1Na transição do século XIX para o século XX, diversos projetos de modernização do território brasileiro se materializavam ou estavam em discussão nas altas esferas do governo federal e até em instituições como o Clube de Engenharia e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Da expansão das redes ferroviárias e telegráficas ao melhoramento dos portos e reformas urbanas, todas essas demandas por infraestrutura eram acompanhadas por polêmicas e discursos inflamados de políticos e engenheiros, dispostos a fazer valer suas ideias — que articulavam noções de território, ciência e nação.
2Não por acaso, essas discussões sobre o processo de modernização capitalista do território brasileiro acabavam refletidas em demandas pela produção de mapas e outras produções cartográficas. Afinal, os projetos de expansão de infraestrutura, principalmente para as áreas interiores do país acabavam acontecendo de maneira conjunta ao processo de reconhecimento e mapeamento. Neste sentido, também foram alvo de intensas polêmicas os processos de consecução dos trabalhos de produção cartográfica sobre o território brasileiro.
3Uma destas disputas se referia ao Mapa Geral da República dos Estados Unidos do Brasil, organizado pelo Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas (MIVOP) e publicado durante a Exposição Nacional de 1908, em comemoração ao centenário da abertura dos portos. Entre os personagens e instituições envolvidos estavam engenheiros ligados à Repartição Geral do Telégrafos (RGT) e ao Clube de Engenharia, que naquele momento se via às voltas em discussões sobre a necessidade da elaboração, pelo governo Federal, de um mapa geral do Brasil. Entre disputas sobre métodos de construção de mapas, emergiam as concepções sobre qual tipo de ciência seria instrumentalizada pelos engenheiros deveria contribuir para a fazer o Brasil adentrar no rol das ditas “nações civilizadas e modernas”.
4No início do século XX, os trabalhos de reconhecimento, catalogação e posterior sistematização de materiais cartográficos sobre o território brasileiro eram fonte de preocupação e de intensas disputas e polêmicas entre aqueles que se consideravam a “elite técnica” capaz de realizar esses serviços, os engenheiros civis e militares, muitos deles ligados a instituições como o Clube de Engenharia e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.
5Como mostra o artigo “Carta Geral do Brazil”, publicado no dia 12 de junho de 1908, na segunda página do periódico carioca O Paiz, onde tradicionalmente publicavam-se os artigos de opinião, as questões sobre a cartografia nacional começavam a ganhar mais força com a autorização estatal para dotação orçamentária ao projeto de levantamento da Carta Geral da República. Assim,
O n. V do artigo 22 da lei n. 1841, de 31 de dezembro de 1907, autoriza o poder executivo a “promover por meios os mais expeditos o levantamento da carta geral da Republica, abrindo para esse fim os necessarios creditos, e entrando em accordo com os governos dos Estados, que tiveram serviços dessa natureza já realizados”. (Moraes Rego, 1908: 2)
- 1 Sobre a carreira de Fábio Hostílio, ver a tese de doutorado “Meio Ambiente, Saneamento e Engenharia (...)
- 2 A SAIN foi fundada em 1827 por diferentes setores das elites econômicas do Império e contava em seu (...)
6O autor do artigo, o engenheiro Fábio Hostílio Moraes Rego (1849-1918), tinha um histórico de atuação profissional que explicava seu interesse nas questões de reconhecimento e mapeamento do território brasileiro. Entre as principais funções que desempenhou, na transição dos séculos XIX para o XX, destaca-se seu papel como funcionário público no Observatório Imperial Astronômico, como lente substituto da Politécnica do Rio de Janeiro e na construção da Estrada de Ferro Sobral e na Companhia de Melhoramentos Hidráulicos do Maranhão. Além disso, também participou de empreendimentos privados, na construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande e emitindo estudos e pareceres para o Centro Industrial do Brasil,1 instituição formada em 1904 a partir da fusão da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) com o Centro de Fiação e Tecelagem de Algodão, sob a direção de Jorge Luís Gustavo Street (1863-1939).2 Essa longa trajetória profissional pode ser rastreada em algumas passagens do artigo publicado em defesa da construção da carta geral do Brasil.
7Assim, logo após fazer o chamado ao governo federal para executar a autorização dada pela Lei Orçamentária para o ano de 1908, Hostílio passa a criticar as produções cartográficas feitas por diferentes iniciativas, particulares e governamentais. Segundo o engenheiro, os mapas produzidos ou ainda em processo de finalização até aquele período eram, do ponto de vista técnico, “inconfiáveis” e não dariam uma “ideia precisa das condições geográficas do país”. O único trabalho que mereceria algum crédito seria aquele realizado pela Comissão da Carta do Império (1862-1878), empreendimento do qual Fábio Hostílio chegou a participar enquanto era diretor interino do Observatório Imperial, sendo encarregado pela seção responsável por finalizar a produção da Carta Geral, contando com os trabalhos feitos na Carta provisória elaborada para a Exposição Universal da Filadélfia de 1876. Dessa maneira,
Como encarregado da produção da Carta, Moraes Rego prepara um relatório das suas atividades, registrando as críticas feitas por Manoel Pereira Reis e a necessidade de se elaborar uma nova Carta. Esta, iniciada por Pereira Reis, foi completada por Moraes Rego, que utilizou os trabalhos de Mouchez e de W. Chandless, considerados, por ele, como os mais modernos em termos de conhecimento geográfico, ou melhor, posições geográficas sobre o país. (Fadel, 2005: 23)
8Não por acaso, Hostílio teceu elogios à capacidade técnica do almirante Mouchez nos trabalhos de mapeamento realizados na região costeira do Brasil, mesmo que muitos detalhes apresentassem imperfeições e boa parte das áreas identificadas como sendo de melhor precisão se referissem apenas aos locais com maior demanda para a navegação.
- 3 Charles Hartt fez parte da Comissão Geológica do Império (1875-1878) e publicou, em 1870, o livro G (...)
9Nos parágrafos seguintes, o engenheiro buscaria referendar suas críticas ao estado da arte dos trabalhos cartográficos no Brasil a partir de menções ao relatório produzido pelo geólogo estadunidense Charles Hartt (1840-1878)3 quando este chefiava a Comissão Geológica do Império. Havia ali uma crítica ao estado da arte da cartografia no Brasil, notadamente aos trabalhos de levantamento topográfico. Segundo o cientista estadunidense, muitos mapas deste período retratavam “serras que não existem” ou “acidentes geográficos” com baixíssima precisão. Neste sentido, a produção cartográfica brasileira era de tal modo ineficiente que os trabalhos iniciais de reconhecimento do satélite natural da Terra apresentavam produções mais confiáveis, a tal ponto que Hostílio encerrava suas críticas afirmando ser “qualquer mapa da Lua mais exato que a melhor Carta do Brasil”.
- 4 O tino para os bons negócios surgiu para Hostílio quando de sua participação no projeto de construç (...)
10Após a saraivada de críticas às produções cartográficas sobre o território brasileiro até aquele momento, Hostílio passa, nos parágrafos seguintes, a propor processos e métodos que pudessem contribuir com a produção da carta geral do Brasil. Assim, à obsessão pela exatidão e rigor do “homem de ciência” se integra o “homem de negócios”, interessado em resolver da maneira mais pragmática possível os entraves à modernização capitalista do território brasileiro.4
11Grandes obras de infraestrutura como melhoramento de portos, ferrovias e saneamento foram alguns dos trabalhos realizados por Hostílio ao longo de sua carreira. Não por acaso, eram latentes suas preocupações com o planejamento territorial e a modernização capitalista, sendo estes possíveis apenas com a aplicação de rápidos processos de reconhecimento e mapeamento. Assim, o engenheiro sempre foi um ferrenho defensor dos “métodos expeditos”. Nesse sentido,
[...] o levantamento expedito dará uma idéa precisa de todo o território, com os seus principaes accidentes, e podendo servir de guia ao viajante ou geologo, ao immigrante e ao capitalista que desejar empregar o seu dinheiro no desenvolvimento do nosso paiz. Uma carta obtida nas condições assim delineadas, não será uma carta topographica na accepção rigorosa desta palavra, onde os menores detalhes devem ser rigorosamente determinados; será uma carta geographica, cujos resultados já serão bastantes completos para as necessidades do Brazil. (Moraes Rego, 1908: 2)
12O referido artigo chegaria às reuniões ordinárias do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, instituição que se colocava à frente das questões sobre o processo de modernização do território brasileiro e onde, naquele momento, a demanda por produções cartográficas alcançava o topo das pautas da instituição carioca. Apenas quatro dias após a publicação do artigo de Fábio Hostílio, no dia 16 de junho de 1908, o presidente do Clube, André Gustavo Paulo de Frontin (1860-1933), atendeu o pedido de parecer sobre o artigo, insistindo ser aquela “questão da maior importância” para o país. As discussões por esse parecer se arrastariam durante os meses subsequentes em diversas reuniões ordinárias da instituição.
13E foi justamente durante as discussões sobre a necessidade de realização de uma carta geral do Brasil que uma polêmica, então recente, sobre o Mappa Geral da República dos Estados Unidos do Brasil, organizado para ser apresentado durante a Exposição Nacional de 1908, foi reacendida.
- 5 “Coube à Praia Vermelha, a que se prendem tantas e tão belas tradições nacionais, a honra de ser es (...)
14A motivação para a realização de uma Exposição Nacional em 1908 surgiu por uma demanda dos idealizadores e participantes do Congresso de Expansão Econômica, realizado em 1905, além de setores da imprensa carioca, e seria destinado a marcar o centenário da entrada do país no “mundo civilizado”, simbolizado pela abertura dos portos às nações amigas em 1808. Após a aprovação orçamentária do Congresso Nacional, em 1907, a exposição foi organizada e ocorreu entre 15 de junho e 7 de setembro de 1908, tendo seus pavilhões constituídos no bairro da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro5 (Figura 1). Como mostra Margareth Pereira:
Nos seus três meses de abertura, a exposição foi visitada por mais de um milhão de pagantes, muitos deles oriundos de diferentes pontos de um território em grande parte sequer conhecido pelos demais brasileiros. Todos os estados da Federação organizaram pavilhões ou estandes exibindo seus avanços culturais e econômicos em álbuns, fotografias ou catálogos. Além disso, o Governo Federal e a Prefeitura do Distrito Federal também se fizeram representar, construindo importantes pavilhões e mostrando o desenvolvimento de seus serviços públicos. (2010: 7)
Figura 1: Portal de entrada da Exposição Nacional de 1908, no bairro Praia Vermelha da cidade do Rio de Janeiro
Durante três meses, a Exposição Nacional apresentou em seus pavilhões as efemérides dos estados brasileiros.
Fonte: Dunlop (1963: 71)
- 6 “As exposições universais eram uma prática do Ocidente e de ocidentalismo, um encontro entre materi (...)
- 7 “A geografia histórica do capitalismo tem sido absolutamente notável. Povos dotados de total divers (...)
15De certa maneira, essa exposição nacional seguia o mote das Exposições Universais onde, naquele momento da transição do século XIX para o XX, civilização e progresso técnico eram fontes de ideologia e se faziam representar nestas feiras mundiais que reuniam expositores de diversos países dispostos a apresentar as mercadorias produzidas a seus próprios territórios, visando atrair investimentos e até possíveis migrantes.6 Não por acaso, mapas eram essenciais como forma de apresentar as potencialidades das nações presentes nestas exposições. Afinal, naquele momento da geografia histórica do capitalismo, onde uma série de materialidades eram impostas e se espalhavam pela superfície terrestre, de ferrovias a linhas telegráficas, o processo de modernização só se daria a partir de um movimento, por vezes violento e até genocida, de incorporação de grandes áreas nos mais diversos territórios à lógica de produção capitalista.7 E produções cartográficas se tornavam essenciais para auxiliar neste processo.
16Neste contexto, a exposição brasileira deveria contar com a produção de um mapa geral do Brasil, apresentando as efemérides territoriais, as principais vias de comunicação e demais informações importantes à apresentação do país na grande feira nacional de 1908. Foi a partir desta demanda que o MIVOP, na figura do ministro Miguel Calmon Du Pin e Almeida (1879-1935), organizou a produção deste mapa, contando com a colaboração de engenheiros da RGT. E justamente entre dois engenheiros desta instituição ocorreram as polêmicas sobre essa produção cartográfica.
17O engenheiro Jerônymo Baptista Pereira, então desenhista chefe da RGT, esteve presente às reuniões do Clube de Engenharia que faziam a discussão do parecer sobre a necessidade de organização de um mapa geral do Brasil pelo governo federal, a partir da demanda inicial feita pelo artigo de Fábio Hostílio. Assim, em 23 de setembro de 1908, alguns dias depois do encerramento da Exposição Nacional, o engenheiro Baptista Pereira tomaria a palavra na sessão ordinária da instituição carioca e iniciaria suas críticas ao estado da arte da produção cartográfica do país. Segundo ele, desde
a morte de Beaurepaire Rohan, com o ostracismo voluntario e inexplicavel de Pereira Reis e outros geographos de valor, surgiram por toda parte verdadeiros manufactureiros, si me permittem tal expressão, de cartas geographicas, cujo unico fanal era o lucro mercantil, com menosprezo completo da dignidade e do renome da classe a que pertencemos. (Clube de Engenharia, 1913: 180)
- 8 O engenheiro Francisco Bhering (1867-1924), nascido em Uberlândia-MG e formado na Escola Politécnic (...)
- 9 Como relatado pelo próprio Baptista Pereira na reunião do Clube de Engenharia: “Por motivos amplame (...)
18Após essa forte afirmação sobre os “manufatureiros de mapas”, Baptista Pereira iniciava seus ataques ao que considerava uma verdadeira invasão da lógica pragmática típica do mundo dos negócios e que substituía noções de básicas de ciência no que se refere à produção de mapas. Seu alvo principal era o engenheiro Francisco Bhering,8 organizador do Mapa Geral da República dos Estados Unidos do Brasil de 1908. Dessa maneira, a polêmica que em um primeiro momento tinha ficado restrita a alguns jornais cariocas9 no início daquele ano, agora se arrastava para o Clube de Engenharia.
19Ainda naquela reunião da instituição, Baptista Pereira diria que a “metodologia” de Bhering para a construção de cartas geográficas se daria em três passos: não necessitaria de equações; não haveria preocupação com a escolha da projeção e não precisariam apresentar grande precisão, por serem produções destinadas à propaganda (Clube de Engenharia, 1913).
20Para finalizar, o engenheiro ainda diria que durante a elaboração do mapa a cargo da RGT, Francisco Behring teria lhe ordenado que traçasse “os grandes e accidentados rios da região amazonica por uma singela linha que percorresse o eixo dos rios e de não (se) preoccupar com a topographia, “porque esta ficaria ao gosto artistico do desenhista da Carta” (Clube de Engenharia, 1913: 190).
- 10 Em uma nota intitulada “Um funccionario demittido porque cumpriu seu dever”, datada de 12 de julho (...)
21Não por acaso, após utilizar inicialmente os jornais e, mesmo depois do nome de Bhering ter sido omitido do mapa apresentado na Exposição Nacional, ainda insistir em polemizar nas reuniões do Clube de Engenharia, Baptista Pereira acabaria exonerado do seu cargo na RGT por ordens do ministro Calmon du Pin, tendo sido readmitido alguns anos depois após decisão do Supremo Tribunal Federal.10
- 11 Para Antônio Carlos Robert Moraes, essa valorização espacial dos sertões conformava-se em uma ideol (...)
22Para além das relações políticas de Bhering, tendo entre seus principais aliados figuras como Paulo de Frontin, que auxiliariam a assumir a relatoria do Mapa do Brasil ao Milionésimo de 1922 e até a direção da RGT alguns anos mais tarde, a derrota de Baptista Pereira nesta polêmica provavelmente se deveu muito mais à visão que Bhering tinha sobre as relações entre ciência, nação e território. O mapa organizado para a exposição de 1908 mostrava como o reconhecimento e o mapeamento do território brasileiro deveriam se mostrar como um saber técnico útil à gestão estatal e à facilitação dos negócios. Não por acaso, uma olhada no mapa (Figura 2) indica o destaque que foi dado às estatísticas econômicas históricas sobre os produtos que mais eram comercializados desde a abertura dos portos e a comparação do tamanho territorial do Brasil em relação às “grandes potências” da época. Também a representação da rede de comunicações, com a apresentação das linhas telegráficas e ferroviárias construídas, em construção e projetadas, indicando a necessidade de expor um país que tinha por grande projeto o processo de modernização e integração de todo território, principalmente dos chamados “sertões”.11
23Como mostra o próprio Bhering, em artigo publicado um ano antes da produção do referido mapa, fazer a propaganda e mostrar um país cada vez mais interessado na modernização capitalista importava mais do que a obsessão pela precisão topográfica. Segundo ele:
Para attrahirmos correntes de immigração, desenvolvermos emprezas fluveas, de estradas de rodagem, de ferro, culturas, etc., precizamos explorar o nosso solo em suas partes as mais recônditas, assignalando em nossas cartas os immensos chapadões, as florestas sem fim, os núcleos de população, separados frequentemente por dezenas de léguas. [...] Procedendo como estamos indicando, fechar-se-hia em breve o cyclo da geographia heroica – no Brasil e se teria incorporado á economia da República os vastíssimos sertões, os desertos chapadões, as florestas sem fim do nosso oeste, profundamente recortadas por cursos d’agua, que, melhorados, seriam estradas que transportariam as mercadorias das paragens extremas para o Atlantico. (1907: 2)
Figura 2: “Mapa Geral da República dos Estados Unidos do Brasil” - Ministério da Indústria, Viação de Obras Públicas, 1908
Pode-se verificar na porção superior do mapa, logo após o título, a ausência do nome de Francisco Bhering como organizador devido à polêmica com o engenheiro Baptista Pereira. Na parte inferior, constam no canto esquerdo um gráfico comparando a área territorial do Brasil com outros países e ao centro uma tabela com dados de comércio dos estados brasileiros com o mundo em 1808.
Fonte: Arquivo Nacional - Fundo Cartográfico Francisco Bhering (BR RJANRIO F4.0.MAP.74).
- 12 Áreas que nada tinham de “vazias”, sendo este um mote ideológico concebido para facilitar o process (...)
- 13 Essa perspectiva sobre a imaginação espacial brasileira, compartilhada por Bhering e outros persona (...)
24Na concepção de Bhering, o reconhecimento, mapeamento e modernização das áreas consideradas “vazias”12 só se tornariam realidade se ocorressem em conjunto com a expansão das redes de comunicação para essas regiões. Assim, mapas como o da Exposição Nacional de 1908 deveriam apresentar as possibilidades de modernização do território, daí ser mais importante retratar essas lógicas em detrimento da exatidão das representações do relevo ou das bacias hidrográficas. Antagonizar com essas perspectivas sobre território, ciência e nação que eram compartilhadas por figuras importantes do Clube de Engenharia e do Estado brasileiro,13 ajudam a explicar como Baptista Pereira perdeu até seu cargo público ao tentar levar até as últimas consequências suas ideias e concepções sobre a produção cartográfica do País.
25De certa maneira, o mapa de 1908 indica o quanto era importante para os engenheiros manter sob sua responsabilidade as questões técnicas sobre o reconhecimento e mapeamento do território brasileiro. Não por acaso, as polêmicas sobre a produção deste mapa teriam como principal palco o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, que naquele momento colocava como primordial a necessidade de se produzir um mapa geral do País.
- 14 Assim, a própria atuação do Clube de Engenharia fazia parte daquele contexto onde “a criação de um (...)
26Assim, a disputa entre Pereira Baptista e Bhering, indica justamente essa demanda da engenharia nacional e a preocupação evidente em garantir ocupação aos profissionais da área, tendo como prioridade a ampliação do processo de levantamentos geográficos das áreas “vazias” do território, ou seja, aquelas áreas ainda “incógnitas”, “sertões” ainda a ser incorporados à dinâmica econômica da nação.14
27Fica clara a iniciativa para que as atividades geográficas de levantamento territorial, dentre as quais se incluía a cartografia, envolvendo as noções de topografia, astronomia e geodesia, deveriam ser desenvolvidas prioritariamente por engenheiros. E dentro deste campo de atuação, as concepções de território, ciência e nação acabavam muitas vezes se contrapondo e fazendo surgir polêmicas, principalmente nos processos de consecução de mapas.
28Ao fim e ao cabo, vemos neste período uma cada vez maior articulação entre a atuação científica dos profissionais da engenharia com o pragmatismo dos “bons homens de negócios” que a um só tempo defendiam métodos rápidos de reconhecimento e mapeamento do território, garantindo a produção de mapas que pudessem servir aos interesses de ampliação de investimentos e de colonização em direção às áreas ainda a serem incorporadas pelas lógicas capitalistas.