Nacional criara em 15 de dezembro de 1948 a
Comissão do Vale do São Francisco, a qual operaria a partir do final do
ano seguinte, “visando elaborar e garantir a execução do Plano de
Aproveitamento das Possibilidades Econômicas do Rio São Francisco, de
acordo com o Art. 29 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, da Constituição de 1946 e de acordo com a Lei n. 541, de
15 de dezembro de 1948” (Paula, 2010: 4).
34Em
conferência pronunciada em Salvador, na IX Assembleia Geral do CNG,
Lucas Lopes, nome importante na política econômica brasileira, ligado ao
BNDE e então diretor da Comissão do Vale do São Francisco, diria:
Parece-nos
que, antes de tentarmos raciocinar sôbre a recuperação econômica do
vale do São Francisco como engenheiros, agrônomos, economistas ou
geógrafos, devemos indagar quais os objetivos políticos mais amplos que
levaram o constituinte de 1946 a determinar que se empregue durante 20
anos, 1% das rendas tributárias da União no estudo e na execução de um
“plano de aproveitamento total das possibilidades econômicas do rio São
Francisco e seus afluentes”. Por que motivo foi a bacia do São Francisco
destacada como merecedora de um tratamento especial no quadro de nossa
estrutura territorial? Existirão razões que transcendam à simples
valorização da área privilegiada? Quais os objetivos nacionais que se
pretendem atingir com o desenvolvimento da grande calha fluvial?
Esboçando respostas a tais indagações deixaremos de parte, no momento,
uma série de considerações de sentido histórico que, explicando a
evolução social pretérita da região, poderiam indicar rumos de uma
desejável evolução futura, para atentarmos a observações de caráter
geográfico, de sabor levemente geopolítico, que apontam as
circunstâncias mais atuantes no processo de fixação e desenvolvimento
humano no grande vale (Lopes, 1950: 122)
- 30 Haveria um processo “anormal” de povoamento se a faixa pioneira deixasse “atrás de si terras cansad (...)
35Em
seu pronunciamento, Lopes evocara a antiga – e persistente – “ideologia
geográfica” (Moraes, 1991) do São Francisco como “rio da unidade
nacional”, um antigo “condensador de gentes”, mas que, perdendo tal
característica, tornara-se “principalmente uma rota de migrações”
(Lopes, 1950: 124). Depreende-se, pois, como um dos objetivos da
Comissão a contenção desse processo de êxodo rural do vale, algo somente
possível, na visão dos planejadores (note-se bem) a partir da
“recuperação econômica” da região, transformando-a em “área progressista
e expansionista” (Lopes, 1950: 124). De acordo com Isaiah Bowman (apud,
Lopes, 1950: 124), no processo de povoamento, na sequência temporal e
territorial das “frentes pioneiras”, encontrar-se-iam áreas
relativamente estagnadas e paralisadas – mas que poderiam ser
revitalizadas por meio do progresso técnico (aqui Lopes consideraria
como inquestionável a “aplicação” dessa interpretação do povoamento
humano à realidade nordestina). Como considera, seria possível restituir
“ao São Francisco o característico de uma pioneer frínge, de
uma frente de expansão demográfica”, justamente, introduzindo “novas
técnicas de vida, novos instrumentos de trabalho, novo impulso cultural”
(Lopes, 1950: 124). E adverte o autor, pois “se falharmos neste
propósito”, o vale “perdurará como um hollow frontier30 no conceito de Preston James” (Lopes, 1950: 124).
- 31 Com efeito, nos anos seguintes, seriam adotadas diversas medidas para, literalmente, eletrificar o (...)
36O
planejamento de bacias hidrográficas inseria-se nas experiências
modernas, para cujo êxito concorria um do de obras de engenharia –
rodovias e, claro, a consecução da Hidroelétrica de Paulo Afonso.31
37Os
geógrafos, de sua parte, contribuiriam para o planejamento graças aos
estudos regionais. A grande tarefa dos geógrafos seria fazer da
geografia uma ciência aplicada e útil. Fábio Macedo Soares Guimarães (apud,
Noticiário, 1950: 499-500) destacaria à plenária da X Assembleia Geral
do CNG a importância metodológica de Hartshorne, “um dos maiores mestres
da metodologia geográfica moderna”: tendo a cartografia e a estatística
como “instrumentos básicos”, ao geógrafo competiria “interpretar os
fenômenos que [se] distribuem sôbre [a] superfície terrestre”.
- 32 “Nem todos sabem que os territórios federais foram criados sem publicidade prévia, mas que, depois (...)
- 33 Lembramos mais uma vez a capital importância do trabalho de Soares (1948). Tendo sido bastante util (...)
- 34 “Tais estudos tiveram como orientador científico o Prof. Leo Waibel, com larga experiência do assun (...)
38Guimarães
listaria as atividades da Divisão de Geografia do CNG, destacando os
trabalhos do Instituto e de outros órgãos do serviço público nos estudos
para a delimitação dos novos territórios federais,32 a delimitação da Amazônia para fins de planejamento (Soares, 1948)33
a pedido da Comissão de Valorização da Amazônia, o estudo da
colonização do Brasil (principalmente no Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, “como também no centro e sudoeste de Goiás, leste de Mato
Grosso e Espírito Santo” (Guimarães, apud, Noticiário, 1950: 503).34
- 35 “As técnicas quantitativas são o método mais apropriado para o desenvolvimento da teoria na geograf (...)
39O
CNG também havia nos anos anteriores participado, e o intensificaria na
década de 1950, ativamente de congressos, como os da União Geográfica
Internacional, e de estudos e contatos com universidades
norte-americanas e francesas. Aqui estaria um ponto de curvatura,
marcando inclusive o fim desta “fase” do planejamento. Como é sabido, as
proposições de Hartshorne seriam contestadas nos anos seguintes por
aqueles afeiçoados à New Geography. “Excepcionalista”
(Schaefer, [1953] 1976), a geografia de Richard Hartshorne daria lugar à
“revolução quantitativa” (Burton, [1963] 1971).35
Na França, a geografia regional – dita genericamente – havia se
modificado e encontrava, nos trabalhos de Pierre George, sobretudo, um
limite entre a “tradição” positivista e os ares marxistas (Escolar;
Moraes, 1991).
40Tais
interrogações e possibilidades para a geografia se convergiriam nos
preparativos – e realização – do XVIII Congresso Internacional de
Geografia, inegável vitrine para a geografia brasileira. A Resolução nº
389, de 28 de outubro de 1952, da Assembleia Geral do CNG instalava a
Comissão Nacional da União Geográfica Internacional, conforme apontavam
dos estatutos da UGI (Noticiário, 1953). O IBGE, sem dúvida aguardaria
ansiosamente aqueles dias de agosto de 1956. E no exterior também. Sobre
essa expectativa, escreveria o geógrafo Paul Veyret na Revue de Géographie Alpine:
O
próximo Congresso deve reunir-se no Rio de Janeiro em 1956. A escolha de
um país tropical do hemisfério sul que se desenvolve ràpidamente e onde
a geografia apresenta um surto recente, mas prenhe de promessas, foi
muito bem recebida. Estamos certos de que o Brasil reservará aos futuros
congressistas uma acolhida das mais calorosas. (Noticiário, 1953: 643)
41Os
dias seguintes ao XVIII Congresso da UGI seriam assinalados pela vinda
de diversos geógrafos franceses e norte-americanos para o Brasil, fosse a
convite do IBGE ou não. Ao falar do planejamento no Brasil, sabemos que
aqui estão indicadas apenas pistas sobre seu período inicial no país e
sua relação com a geografia. Esta, só se adensará nos anos após
Congresso e no planejamento do regime militar, como já tivemos
oportunidade de demonstrar (Bomfim, 2007). É exemplar que, mais de vinte
e cinco anos depois da empreitada da Comissão do Vale do São Francisco,
o planejamento dos governos militares voltaria a jogar forças no “vale
das oportunidades” (Brasil, 1975: 127-132). E que o critério das bacias
hidrográficas permanecia – agora associado a novas técnicas e
metodologias – ainda ativo.
42Em
anexo constam meramente as referências à palavra “planejamento” nos
números da RBG no período aqui pesquisado. Com todas as limitações que
uma “arqueologia das palavras” possa apresentar, esperamos que estes
apontamentos aqui feitos abram caminhos para futuras pesquisas.
|
1939_v1_n1. Legislação, Decreto nº 1022, de 11 de agosto de 1936.
1941_v3_n2. Jorge Zarur, A geografia no curso secundário.
1942_v4_n1. Everardo Backheuser, Geografia política e geopolítica.
1944_v6_n2. Noticiário, 4ª Assembléia anual do American Congress on Surveying and Mapping.
1944_v6_n3. Jorge Zarur, Geografia: ciência moderna ao serviço do homem.
1944_v6_n3. Noticiário, II Reunião Pan-Americana de Consulta sôbre Geografia e Cartografia.
1944_v6_n4. Noticiário, Oferta
de um pergaminho memorativo da II Reunião Pan-Americana de Consulta
sôbre Geografia e Cartografia ao Embaixador José Carlos de Macedo Soares.
1945_v7_n1. Sílvio Fróis Abreu, Fundamentos geográficos da mineração brasileira.
1945_v7_n2. Noticiário, 9º Aniversário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
1945_v7_n3. Noticiário, VI Reunião ordinária das assembléias gerais do IBGE.
1946_v8_n1. Noticiário, II Congresso Brasileiro de Engenharia e Indústria.
1946_v8_n2. Jorge Zarur, Análises regionais.
1946_v8_n2. Noticiário, Karl Haushofer.
1946_v8_n3. Moacir Silva, Tentativa de classificação das cidades brasileiras.
1946_v8_n3. Noticiário, VII Assembléia Geral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
1946_v8_n3. Noticiário, Regressam dos Estados Unidos geógrafos do CNG.
1946_v8_n4. Gilvandro Simas Pereira, Expedição ao sudoeste da Bahia.
1946_v8_n4. Sílvio Fróis Abreu, Aspectos geográficos, geológicos e políticos da questão do petróleo no Brasil.
1947_v9_n1. Artur César Ferreira Reis, A Amazônia brasileira.
1947_v9_n1. Comentários, Novos estudos de população.
1947_v9_n2. Artur Hehl Neiva, Aspectos geográficos da imigração e colonização do Brasil.
1947_v9_n2. Christóvam Leite de Castro, A mudança da capital do país à luz da ciência geográfica.
1947_v9_n4. Noticiário, I Reunião Brasileira de Ciência do Solo.
1948_v10_n2. Lúcio de Castro Soares, Delimitação da Amazônia para fins de planejamento econômico.
1948_v10_n2. Leo Waibel, A elaboração de um novo mapa de vegetação do Brasil.
1948_v10_n4. Afrânio de Carvalho, A lei agrária e a geografia.
1948_v10_n4. Jorge Zarur, Geografia e cartografia para fins censitários na América Latina.
1949_v11_n2. Speridião Faissol, Problemas de colonização na conferência de Goiânia.
1949_v11_n2. Noticiário, I Reunião Pan-Americana de Consulta Sôbre Geografia.
1949_v11_n2. Noticiário, Sexto recenseamento geral do Brasil.
1949_v11_n3. Hilgard O'Reilly Sternberg, A Paisagem Econômica dos Alpes de Kolm-Saigurn.
1949_v11_n3. Sílvio Fróis Abreu, A conferência científica sôbre a conservação e utilização dos recursos naturais.
1949_v11_n3. Noticiário, I Reunião Pan-Americana de Consulta sôbre Geografia.
1949_v11_n4. Paul Vageler, Considerações a respeito do levantamento pedológico do Brasil.
1950_v12_n1. Lucas Lopes, O Vale do São Francisco.
1950_v12_n1. Noticiário, Atividades geográficas.
1950_v12_n2. Frederico Hoepken, Utilização das fotografias aéreas nas explorações geográficas.
1950_v12_n3. José Lacerda de Araújo Feio, A biogeografia e os outros setores da geografia.
1950_v12_n3. Noticiário, Atividades geográficas do Conselho Nacional de Geografia.
1950_v12_n4. Gregório Bondar, As possibilidades econômicas do centro do estado da Bahia.
1950_v12_n4. Noticiário, Atividades geográficas.
1951_v13_n1. Isaiah Bowman, Interpretação geográfica.
1951_v13_n2. Walter Alberto Egler, A zona pioneira ao norte do Rio Doce.
1951_v13_n2. Paulo de Assis Ribeiro, Expedição à ilha de Trindade.
1951_v13_n3. Hilgard O’Reilly Sternberg, Aspectos da Sêca de 1951, no Ceará.
1951_v13_n3 Noticiário, XI Assembléia Geral dos Conselhos Nacionais de Geografia e Estatística.
1951_v13_n4. Antônio Teixeira Guerra, Alguns aspectos geográficos da cidade de Rio Branco e do Núcleo Colonial Seringal Emprêsa.
1952_v14_n2. Moacir Pavageau, Estudo comparativo de alguns solos típicos do Planalto Central Brasileiro.
1952_v14_n2. Cêurio de Oliveira, Esbôço histórico do desenho de mapas.
1952_v14_n2. Noticiário, II Congresso Nacional de Municípios.
1952_v14_n2. Noticiário, V Congresso Pan-Americano de Estradas de Rodagem.
1952_v14_n3. Alceo Magnanini, As regiões naturais do Amapá.
1952_v14_n3. Speridião Faissol, O que é colonização?
1953_v15_n1. Lúcio de Castro Soares, Limites Meridionais e Orientais da Área de Ocorrência da Floresta Amazônica em Território Brasileiro.
1953_v15_n1. Eugênia Gonçalves Egler, Distribuição da população no estado de Minas Gerais, em 1940.
1953_v15_n1. David Penna Aarão Reis, Vultos da Geografia do Brasil – Aarão Reis.
1953_v15_n1. Paul Vageler, Contribuição para o problema da sêca.
1953_v15_n1. Noticiário, II Congresso Nacional de Municípios.
1953_v15_n2. Antônio Teixeira Guerra, Observações geográficas sôbre o território do Guaporé.
1953_v15_n3. Noticiário, XIII Assembléia Geral do IBGE.
1953_v15_n4. Noticiário, Instalação da Comissão Nacional da União Geográfica Internacional.
1954_v16_n1. Edgar Kuhlmann, A vegetação de Mato Grosso – seus reflexos na economia do estado.
1954_v16_n1. Lysandro Vianna Rodriguez, Coordenadas geodésicas por métodos astronômicos.
1954_v16_n3. Carlos A. Fragoso Senra, Köppen e Serebrenick – climas da bacia do Rio São Francisco.
1954_v16_n3. Noticiário, As grandes enchentes do Amazonas.
1954_v16_n4. Noticiário, XVIII Congresso Internacional de Geografia.
1955_v17_n1. Orlando Valverde, O uso da terra no leste da Paraíba.
1955_v17_n2. Alof Boustedt, Estatística e cartografia – notas sôbre o Atlas de Planejamento Alemão.
1955_v17_n2. Noticiário, Os problemas das terras áridas.
1955_v17_n3. Lourdes M. M. Strauch, Distribuição da população na Ilha do Governador.
1955_v17_n3. Noticiário, XV Assembléia Geral do CNG.
1955_v17_n4. Maria da Silva Pinto, Aspectos de problemas energéticos do Brasil.
1956_v18_n1. Noticiário, XVIII Congresso Internacional de Geografia.
1956_v18_n2. Noticiário, Homenagem à memória do Dr. Teixeira de Freitas.
1956_v18_n3. José Setzer, A Natureza e as possibilidades do solo no vale do rio Pardo entre os municípios de Caconde, SP, e Poços de Caldas, MG.
1956_v18_n3. Maria Magdalena Vieira Pinto, Contribuição ao estudo da pesca na região do rio Arari (Ilha de Marajó).
1956_v18_n4. Noticiário, Instituto Pan-Americano de Geografia e História.
|