- 1 C. Brun, « Élisée Reclus, une chronologie familiale : Sa vie, ses voyages, ses écrits, ses ascendan (...)
1Nos
últimos anos, o trabalho para estabelecer uma biografia cronológica
detalhada do geógrafo anarquista Élisée Reclus têm sido a principal
ocupação do historiador francês Christophe Brun, responsável pela
publicação da cronologia reclusiana no site Raforum.Reclus,1
que está em constante atualização. Complementando o valioso trabalho de
Brun, apresentamos uma biografia sintética para o público lusófono, com
ênfase nos momentos em que Reclus teve relações com o Brasil e a
América Latina.
21830.
O 15 março, Jacques Élisée Reclus nasce na casa do pastor protestante
Jacques Reclus em Sainte-Foy-la-Grande, na região da Gironda, França.
31831.
A família Reclus muda para Orthez, na região dos Pireneus, após a
decisão do pastor Jacques de recusar todo orçamento estatal e passar a
exercitar seu ministério numa igreja independente.
41842.
Élisée é enviado para estudar no colégio protestante dos Irmãos
Morávios em Neuwied, na Alemanha, onde se encontra com seu irmão mais
velho, Jean-Pierre Michel Reclus, conhecido como “Élie”.
51848-49.
O ano das revoluções deixa uma impressão profunda em Élisée. Destinado
ao ministério religioso, o jovem rebelde distingue-se por sua
indisciplina, que é a causa de sua expulsão da Universidade protestante
de Montauban, no sul da França, posteriormente fugindo até o
Mediterrâneo em companhia de Élie e de um outro amigo. Élisée começa
então suas leituras de Proudhon, dos Naturphilosphen
alemães e dos sansimonistas, e interessa-se pelas revoltas republicanas
em curso em toda a Europa. Ele começa a amadurecer seu ateísmo.
61851.
Élisée trabalha como professor para os Irmãos Morávios em Neuwied, mas
fica incomodado pelos métodos autoritários deles, e viaja para Berlim,
onde inscreve-se na Universidade local. Ali, Reclus assiste às aulas do
geógrafo Carl Ritter, autor da monumental Erdkunde, que vai inspirar a Nova Geografia Universal.
No outono, Élisée regressa em Orthez caminhando desde a Alemanha, em
companhia de seu irmão Élie, e anuncia a seus pais que ele vai renunciar
o exercício do ministério pastoral. Após o golpe de 2 Dezembro por Luís
Bonaparte (depois Napoleão III), Élisée e Élie refugiam-se na
Inglaterra após ter organizado a resistência ao golpe em sua aldeia. O
primeiro texto conhecido escrito por Élisée, Le développement de la liberté dans le monde, foi redigido nesse ano, apesar de ter sido publicado somente em 1925.
71852.
Reclus mora em Londres e depois na Irlanda, onde sensibiliza-se sobre
os problemas da miséria rural observando os resultados da Grande
Carestia irlandesa, devida em grande parte aos abusos do domínio inglês.
Nas beiras do rio Shannon, Élisée redige o plano de sua primeira grande
obra, La Terre. No fim do ano, o futuro geógrafo anarquista parte para a América, onde permanecerá quase cinco anos.
81853.
Élisée trabalha como preceptor para os três filhos de Septime Fortier,
um fazendeiro escravagista de Nova Orleans, e se incomoda com o sistema
de plantação e a escravidão dos Afro-Americanos. Os temas do
antirracismo e da luta contra a escravidão vão ser um elemento constante
das atividades políticas e científicas dele.
91855. Élisée pública seu primeiro artigo assinado como Élisée Reclus, com o título “Lettres d'un voyageur”, no diário L’Union de Nova Orleans.
101857. Após o fracasso do projeto de plantação em Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, Reclus toma
a decisão de regressar à França, para onde Élie já tinha regressado sem
sofrer muitas retaliações pelo regime de Napoleão III.
111858.
Reclus é recrutado por Luís Hachette para redigir a coleção dos guios
turísticos dirigida por Adolphe Joanne. O geógrafo casa-se civilmente
com Clarisse Brian, uma mulata de origem senegalesa. O ideal de Reclus
para a miscigenação universal é praticado por ele mesmo partindo dessas
escolhas de sua vida pessoal.
121859.
Reclus participa das reuniões da Sociedade de Geografia de Paris e
publica no Boletim dela um artigo, “Étude sur les fleuves”, onde o
geógrafo apresenta sua ideia de bacia fluvial, um conceito que será
depois desenvolvido na celebre História de um Riacho.
131860. Nasce Magali, a primeira filha de Reclus, e, no mesmo ano publica seu primeiro livro, a Guide du voyageur à Londres et aux environs, pela editora Hachette. O geógrafo começa sua colaboração com a importante Revue des Deux Mondes
com uma serie de artigos sobre a abolição da escravidão nos Estados
Unidos. Ele vai apoiar fortemente a União contra os Confederados durante
a guerra civil norte-americana. Reclus é considerado então como uma
espécie de embaixador informal dos abolicionistas norte-americanos na
Europa.
141861. Reclus publica o livro Voyage à la Sierra Nevada de Sainte-Marthe, paysages de la nature tropicale, já publicado sob a forma de artigos pela Revue des Deux Mondes, pela Hachette. O geógrafo começa a redação da primeira das três grandes obras que ele chamará sua “trilogia”, La Terre.
151862. É publicado nas edições de junho e julho da Revue des Deux Mondes,
o artigo “Le Brésil et la colonisation” em duas partes, a primeira “Le
bassin des amazones et les indiens” e a segunda “Les provinces du
littoral, les noirs et les colonies allemandes”. Estes escritos
configuram os primeiros estudos de Élisée sobre o Brasil.
161863.
Nasce a segunda filha de Reclus e Clarisse, Jeannie. Élie e Élisée
fundam, junto com Jacques Beluze, a sociedade mutualista do Crédit au Travail, que vai desempenhar um papel importante como polo de atração dos dissidentes e dos revolucionários sob o Segundo Império.
171864.
Reclus começa uma serie de artigos sobre a guerra do Paraguai que só
interromper-se em 1868. Naquela época, Reclus é solidário das republicas
federais descolonizadas da América latina e está fortemente oposto às
políticas do Brasil, que considera ser um império autocrático baseado
sobre a escravidão. Por isso, Reclus apoia os movimentos autonomistas
das províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes. O geógrafo critica
a aliança de Brasil, Uruguai e Argentina contra o Paraguai e se
corresponde com o republicano argentino Juan Bautista Alberdi, critico
de aquele rumo. Após a fim do Império e da escravidão em 1888 e 1889,
sua opinião sobre o Brasil irá mudar radicalmente.
181865.
Ao abordar a questão da Guerra do Paraguai em seu artigo “La guerre de
l'Uruguay et les républiques de la Plata”, e posteriormente aprofundar
suas impressões no artigo “La Guerre du Paraguay”, publicado em 1867 na Revue des Deux Mondes, Reclus passa a ser hostilizado pela intelectualidade brasileira.
191867. Reclus começa a publicação de La Terre, description des phénomènes de la vie du globe (1867-68).
201868.
No Congresso da Liga da Paz e da Liberdade em Berna, Reclus pronuncia
um discurso de inspiração proudhoniana em favor da ideia federalista,
que baseia-se também sobre seus trabalhos geográficos. Élisée termina
sua colaboração com a Revue des Deux Mondes após
uma briga com o diretor da revista, François Buloz, que considerou
demasiado progressista um artigo de Reclus sobre “Os direitos da mulher
na América”. No mesmo período, Reclus participa na fundação dos
primeiras associações feministas na França, junto com Élie e com as suas
amigas Louise Michel e André Léo.
211869. Morte de Clarisse Brian. Élisée publica a Historia de um Riacho.
Após a viagem de Élie na Espanha revolucionaria de 1868-69, os irmãos
Reclus rompem temporariamente com o revolucionário russo Mikhail
Bakunin, que os consideram demasiado moderados. Os revolucionários se
reconciliam em 1872 na Suíça.
221870.
Reclus celebra sua primeira “união livre”, com Fanny L'Herminez, uma
garota que ele tinha conhecido em Londres. Nesse ano, o desastre da
Guerra Franco-Prussiana determina a queda do Império e a proclamação da
Terceira Republica: Reclus se incorpora àGuarda Nacional e participa da
defesa de Paris durante o assedio dos Prussianos.
231871.
Reclus participa ativamente na Comuna de Paris, mas é aprisionado pelos
Versalheses em 3 Abril e fica preso até o ano sucessivo.
241872.
Começa o exílio de Reclus na Suíça. Reclus começa também seus trabalhos
para a escrita da segunda grande obra da sua “trilogia”, a Nova Gografia Universal.
O primeiro ato oficial do geógrafo após ter chegado em Zurique na casa
de Élie que já tinha encontrado refugio ali, é de enviar o plano da
futura obra geográfica para Emile Templier, o editor de Hachette.
251872. Reclus se estabelece perto de Lugano, na Suíça italiana, com Fanny e com as duas meninas, e mora ali por dois anos.
261873.
Reclus visita a exposição internacional de Viena e viaja na península
balcânica junto com o geógrafo franco-húngaro Attila de Gerando, que
considera-se discípulo dele.
271874. Reclus fica viúvo pela segunda vez, e muda para o Cantão de Vaud, na Suíça francófona.
281875. Reclus celebra sua nova “união livre” com Ermance Gonini; a Nova Gografia Universal começa a ser publicada sob forma de fascículos semanais.
291876.
O primeiro volume completo da NGU, dedicado à Europa Meridional, é
publicado em Paris e tem um grande sucesso comercial: as primeiras
tiragens são ao redor das 20.000 copias, o que significa um verdadeiro best-seller para aquela época.
301877. Reclus envolve-se ativamente na Fédération jurassienne,
secção suíça da Internacional anti-autoritária, primeira organização da
história que adota oficialmente o comunismo anarquista. Reclus
contribui ativamente e inspira as atividades da sessão de Vevey e forma
parte do corpo editorial do jornal Le Travailleur, que é impresso em Genebra na tipografia dos exilados russos Rabotnik (trabalhador em russo).
311879. O governo francês amnistia os participantes da Comuna, mas Reclus prefere permanecer na Suíça, em Clarens.
321880. O geógrafo publica a História de uma Montanha, pelo editor Hetzel.
331881.
Piotr Kropotkin, companheiro de militância e colaborador científico de
Reclus, é expulso da Suíça, e posteriormente será preso por mais de três
anos na França. A correspondência entre os dois amigos foi fundamental
para os estudos que reconstruiram o funcionamento da rede internacional
dos geógrafos anarquistas.
341882.
Em Paris, as duas filhas de Reclus, Magali e Jeannie, celebram as
respetivas uniões livres com Paul Régnier e Léon Cuisinier. O evento é
celebrado pelas respetivas famílias e Reclus pronuncia um discurso sobre
a união livre que suscita grande escândalo na imprensa burguesa de
Paris.
351883.
Reclus viaja à Grécia e à Ásia Minor, novamente acompanhado por Attila
de Gerando. O objetivo da viagem é recolher informações para a Nova Geografia Universal.
361884.
Reclus efetua a primeira de uma serie de viagens para a África do
Norte, transitando pelo Egito e chegando finalmente na Argélia, onde o
geógrafo amadurece suas ideias anticolonialistas, que exprime nas suas
obras cientificas e nas correspondências pessoais.
371886.
Kropotkin sai da prisão de Clairvaux e estabelece-se definitivamente em
Londres. O geógrafo russo põe Reclus em contacto com o mundo da
geografia anglo-saxã, onde os geógrafos anarquistas vão ter colaborações
importantes com John Scott Keltie, Augustus Keane, Hugh Mill, Halfor
Mackinder e sobretudo Patrick Geddes.
381887. Morte do género de Reclus, Léon Cuisinier.
391888. Morte de Léon Metchnikoff, outro importante colaborador científico de Reclus. Élisée começa a pensar deixar a Suíça.
401889. Nova viagem para a América do Norte afim de recolher informações para os últimos volumes da Nova Geografia Universal.
411890.
Reclus recusa a cátedra de geografia da Universidade Livre de Genebra
porque lhe interessa mais ter o tempo para terminar sua grande obra. O
geógrafo regressa à França após 18 anos de exílio na Suíça.
421891. Última viagem à América do Norte.
431892. Reclus obtêm a medalha de ouro da Sociedade de Geografia de Paris pelos trabalhos realizados na Nova Geografia Universal.
441893.
Última grande viagem, ao Brasil, Uruguai e Argentina. Reclus, que tinha
conhecido em Paris o Barão de Rio Branco, está muito interessado no
experimento brasileiro da republica federal e considera o Brasil como o
“laboratório” da futura miscigenação universal, último remédio contra o
racismo. No Rio de Janeiro, o geógrafo é recebido com grandes honras
pela Sociedade de Geografia, pelo Instituto Brasileiro de História e
Geografia e pela Academia Brasileira de Letras. A influência dele no
Brasil começa difundindo-se entre os meios da burguesia intelectual
assim como nos meios populares e militantes.
451894. Com o volume XIX sobre o Brasil e os países da Plata, Reclus termina a monumental empresa da Nova Geografia Universal.
O geógrafo é nomeado professor na Universidade Livre de Bruxelas; a
revogação de sua contratação, decidida no clima de paranóia
anti-anarquista que seguiu os atentados dos ditos individualistas
franceses, provoca o “incidente Reclus”, que vai ser uma das causas da
separação do corpo professoral da Universidade Livre e da fundação da Université Nouvelle. Reclus ingressa nessa instituição, onde ministra um curso de “Geografia comparada no espaço e no tempo”.
461895. Em Bruxelas, Reclus começa a redação da última obra de sua trilogia, O Homem e a Terra.
Reclus publica o projeto do Grande Globo para a exposição universal de
Paris de 1900. Esse objeto, de 127 metros de diâmetro com relevo na
mesma escala, devia representar todos os países do mundo segundo suas
“verdadeiras” proporções, ao contrario do que acontecia nos mapas
bidimensionais. Isso significava, pela geografia, abrir mão de uma visão
eurocêntrica e representar os princípios de unidade humana e
fraternidade universal. Esse projeto não se realizará por razões ao
mesmo tempo econômicas e políticas.
471896. Após ter participado duas vezes do Summer Meetings de Edimburgo organizados por Patrick Geddes, os irmãos Élie e Élisée Reclus publicam a brochura Renouveau d’une cité
para fazer propaganda do movimento de renovação urbana em que está
envolvido o intelectual escocês. As ideias dos Reclus e de Kropotkin
sobre a descentralização e a integração entre cidade e campo influenciam
também Geddes e seus conceitos de conurbação e planeamento regional.
481898. Reclus apresenta seu projeto do Grande Globo perante a assembleia da Royal Geographical Society em Londres, onde sua proposta é fortemente apoiada por Geddes, Kropotkin e Scott Keltie, então presidente da sociedade.
491900.
Um fragmento do projeto de Grande Globo, o Relevo da Suíça a escala de
1:100.000 por Charles Perron, ganha a medalha de ouro da secção de
cartografia na exposição universal de Paris. Em 1º de Dezembro deste
ano, o Conselho Federal Suíço resolve o contestado fronteiriço
franco-brasileiro atribuindo ao Brasil todo o território contestado
entre a Guiana e o estado de Pará. Na memoria justificativa, a geografia
de Reclus é utilizada por justificar a decisão dos árbitros suíços. No
mesmo ano, o capítulo da Nova Geografia Universal sobre o Brasil é publicado e traduzido para português, pelos barões Rio Branco e Ramiz Galvão, sob o título Estados Unidos do Brasil.
501902. Palestra de Reclus na Sociedade Geográfica de Berlim, mais de 50 anos após a estadia dele para escutar as aulas de Ritter.
511903. Última palestra de Reclus na Royal Geographical Society
de Londres, onde o geógrafo anarquista apresenta sua nova invenção
tridimensional, o Atlas Globular, defendendo a abolição dos mapas
bidimensionais ao nível da educação primária, porque achava que essas
falsas representação do mundo deixam na mente impressões falsas que
faziam danos dificilmente reparáveis na mente dos leitores da geografia.
521905. Começa a publicação de O Homem e a Terra,
que só terminará em 1908 organizada por Paul Reclus, sobrinho de
Élisée, que morre o 4 de Julho na cidade de Thorout, Flandres
ocidentais, na casa de sua última companheira Florence de Brouckère.