1É
amplamente conhecido o fato de que, dentro do planejamento brasileiro, a
teoria dos polos de crescimento teve uma grande influência e foi
responsável por muitos planos territoriais que moldaram o território,
buscando dirimir as desigualdades regionais e integrar os espaços
nacionais. Mesmo que sua inserção seja ainda mal compreendida, é
possível identificar uma série de críticas à teoria, acusada de ser um
facilitador das relações entre capital e Estado, ou seja, os polos não
passariam de estímulos governamentais cômodos ao desenvolvimento
capitalista que nem sempre visam resolver problemas sociais ou uma
distribuição mais equitativa da riqueza no território.
2Independente
dessa visão, se ressalta o fato da teoria polos de desenvolvimento ser
um elemento importante para a geografia, pois modificou a teoria da
região e da regionalização, além de ter um alto impacto no território
brasileiro. Em termos teóricos no campo da geografia, basta relembrar
que ela foi responsável pela popularização da concepção de região
homogênea e região polarizada, ideias que até hoje têm importância
fundamental e continuam a ser exploradas na geografia econômica ou na
produção de estudos e dados por parte do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
3Foi
no início da década de 1960 que a presença do geógrafo francês Michel
Rochefort introduziu uma série de novos temas de estudos dentre os
geógrafos do IBGE. Geografia da população, tema desenvolvimento por seu
orientador Pierre George, geografia das indústrias e a geografia urbana,
foram grosso modo temas inseridos por Michel Rochefort que
tinha como pano de fundo as ideias de sua tese de doutorado sobre a rede
urbana da Alsácia, acompanhada de uma interpretação flexível das ideias
de Perroux sobre polos de desenvolvimento e das concepções de J.-R.
Boudeville, discípulo deste último, cujo trabalho é uma tentativa de
imbuir no pensamento de seu mestre uma conotação geográfica, ou seja,
mais atrelada ao espaço.
4Nesse
sentido, o IBGE teve uma centralidade na recepção da teoria dos polos,
pois a aplicou nos moldes rochefortianos e porque como centro de
produção de dados e, até certa medida, de articulação científica,
difundiu sua interpretação da teoria e aglutinou o interesse de outras
instituições e intelectuais interessados pelo assunto. Contudo, o IBGE
está longe de ter o monopólio sobre o assunto, seja no tocante à sua
teoria, seja no que diz respeito à sua aplicação. Nesse sentido, a
análise de outras instituições nos revela outras formas e vias de
recepção da teoria dos polos, interpretações essas que acabaram por se
encontrar, seja na prática do planejamento, seja no debate teórico com
as concepções ibgeanas.
5Assim
sendo, dentre os geógrafos do IBGE a ideia de região homogênea seria um
espaço ou um recorte regional com poucas diferenciações internas no que
diz respeito a sua composição e distribuição espacial, enquanto na
polarizada temos uma ou várias cidades que atraem os fluxos dos espaços
ao redor. Tais concepções claramente não se somente ao planejamento,
pois efetivamente se agregaram na epistemologia da geografia, lembrando
que Boudeville, responsável pela leitura geográfica das ideias de
Perroux, propôs ainda a região-programa, conceito prático que visa o
planejamento. Além disso, tanto na França como no Brasil a teoria dos
polos significou uma contribuição epistemológica e um diálogo
interdisciplinar, mas, ao mesmo tempo, também uma tensão entre os dois
campos de estudos para saber quem seria o mais competente a serviço do
planejamento estatal, se o campo da geografia ou da economia.
6Até o
presente momento de nossa pesquisa, pudemos observar que inicialmente a
teoria dos polos teve um papel relevante na Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) sob a égide de Celso Furtado, um
dos mais renomados economistas brasileiros, que planejava indústrias
para impulsionar a região. Furtado e Perroux se conheceram na França e,
paralelamente, é importante destacar que o segundo lecionou por uma
curta temporada na Universidade de São Paulo. Destacamos que nos planos
iniciais da SUDENE, não pudemos identificar nenhuma discussão profunda
sobre a teoria dos polos, ou mesmo o uso explícito do termo. Contudo,
está clara a concepção de que é necessário aproveitar os recursos locais
para o desenvolvimento industrial nordestino. Ressaltamos ainda que
depois do golpe militar de 1964, após algumas reformulações, a SUDENE se
torna um paradigma do planejamento regional, agora dotado de um uso
mais evidente da teoria dos polos de desenvolvimento, com a realização
cursos internos sobre o assunto. Não obstante, o governo militar vai
reformar ou criar órgãos de desenvolvimento regional para cobrir
praticamente todas as macrorregiões brasileiras.
7Paralelamente,
é possível identificar mais um núcleo de recepção da teoria dos polos,
ligada à chamada Comissão Interestadual da Bacia do Paraná-Uruguai
(CIBPU). Tal órgão foi criado ainda na década de 1950 e teve um papel
importante na formação e na experimentação do planejamento brasileiro.
Inicialmente orientado pelo padre Lebret, de origem francesa, a comissão
tinha uma orientação humanista, calcada até certa medida em ideias
keynesianas, tentando formular uma economia voltada às necessidades do
indivíduo e da comunidade, para além do lucro empresarial. O
distanciamento de Lebret e a reformulação de sua orientação com a
liderança de Delfim Netto tem como resultado a inserção dos polos
desenvolvimento. No início da década de 1960, a efetividade de Delfim na
comissão o auxiliou a galgar altos postos na administração pública após
o golpe militar.
- 1 Vide a coletânea organizada por Haddad, P. Planejamento regional: métodos e aplicação ao caso brasi (...)
8Por
fim, cabe pontuar o desenvolvimento da teoria dos polos e de teoria de
economia espacial de forma geral no Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), cujo processo de criação, em plena ditadura militar,
foi de alguma forma acessorado por geógrafos do IBGE, como Lysia
Bernardes e Pedro Geiger, por exemplo. Contudo, os economistas já
estavam debatendo e aplicando tais teorias a pleno vapor, a partir de
seus pontos de vista e especificidades. Destaca-se, nesse contexto, a
criação do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR),
em 1968, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais, em que
encontramos figuras que atuavam no IPEA e também na aplicação da teoria
dos polos. Assim, as relações entre profissionais do IPEA e CEDEPLAR não
eram raras.1
9Sendo
assim, cabe esclarecer por ora que nosso objetivo nesse sucinto
trabalho não é explorar as aplicações práticas da teoria dos polos, uma
vez que seu amplo grau de difusão em escalas diferentes (IBGE remetendo à
esfera federal, SUDENE e CIBPU abrangendo os Estados da federação, por
exemplo) e suas diversas interpretações, resultaram em uma diversidade
de planos e práticas, nem sempre executados em função da escassez de
verbas ou mudanças políticas. No entanto, tal tema não deixa de ser do
interesse de nosso projeto de pesquisa, sendo explorado após termos
consolidado minimamente o entendimento sobre as diferenças e os pontos
comuns da recepção da teoria dos polos, bem como um mapeamento
preliminar de seus principais núcleos.
10Como
dissemos, um marco importante na recepção da teoria dos polos foi a
presença de Michel Rochefort, a partir da década de 1960, porém, esta
não foi sua primeira visita ao Brasil já que ele participou do congresso
da União Geográfica Internacional (UGI) de 1956. Após o evento,
Rocherfort leciona seis conferências no Conselho Nacional de Geografia
(CNG), cujo título era “Problemas de métodos de geografia urbana”
(Nogueira, 1956: 210). Alguns anos depois, novamente em terras
brasileiras, Rochefort organizou grupos de pesquisa no IBGE sobre temas
que haviam sido tradicionalmente pouco tratados pelo órgão. Assim, os
temas da industrialização, da urbanização, da hierarquia urbana e da
distribuição dos serviços são incorporados envolvendo geógrafos novos e
antigos. De uma forma geral Pedro Geiger, Roberto Lobato Corrêa, Lysia
Bernardes e F. Davidovich foram todos envolvidos nessas atividades e
mesmo depois de um afastamento relativo do IBGE, as tendências por ele
engendradas continuam a ser desenvolvidas, dialogando com outras fontes e
autores.
11Gradativamente,
a geografia econômica que era tenuamente influenciada por Perroux e
Boudeville, a partir de uma leitura particular de M. Rochefort, vai
incorporar debates que estavam em voga com muita força na economia
brasileira do início da década de 1970. Assim, A. Hirschman, G. Myrdal,
J. Friedman são incorporados no debate sobre o desenvolvimento regional,
ressaltando que tais tendências também estavam sendo discutidas pela
geografia econômica norte-americana e pela economia brasileira. Os
autores arrolados tentam ampliar e complexificar o debate sobre os
polos, mas também sobre a superação do subdesenvolvimento como um todo.
Cabe ressaltar que apesar desses três autores não serem seguidores de
Perroux, são do campo da economia, de diferentes nacionalidades, mas
todos inseridos como Perroux em um debate que concatena a questão da
promoção do desenvolvimento, o papel da região e dos grandes centros
industriais e urbanos na economia nacional e sua inserção na economia
mundial. Não teremos espaço aqui para nos aprofundarmos no debate desses
autores devido a complexidade de suas ideias e trajetórias, contudo,
eles estão inseridos sem sombra de dúvidas, ao lado de Perroux, na arena
internacional de discussão sobre as fórmulas do desenvolvimento, ou
melhor, nas maneiras de superar o subdesenvolvimento.
12As
interpretações e marcos teóricos delimitados por este debate interessam o
regime militar brasileiro, uma vez que existiu o princípio de ligar a
questão do desenvolvimento à segurança nacional e no tocante ao assunto,
os polos reverberam no desempenham econômico, mas também na questão da
integração econômica e territorial. Contudo, é interessante observar que
dentre os membros ativos do regime encontramos dissensos e debates. Sem
sombra de dúvidas a estratégia dos polos foi amplamente utilizada
conquistando o coração e a mente dos militares, contudo, na década de
1970, cabe lembrar que a turma Pedro II da Escola Superior de Guerra
(ESG) realiza um seminário para aplicar a obra de Milton Friedman à
realidade brasileira, um pensador liberal que vai na contra mão de
políticas desenvolvimentistas ou da interferência do estado.
13O
período de 1964 até 1985, ou seja, o transcurso da ditadura militar no
Brasil, marca uma disseminação ampla da teoria no caso da geografia,
pois pouco tempo após 1964 temos a publicação da obra A geografia ativa (1966) traduzida rapidamente para o português e o surgimento de trabalhos que aplicaram a metodologia de Rochefort, como o Estudo básico para a definição dos plos de crescimento (Pereira,1967), realizado pelo IBGE. Aliás, o texto de B. Kayser publicado n’A geografia ativa defende
uma nova concepção de região, pautado no fenômeno da polarização ou
área de influência, com uso explícito para o planejamento. Curiosamente,
a exposição dos conceitos de espaço polarizado e homogêneo como feito
por Kayser nessa obra se assemelha aos usos e apropriações feitos pelo
IBGE na década de 1960. Isso pode relevar uma unidade de pensamento
dentre as figuras ligadas a Pierre George, de um lado, e de outro, no
IBGE, a concepção de que a operacionalização preliminar dos espaços
polarizados e espaços homogêneos serviriam de base para ampliação do
planejamento territorial do Brasil.
14Igualmente,
além do argumento contextual, escolhemos o período até 1985, porque
entendemos que com o desenvolvimento da geografia crítica, a partir de
meados da década de 1970 e atravessando a década de 1980, surgem autores
como Milton Santos que criticam a teoria dos polos de crescimento e
problematizam alguns de seus aspectos tendo em vista os aportes
marxistas que a geografia mobilizou.
- 2 Como, por exemplo, em Perroux, François. Os mitos hitleristas. Rio de Janeiro: Editora Nacional, 19 (...)
15Para
compreender as origens da teoria dos polos de crescimento ou
desenvolvimento é necessário retornar a França do entre guerras. Lá um
jovem economista de nome François Perroux milita nos grupos da direita
francesa escrevendo textos para a revista L’esprit de mesma
orientação política. Apesar dessa orientação política, Perroux, desde
antes do início da guerra, se posiciona contra Hitler,2
identificando-se com a sociologia personalista de Tönnies, defensor da
autarquia econômica nacional, do fim das desigualdades regionais e do
descongestionamento de Paris. Perroux era claro defensor de uma
“revolução nacional” em que o Estado teria um papel importante na
economia. Dessa forma, Keynes é um economista que serve como grande
inspiração e fomenta o planejamento como uma importante função na
construção dessa sociedade do futuro (Pedrosa, 2013:101-105).
16Concomitantemente,
Perroux estudou a obra de Schumpeter e introduziu seu pensamento na
França. Além disso, nosso economista participou da militância católica,
fundando o grupo Economia e Humanismo ao lado do padre Lebret, pensador
importante que terá ampla influência no planejamento brasileiro,
principalmente na conformação da Comissão Interestadual da Bacia
Paraná-Uruguai.Com a derrota e ocupação da França logo no início da
guerra, Perroux, sendo um intelectual de oposição da corrente dominante,
mas politicamente engajado na direita, tem a oportunidade de participar
do governo e colocar em prática seus planos para o desenvolvimento
econômico da França. Consoante às metas do regime de Vichy, Perroux
defende a igualdade regional no território francês e a redistribuição
das indústrias que devem sair de Paris para outras cidades no interior.
Nesse momento, a busca de um renascimento territorial a partir da escala
regional, respeitando-se os valores dos camponeses franceses contra a
concorrência das regiões estrangeiras, é o elemento mais evidente da
orientação teórica (Couzon, 2003: 82-101). Perroux lidera então o Centro
de Síntese Regional destinado à reconstrução e ao equipamento
territorial, onde reúne, dentre outros, os geógrafos Jean Gravier e
Pierre George. Antes mesmo do final da guerra, George defende a
desarticulação e redistribuição da indústria parisiense, o que lhe rende
uma advertência por parte do partido comunista francês, instituição da
qual era filiado e que o auxiliou na sua ascensão universitária após o
conflito bélico mundial (Pedrosa, 2013: 70-142).
- 3 Aqui utilizamos a definição de capital cultura de Bourdieu (2004), que se refere à capacidade de se (...)
17Perroux, mesmo se aliando ao lado perdedor, conseguiu capitalizar uma grande quantidade de capital cultural3 e fundar a Revue économique, mantendo o interesse do alto escalão do Estado francês. Em 1947, Gravier publica seu livro Paris et le désert français em que reforça a ideia de que Paris é uma cidade que concentra e polariza o desenvolvimento econômico e cultural da França.
18Em 1955, Perroux em seu Notes sur pôle de croissance
demonstra uma definição preliminar do que deveria ser esse instrumento
de planejamento que redireciona contingentes industriais importantes e,
ao mesmo tempo, desenvolve efetivamente a região. Nesse sentido, um
investimento estatal ou privado em uma região serve como estímulo para a
polarização ou atração econômica dos espaços no entorno, produzindo
riqueza e iniciando um círculo virtuoso de desenvolvimento social. Como
demonstrou Couzon (2003) em seu texto, toda essa reflexão teórica não se
restringe a um mero instrumento para a planificação, pois resulta em
uma concepção de espaço econômico que, baseada na visão de Jean
Gottmann, dialoga francamente com o espaço geográfico. Perroux se
preocupa com os processos de internacionalização do capital, e o espaço
econômico busca apreender justamente as dinâmicas para além dos espaços
nacionais, dos regionais ou dos espaços mais ou menos restritos.
Enquanto o espaço econômico se refere à produção e a circulação,
possuindo uma dimensão abstrata e geométrica, o espaço banal ou
geográfico é concreto, referindo-se ao espaço onde o homem realiza a
totalidade de suas atividades.
19De
uma maneira sintética, esta será a herança compartilhada pelos membros
do Centro de planejamento liderado por Perroux, em que Pierre George se
incluía e que sofreu obviamente muitas influências, mesmo que houvesse
uma tensão latente acerca da competição entre economia e geografia como
campos competentes para o planejamento. Como tentamos demonstrar em
outra ocasião, ao comparar textos diversos de Pierre George de sua
experiência na comissão de Vichy e de seus estudos sobre a União
Soviética, George defende a concepção de que a escala do planejamento
deve ser regional, mas submetida ao poder central (Pedrosa, 2013:
144-214), tendência que até meados da década de 1980 marcou o
planejamento francês (Montricher, 1995: 13).
20Paralelamente,
vemos no pós-guerra a influência, na França, do economista
norte-americano Walter Isard que começou a valorizar a localização como
um elemento fundamental para o desenvolvimento econômico. Entretanto,
Isard utiliza a matemática e a estatística para criar a regional science
justamente com o objetivo de analisar as economias regionais (Boyce,
2004). Essa tendência se integra de alguma forma com a escola de
Perroux, – mesmo que esta tenha um aspecto mais político e voluntarista.
O pensamento de Isard, que na geografia ganha força com a ascensão da
geografia quantitativa, relaciona matemática e estatística aos estudos
para a compreensão do mercado regional. As ideias de Isard terão força
no Brasil a partir da Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai
(CIBPU), no final da década de 1960, quando a supracitada gestão de
Delfim Netto também dá força às teorias perrouxianas.
21Se a
economia francesa estava pressionada de certa forma pelo pensamento
norte-americano, o grupo da geografia formado ao redor de Pierre George,
além da regional science, se preocupava com a chamada
geografia aplicada de Michel Philipponneau, que se propunha, sobretudo, à
ciência útil e aplicável para a sociedade. George, que na década de
1960 estava desligado do partido comunista e frustrado com o socialismo
real, continua a acreditar no planejamento e no Estado como elementos
que podem dirimir as contradições e desigualdades sociais. É neste
contexto que surge, em 1964, o livro A geografia ativa – traduzido e publicado no Brasil em 1966. Mesmo
que George (1966: 24-43), de maneira contraditória com seu passado,
defenda que o planejamento deve ser neutro, seus discípulos Bernard
Kayser, Raymond Guglielmo e Yves Lacoste, que publicam artigos no livro,
têm uma orientação claramente marxista. Cabe destacar ainda que um dos modus operandi de
Pierre George era simplesmente se conciliar e incorporar elementos de
seus rivais como, por exemplo, no caso da economia perrouxiana, nos
parece que a interpretação flexível de Rochefort sobre Perroux e
Boudeville vai na mesma linha, pois instrumentaliza o fenômeno da
polarização coaduando-o com a questão da rede de cidades, da hierarquia
urbana e do enfoque no setor terciário, ideias originais do seu esquema
de análise.
22É
desse meio de discípulos de George, imersos na conciliação entre
marxismo, planejamento perrouxiano e geografia regional nos moldes de
Vidal de la Blache, que surge Michel Rochefort, cuja obra faz uma
síntese ativa do planejamento propondo as chamadas metrópoles de
equilíbrio com o objetivo de dirimir as desigualdades regionais a partir
de uma distribuição mais equitativa de serviços e oferta de
mercadorias. Rochefort aproveitou as contribuições de Perroux, o debate
sobre a hierarquia urbana de Christaller, que desde antes da Segunda
Guerra foi inserido na geografia urbana francesa, e, por fim, a
importância dada pela geografia ativa à escala regional e ao
planejamento como instrumento neutro. Diferentemente de Perroux,
Rochefort dará mais ênfase ao setor de serviços abordando de forma
comedida a indústria, popularizando, assim, uma interpretação criada a
partir de George e Perroux consubstanciada na ideia de que uma cidade é
capaz de polarizar economicamente o espaço ao redor e formar uma região a
partir de sua influência no hinterland. Pois é justamente essa
interpretação e metodologia que chegará ao Brasil, uma vez que o regime
militar convida Rochefort para trabalhar no IBGE e no IPEA.
23Aqui
cabe um comentário importante. Além de Keynes, Couzon (2003) ainda
destaca Walras e Schumpeter como economistas influentes no pensamento de
Perroux. Como demonstra Dosse (2007: 31), Perroux ajuda a fundar a
escola do estruturalismo econômico. Se analisamos o pensamento de
Prebisch, o economista fundador da Comissão Econômica para América
Latina (CEPAL), veremos que ele tem as mesmas influências, é keynesiano,
acredita no papel do Estado como interventor na economia e se preocupa
com os ciclos da economia. Assim como demonstram Dosman (2011) e
Bielschowsky (2000:15-19) surge o estruturalismo histórico, abordagem de
trabalho inicial da CEPAL. Mesmo que tenham nomes parecidos, não é
possível negar que existam diferenças, contudo, nos indagamos se as
afinidades entre ambas escolas não provocou uma aproximação.
24Quando
na década de 1960, na CEPAL, Aníbal Pinto percebeu que o processo de
desenvolvimento do capitalismo se dava de forma desigual e chamou esse
processo de “heterogeneidade estrutural” (Bielschowsky, 2000: 42), isso
não pode ter dado espaço para a teoria dos polos como uma medida pontual
de busca pela igualdade? Cabe esclarecer que Perroux também admite a
hipótese que o capitalismo se desenvolve invariavelmente de maneira
desigual. Quando Celso Furtado, que se formou e trabalhou na CEPAL,
passou a chefiar a SUDENE, isto pode ter significado uma transmissão
teórica entre as duas instituições. Cabe aclarar tais aproximações,
todavia, não resta dúvida que a teoria dos polos penetra o debate da
SUDENE, como destaca Manuel Correia de Andrade, que passou uma temporada
na França na década de 1970 e retorna ao Brasil trazendo tais ideias do
estrangeiro. Em contrapartida, ao consultarmos a obra de Rochefort
(1968: 72-104), se pode observar que muitas das suas ideias
interpretativas sobre a América do Sul têm afinidade com concepções da
CEPAL. Rochefort destaca, por exemplo, o papel do Estado e da
substituições de importações no processo de industrialização dos países
sul-americanos e, ainda, defende abertamente a reforma agrária como
medida eficaz para o combate das desigualdades sociais. Tal concepção
era abertamente defendida por muitos intelectuais da CEPAL durante a
década de 1960 (Bielschowsky, 2000: 39-47).
25Mesmo
que Celso Furtado não tenha, durante sua gestão da SUDENE, levado até
as últimas consequências a ideia da reforma agrária – ao invés disso,
ele elegeu o Maranhão como válvula de escape da pressão por terras –,
sua interpretação da economia brasileira estrutura um sistema de
centro-periferia em que, claramente, São Paulo é o grande polo de
desenvolvimento brasileiro e o Nordeste é sua periferia. É possível
notar que mais do que uma teoria rígida, as ideias de polo ou a
polarização como fenômeno fomentam interpretações que inspiram um
espectro razoavelmente diverso de pensadores ligados a diferentes
posições políticas e epistemológicas.
26Sem
sombra de dúvidas, uma marca importante para a história do planejamento
brasileiro é o governo Juceslino Kubitschek. Mesmo que a era Vargas
tenha dado passos importantes no tocante ao planejamento territorial é
importante destacar que com o governo Kubitschek a faceta regional do
planejamento se desenvolve, desdobrando algumas tendências criadas no
período Vargas. Isso se evidencia pela criação da SUDENE, por exemplo,
contudo, o planejamento setorial também se desenvolve. Ignácio Rangel,
no prefácio de Economia: milagre e antimilagre, elogia o plano
de metas que considera ser um importante planejamento setorial, mas
demonstra como faltaria ao Brasil ainda um planejamento geral ou
integral que unisse todos elementos setoriais.
27Paralelamente,
com um discurso desenvolvimentista que ia ao encontro de algumas
concepções do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), a CEPAL
marca presença no continente sul-americano com importantes parcerias com
o Brasil. Cabe destacar a missão CEPAL-BNDE que contava com Celso
Furtado, ou ainda a presença de intelectuais importantes, como Ignácio
Rangel, que realizaram cursos de formação naquele órgão.
- 4 O ILPES e a CEPAL, na década de 1960, ofertavam cursos de capacitação, que usavam como material o t (...)
28O
golpe de 1964 vai romper seletivamente com o desenvolvimentismo dos
anos 1950. Basta lembrar, por exemplo, que a primeira edição brasileira
da obra de Gunar Myrdal, Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas,
foi editada pelo ISEB em 1958. O Brasil sob a égide dos militares
desmantela o ISEB e retira o apoio financeiro à CEPAL, enquanto o
Instituto Latino-americano de Planejamento Econômico e Social (ILPES)4
começa a abrigar boa parte da intelectualidade exilada no Chile que
continuava a fazer trabalhos críticos e esquerdizantes sobre a economia e
a história latino-americana (Dosman, 2011: 345-420). Entretanto, como
demonstra Bomfim (2007: 20-72) apesar do regime neutralizar o
desenvolvimentismo, de maneira contraditória vai dar continuidade à
necessidade de desenvolvimento e integração nacional, porém agora sob a
ótica do pensamento geopolítico, que foi gestado, em outros meios, na
Escola Superior de Guerra. Era necessário combater ferreamente o
comunismo como inimigo interno e se alinhar aos Estados Unidos na ideia
de um hemisfério ocidental e, paralelamente, desenvolver a indústria
nacional, integrar o território e promover uma “reforma agrária” –
obviamente, uma que não ferisse os interesses da elite agrária
dominante.
29Naturalmente,
sobre a batuta do novo regime, a preocupação científica com tais temas
se intensifica. É nesse contexto que Rochefort se insere, mesmo que ele
tenha, na França, ligações com o partido comunista. Ao se observar a Revista brasileira de geografia, publicação
oficial do IBGE, é possível encontrar avaliações preocupadas justamente
com o planejamento regional e suas experiências no estrangeiro. Assim:
Poucos foram os países que
levaram tão longe as ideias de Perroux como o Brasil. Sob a perspectiva
da acumulação capitalista, a ideologia dos plos de desenvolvimento
mostrou-se o modelo mais adequado para a organização do território
proposta pelo estado autoritário, uma vez que envolvia a criação de
locais privilegiados, capazes de interligar os circuitos nacionais e
internacionais de fluxos financeiros e mercadorias. (Egler, 2001: 214)
30Rochefort
vem para divulgar as ideias de sua síntese ativa, ou seja, uma
concepção de organização regional que hierarquiza a rede urbana, tomando
como referência os serviços – deixar a indústria para segundo plano é
algo no mínimo inusitado para alguém que, de um lado, foi influenciado
por Perroux, e, de outro, fora membro do partido comunista. Tal
hierarquização era o instrumento para definir os locais a serem
privilegiados ou investidos, contudo, sua teoria, que era aplicada em um
espaço relativamente pequeno, geograficamente denso e bem integrado – o
caso francês –, agora deveria responder aos problemas de um país
continental, subdesenvolvido e mal integrado como o Brasil. As
concepções de Rochefort foram rapidamente incorporada como colocaram
Geiger (1994: 140-150) e Bomfim (2007: 130-204) pelo IBGE e transmitidas
notadamente para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Aqui muitos pensadores desses órgãos aplicaram explicitamente sua
metodologia para o estudo do Brasil (Estudo, 1967). Se as portas estavam
abertas nas instituições da chamada tecnocracia, na universidade
existia um isolamento:
Enquanto na UFRJ, Hilgard
impedia a entrada dos membros da Escola de Pierre George, e o mesmo
fazia na USP o grupo do Aroldo, Fábio [chefe do IBGE], cada vez mais
‘esquerdizante’ promovia todo suporte para a sua influência,
principalmente a de Michel Rochefort. Nesse contexto, Lysia Bernardes
produziu um estudo sobre o Região de influência do Rio de Janeiro, eu sobre a Industrialização do Sudeste. Também neste período a Evolução da rede urbana. (Geiger, 1994: 139)
- 5 A geografia de esquerda foi uma tentativa nossa de caracterizar geógrafos militantes do partido com (...)
31Esses
dois últimos trabalhos referidos por Geiger, claramente eram aplicações
da teoria de Rochefort para identificar, dentre outros fenômenos, a
hierarquia urbana. Posteriormente, os espaços e a rede urbana
identificados poderiam, por meio do planejamento, ser eventualmente
estimulados através dos polos. Ainda fruto dessa influência, a Revista brasileira de geografia publica,
em 1967, um estudo sobre os polos de desenvolvimento no Brasil. É
interessante mostrar um fato: a geografia francesa formou as principais
escolas de geografia brasileira, com a influência de Pierre Deffontaines
e Pierre Monbeig, sendo que este último principalmente consolidou
escola na Universidade de São Paulo e teve grande influência. Segundo o
relato de Geiger, fica insinuado o fato de que a geografia de Rochefort,
por ter afinidade com o marxismo e o ideário de esquerda, não era
bem-vinda nas universidades. Vemos aí uma nova fonte de influência
francesa através da presença de Rochefort, que vai ao longo do tempo se
espraiar nas universidades, principalmente nas do Rio de Janeiro, porque
o IBGE, localizado nessa cidade, era abastecido e abastecia as
universidade cariocas. Essa segunda via de influência francesa ligada à
geografia de esquerda,5 que surgiu no pós-guerra na França, foi pouco problematizada pela história da geografia.
32Contudo,
a partir de 1968-69 a chamada revolução quantitativa vai se instaurar
no Brasil, ou seja, agora a geografia norte-americana ligada à nova
geografia defenderá a concepção que a ciência deve ser neutra, usar
preceitos do neopositivismo e munir-se da matemática como linguagem
objetiva para a constituição do conhecimento científico. A teoria dos
polos, no entanto, não seria relegada ao descaso, pois as ideias de
Rochefort passariam por transformações importantes e sua estratégia
regional seria coadunada com os interesses geopolíticos do regime
militar e instrumentalizada através dos levantamentos estatísticos e
matemáticos. Nas palavras de Bomfim:
Enquanto teoria
– metodologicamente conduzida por diversos referenciais da geografia e
da economia espacial daquele período, o estudo sobre a questão urbana e a
região aproximou-se de uma tradição em pensar o território segundo o viés da ocupação econômica (e geopolítica), na qual (questionamentos políticos à parte),
à Geografia Ativa, somou-se sua própria reminiscência possibilita e,
ainda mais, à ‘revolução’ quantitativa, as teses locacionais, o
pragmatismo econômico ortodoxo e, como substrato, a retórica militar
conservadora do Brasil Potência, enquanto o grande espaço a ser
conquistado. (Bomfim, 2007: 201)
33O
ápice desse processo se evidencia com a publicação do texto de Faissol
(1972), no qual se concretiza a mistura da qual Bomfim se refere.
Faissol era, sem sombra de dúvidas, uma liderança dentro do IBGE e
representava a tendência da nova geografia, sendo uma figura que marcou a
incorporação de interpretações da teoria dos polos quantitativas, em
detrimento das ideias de Rochefort.
34Nesse
período, no fim da década de 1960 e início da subsequente, um outro
vetor de entrada da teoria dos polos no Brasil se deu por meio do
geógrafo Manuel Correia de Andrade, que estava na França estudando o
tema e tendo contato direto com pensadores seja da economia, seja da
geografia. Podemos verificar em Andrade (1977 e 1987) um interesse nessa
teoria como solução para desigualdade regional. Bomfim (2007: 178-179)
indica que ele foi aluno de Boudeville no estrangeiro e que ressaltava o
fato de a SUDENE ter aplicado a teoria dos polos entre 1966-1968.
Apesar da influência de Boudeville, Andrade não deixa de dialogar com a
produção e reflexões do IBGE, organizando um importante seminário sobre o
assunto na SUDENE que congregou funcionários de diversos órgãos de
planejamento – Ministério do Planejamento, Conselho Nacional de
Geografia, CIBPU, dentre outros – no ano de 1966.
35Como
ressaltamos, paralelamente a esses desenvolvimentos e grupos que
debateram a teoria dos polos, ainda na década de 1970, é possível
identificar uma série de críticas, muitas delas feitas por autores de
orientação marxista, como por exemplo, Milton Santos.
36Após
analisar preliminarmente a teoria dos polos no Brasil fica evidente que
sua recepção está longe de ser homogênea ou ocorrer por apenas uma
instituição. Temos uma plêiade de grupos e instituições que a discutiram
sua natureza com perspectivas diferentes. Mesmo diante dessa
diversidade, tentamos demonstrar que o IBGE teve um certo grau de
centralidade nesse processo devido ao seu impacto e importância no campo
da geografia, no do planejamento e, parcialmente, no da economia, sendo
que sua influência neste último se ofusca cada vez mais com a
consolidação do IPEA.
37Ao
acompanharmos o desenvolvimento norteado por sua recepção no IBGE,
podemos separar basicamente em três períodos básicos: (1) um primeiro
momento em que a teoria dos polos se desenvolve na França e é
interpretada por Pierre George e seus discípulos; (2) quando a teoria
chega ao Brasil tendo como um representante importante Michel Rochefort
que introduz elementos da teoria dos polos e da polarização subordinados
à sua discussão sobre hierarquia urbana; e, por fim, (3) quando a
geografia francesa perde capital cultural e é substituída pela geografia
norte-americana, abrindo espaço para um processo de tecnificação
matemática e estatística, identificando-se mais com a nova geografia e
com algumas abordagens da regional science.
- 6 Vide nota 2, Carlos Maurício de C. Ferreira naquela obra usa o modelo gravitacional. A dissertação (...)
38Nesse
contexto, Speridião Faissol (1972) teve um papel central, pois ele
continuou em parte usando as concepções chave de Rochefort e os frutos
por ela gerados, porém adotou uma método ligado à nova geografia de
matriz estadunidense para dar uma nova roupagem à teoria, imprimindo sua
marca pessoal e inserindo a novidade da “descoberta” metodológica.
Nesse período, como tentamos demonstrar, os economistas também se
preocupavam com teorias locacionais ou com a economia espacial,
inclusive utilizando modelos de análise difundidos pela nova geografia
como, por exemplo, o modelo gravitacional.6
Entretanto, se destaca o fato de que os economistas tradicionalmente
são treinados para o manejo da matemática e, historicamente,
desenvolveram vários modelos para simular ou analisar situações
econômicas.
39Assim,
a geografia ibgeana dialogava com o que havia de mais avançado ou
moderno na arena do campo geográfico internacional e ao mesmo tempo
realinhava seus métodos de análise com a economia, se oferencendo mais
uma vez de forma útil e atualizada como ferramenta do poder estatal para
o planejamento do território brasileiro, supostamente, resolvendo as
disparidades regionais de forma “científica”, neutra e pragmática.