1Na última década o Estado do Rio de Janeiro, foi palco de implantação de vários empreendimentos de orientação desenvolvimentista, de cunho industrial, em várias regiões do território fluminense, que ocorreram em diferentes intensidades e intervenções realizadas a partir de 2006, de significativa amplitude social e ambiental. Essas iniciativas foram fomentadas no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, lançado com a finalidade de expandir a economia nacional pela via estatal estabelecendo um contraponto com as políticas neoliberais adotadas pelos governos anteriores,que elegeram setores privados nacionais e internacionais como atores básicos para liderar o desenvolvimento econômico e social do país.
2Algumas dessas iniciativas foram inseridas na lógica da expansão do setor de petróleo e gás, tais como: Articulação do Pólo Petroquímico com a Refinaria Duque de Caxias (REDUC), Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, Exploração e Produção do Petróleo do Pré-Sal, Polo Siderúrgico em Queimados e o Porto de Sepetiba em Itaguaí. Estes projetos foram em sua maioria implantados na Baixada Fluminense e no Leste Metropolitano, com o pretexto de reforçar uma vocação industrial e logística que historicamente se delineou nestas áreas do estado do Rio de Janeiro.
3Esta historicidade industrial da região da Baixada Fluminense influenciou estes projetos desenvolvimentistas, que apresentaram uma maior ou menor correlação com o COMPERJ (Imagem 1), que, embora instalado em Itaboraí, município externo a Baixada Fluminense, completa o circuito produtivo de petróleo e gás alicerçando a economia e contraditoriamente apontado por setores empresariais como um dos responsáveis pela grave crise econômica e social vivenciada pelo estado.
4Neste contexto, observamos que a comunidade tradicional do Faraó, localizada no município de Cachoeiras de Macacu, situado a 22°27’45” de latitude sul e 42°39’11” de longitude oeste, com área territorial de 956 km², distante 75 km da cidade do Rio de Janeiro, com uma população em 2019, de 60 mil habitantes, com 86% concentrados na área urbana e 14% no campo, constitui-se em uma relevante diferenciação socioespacial na distribuição de sua população em relação aos demais núcleos do Leste Metropolitano, como Itaboraí e São Gonçalo considerados pelos IBGE, como totalmente urbanizados, embora esse processo de urbanização tenha ocorrido de forma acelerada e desordenada estando fortemente concentrado ao longo de rodovias federais e estaduais.
Imagem 1, mapa da Área de influência do direta do COMPERJ.
Fonte: Flávia Almeida Costa Barros, F.A.C. et al, 2011, disponivel em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mapa_comperj.jpg, acessado em 29/04/2019
5O clima é caracterizado como tropical úmido, com amplitude térmica variando entre 13°C e 35°C, não se constituindo em obstáculo para a presença de uma policultura camponesa, formada pelos cultivos de inhame, aipim, abobrinha, abóbora, berinjela, quiabo, milho, jiló, ocupando as várzeas e com a banana predominando nas encostas.
6O município possui 40% de sua área total protegida pelas Unidades de Conservação como o Parque Estadual dos Três Picos, a Estação Ecológica do Paraíso, da Área de Proteção Ambiental do Macacu e ainda pelo Corredor Ecológico Sambê-Santa Fé, cobertas pela Floresta Ombrófila Densa, que se encontra muito fragmentada, caracterizada como mata sempre verde, cujo dossel é de até 50 metros e com árvores emergentes atingindo até 40 metros de altura. Embora o município tenha sido incluído na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, apresenta conexões econômicas, sociais e ambientais com outros municípios da Baixada Fluminense como Guapimirim e Magé, limítrofes e inseridos na área de influência do COMPERJ (Imagem 1).
7Na comunidade, observamos os impactos socioambientais enfrentados pela sua população, localizada no distrito de Japuíba, na Microbacia Hidrográfica do Faraó, no entorno do Parque Ecológico dos Três Picos, fazendo parte da Bacia Hidrográfica do Guapi-Macacu. A Microbacia Hidrográfica do Faraó (Imagens 2, 3 e 4) é caracterizada como contribuinte relevante da Bacia Hidrográfica do Guapi-Macacu, sendo fundamental para o abastecimento de água de importantes centros urbanos fluminenses, como Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, sob a gestão das empresas CEDAE e Águas de Niterói. Está inserida na Bacia da Baía de Guanabara, que apresenta no seu entorno os municípios da Região Metropolitana, Leste Fluminense, Baixada Fluminense e Serrana do estado do Rio de Janeiro.
Imagem 2, Mapa de Bacias hidrográficas dos rios Guapi-Macacu e Caceribu no contexto das bacias hidrográficas contribuintes da baía de Guanabara.
Fonte: (WILKINSON et al, 2012, p.81)
8A comunidade do Faraó é assim chamada por estar localizada ás margens do rio do mesmo nome, que, também é conhecido como rio Batatal, sendo atingida pelo processo de reestruturação espacial promovida pela construção do COMPERJ (Imagem 1), agravada pela paralisação das obras em 2015. Os obstáculos e entraves na construção do referido complexo industrial acabaram inviabilizando uma série de pequenos empreendimentos locais, liberando significativo contingente da força de trabalho utilizada direta e indiretamente nas atividades de apoio ao empreendimento, principalmente nos municípios de Itaboraí e São Gonçalo pertencentes ao Leste Fluminense e inseridos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Imagem 3, Mapa da Bacia Hidrográfica do Guapi Macacu
Fonte: disponível em https://www.oeco.org.br/reportagens/28985-barragem-guapiacu-entre-o-dialogo-e-tratoraco/ acessado em 29/04/2019.
9Assim, descrevemos, conforme Martins (MARTINS, 2016, p.15), sobre a Comunidade do Faraó: “(...) ocupa uma área de 3.150 ha, com aproximadamente 136 famílias, cujas propriedades têm área inferior a 20 ha e apenas duas têm mais que 50 ha.”. Essa população teve o cotidiano alterado e a sua permanência em risco , em função de problemas sociais, econômicos e ambientais. A principal atividade econômica da comunidade é o plantio tradicional da banana, que abastece os mercados da Região Metropolitana, com os agricultores em sua maioria familiares se organizando em uma cooperativa local, denominada Associação dos Lavradores e Amigos do Faraó (ALAF), que possui problemas em relação a comercialização do produto na CEASA/RJ, em função de dificuldades para o perfeito acondicionamento dos frutos nas caixas. E como afirma Cavalin e Monteiro (CAVALIN & MONTEIRO, 2012):
O município vem se mantendo como um dos cinco maiores produtores de banana do estado do Rio de Janeiro, com uma área média colhida de aproximadamente 3 mil hectares/ano nos últimos 20 anos com uma produção média equivalente a 5 mil toneladas/ano. Ainda hoje, a região do Faraó, localizada na microbacia do rio Batatal, no 2° distrito do município, se mantém como uma das principais responsáveis pela produção de banana (Musa spp.) no Estado do Rio de Janeiro. (CAVALIN & MONTEIRO, 2012)
10Constatamos a existência de um grande número de ocupações irregulares na faixa marginal dos cursos fluviais, principalmente no balneário do Baixo Faraó, fazendo com que as margens do rio fiquem ameaçadas pela falta de saneamento básico e pelo desmatamento, prejudicando a fauna e flora, além de comprometer a segurança hídrica regional. Estes eventos prejudicam a economia tradicional e contribuem para a redução da qualidade de vida da população que vive em função do cultivo dos produtos agrícolas locais.
11As ocupações irregulares foram estimuladas pela exploração de atividades ligadas ao turismo predatório realizadas em períodos de verão e em finais de semana de temperatura elevada elas populações que vivem no entorno e em municípios vizinhos, sem nenhum tipo de controle das entidades municipais de meio ambiente ou de planejamento urbano. Este fenômeno espacial é prejudicial à qualidade hídrica do rio Faraó impactando negativamente a médio e longo prazo a economia local dependente da atividade do balneário.
12Concordamos ainda com as observações de Cavalin e Monteiro (CAVALIN & MONTEIRO, 2012), mostrando que o cultivo da banana é realizado principalmente nas encostas íngremes, sem curvas de nível (Imagem 6), situada predominantemente no Alto Faraó, contribuindo para o desmatamento e elevando o risco de deslizamentos e escorregamentos de sedimentos ocasionados por grandes quantidade pluviométricas pontuais, além de contribuir para a perda de biodiversidade, agravada pela caça predatória e comércio ilegal de animais aumentando o número de espécies em extinção e com proliferação de queimadas nos fragmentos florestais e invasão de espécies exóticas de peixes e moluscos nos cursos fluviais originários de países africanos. Ainda, constatamos o uso inadequado de agrotóxicos nos sítios e áreas de propriedades de especuladores imobiliários destinados a construção de haras e expansão de pastagens para equinos e aumento das tensões envolvendo camponeses e funcionários do Parque Estadual dos Três Picos, em relação ao uso da terra na área de amortecimento da unidade de preservação ambiental, observamos, ainda, a extração de areia provocando alterações nos cursos fluviais, verificamos na Imagem 5, uma amostra da perda de comercialização da banana na primeira década do século XXI.
13Um grave problema social que tem consequências na estagnação da economia local é a presença de uma juventude rural ociosa, que engrossa as estatísticas de trabalhadores em condições de desemprego, subemprego ou desalentados com o incremento das taxas de desocupação do setor agrícola. Esta desocupação tem por consequências o incremento do êxodo rural para os núcleos urbanos próximos como as cidades de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro, principalmente da juventude rural ociosa.
Imagem 5, Tabela 1
Fonte: (CAVALIN & MONTEIRO, 2012)
Imagem 6, Foto de área de cultivo da banana sem curvas de nível no Faraó
Fonte: (CAVALIN & MONTEIRO, 2012).
14Observamos, também, a invisibilidade do sobretrabalho feminino, fenômeno típico das comunidades camponesas, proporcionando a redução renda da mulher, em relação ao trabalho masculino, que geralmente se apropria dos produtos mais rentáveis da atividade agrícola, provocando impactos decorrentes da desestruturação do núcleo familiar, na medida em que esse procedimento contribui para o êxodo rural, pois um grande número de mulheres, acreditam que podem encontrar melhores condições de trabalho na cidade, pressionando a família para a saída do campo.
15Nas observações dos trabalhos de campo, constatamos a presença de articulações entre a comunidade tradicional do Faraó e atores envolvidos na construção do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, COMPERJ (Imagem 1), no município fluminense de Itaboraí confirmando as contribuições teóricas de autores como Dollfus, (DOLLFUS, 1972), Santos (SANTOS, 1997), Soja (SOJA ,1993), Lefebvre (LEFEBVRE 1991, 1999) e Bauman (BAUMAN, 1999), que apontaram para a terminalidade ou transformações do segmento em função do avanço da industrialização e da urbanização do campo, retirando o campesinato da terra e transformando-os em proletários rurais ou urbanos, impactando os principais centros urbanos como Itaboraí, Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro e os municípios no entorno como Cachoeiras de Macacu, Maricá, Guapimirim e Magé como também outros municípios distantes como Duque de Caxias e Nova Iguaçu, caracterizando impactos meso regionais. Conforme Lefebvre (LEFEBVRE 1991) revela: “Sem possibilidade de contestação, esse processo [de industrialização] é, há um século e meio, o motor das transformações na sociedade” (LEFEBVRE 1991, p. 11). Em outro trecho o autor também contribui com a discussão:
Nos países industriais, a velha exploração do campo circundante pela cidade, centro de acumulação do capital, cede lugar a formas mais sutis de dominação e de exploração, tornando-se a cidade um centro de decisão e aparentemente de associação. Seja o que for, a cidade em expansão ataca o campo, corrói-o, dissolve-o. (LEFEBVRE, 1991, p.68).
16Assim, fundamentados nas recomendações de Machado (MACHADO, 2013), Cavalin e Monteiro (CAVALIN & MONTEIRO, 2010), Fidalgo (FIDALGO et al, 2008) e Trindade Netto (TRINDADE NETO, 2006) sobre as possibilidades do fortalecimento de comunidades tradicionais elaboramos como objetivos específicos desta pesquisa a realização de ações de fomento e formativas ancoradas em práticas agroecológicas e agroflorestais, biomonitoramento dos recursos hídricos, equidade de gênero, mobilização da juventude rural e expansão do turismo ecológico e comunitário, mitigando a exclusão social e econômica da comunidade tradicional do Faraó.
17A comunidade encontra-se relativamente isolada em relação a outras áreas rurais do município, com o acesso limitado a uma estrada de terra, em precário estado de conservação. O isolamento, embora possa contribuir para a preservação de características identitárias territoriais (HAESBAERT, 2004), reforçando laços de parentela e afetividade, típicos do campesinato e observadas nas relações da comunidade tradicional do Faraó, acarreta dificuldades para o desenvolvimento local, bloqueando o funcionamento do sistema de trocas, responsável pelo intercâmbio, complementaridade e estabelecimento de redes de inovação (SANTOS, 1997), justificando as ações de ampliação e aperfeiçoamento dos canais de comercialização da produção rural local.
18Acrescentamos observações do projeto de pesquisa da EMBRAPA Solos “Macroprograma 6 Construção do Conhecimento para o Desenvolvimento Rural Sustentável: Estudo dos Sistemas de Produção da Comunidade de Faraó, Município de Cachoeiras de Macacu no Estado do Rio de Janeiro” (MARTINS et al, 2016) que esclarece algumas características sociais e econômicas da bananicultura praticada na localidade do Faraó. Neste sentido, destacamos a seguinte contribuição de Martins (MARTINS et al, 2016, pp.17-18) :
O município de Cachoeiras de Macacu, RJ, produz 2.750 t de banana, numa área colhida de 270 ha, com produtividade média de 10,1 kg/ha, superior ao estado (6,2 kg/ha) e próximo à média nacional, que é de 14,5 kg/ha (IBGE, 2014). Na comunidade de Faraó, foram identificados dois padrões característicos de sistemas de produção da banana. O primeiro, que constitui a maior parte das áreas produtivas (90%), é herança de cultivos praticados há 50 anos ou mais. Predominantemente, esse sistema é adotado por produtores com idade de 60 anos ou mais, os quais usam uma escassa mão de obra familiar, recursos restritos, práticas de manejo não especializadas, quase extrativista, sem adubos ou fertilizantes, com pouca ou quase nenhuma tecnologia. Esses produtores preservam o ambiente natural, principalmente nas áreas de encosta e de relevos acidentados. Em alguns casos, mantêm os bananais em sistemas de agrofloresta, muito mais pelas limitações impostas pela influência do Parque ou mesmo por pressão dos órgãos ambientais (MARTINS, 2016, pp 17-18).
19A elaboração da metodologia utilizada na pesquisa foi realizada através de alguns procedimentos elencados para dar maior suporte empírico à nossa pesquisa, estudados detalhadamente através de autores que trouxeram importante contribuição teórica metodológica. Enfatizamos, contudo que a operacionalização destes procedimentos metodológicos é nosso ponto de partida para as incursões no campo de trabalho sem descartarmos possíveis e bem vindas revisões bibliográficas e conclusões imprevistas de acordo com o progresso das investigações.
20Assim, o trabalho de campo exploratório é imprescindível para apurar a atual situação social, ambiental e econômica da população, traçando estratégias conjuntas para resolução de conflitos, vulnerabilidades e potencialidades da comunidade do Faraó. Planejamos que essa atividade seja feita através de entrevistas abertas com os atores envolvidos no recorte territorial delimitado. Nesta etapa empírica, contamos também com observações participantes e abrimos a oportunidade de trabalhar com técnicas de cartografia social, que colaborou para o mapeamento do recorte físico da pesquisa permitindo melhor entendimento da realidade a ser retratada.
21Também observamos o monitoramento dos serviços ecossistêmicos de polinização e de controle biológico realizado em áreas convencionais e no interior do Parque Estadual dos Três Picos, avaliadas através de métodos participativos (MARCONI & LAKATOS, 2008) e acadêmicos com a geração de conhecimento e sensibilização das comunidades. Quanto a contribuição do monitoramento dos serviços ecossistêmicos, trazemos a contribuição de Kosmus (KOSMUS, M. et al, 2015):
Reconhecer a correlação entre serviços ecossistêmicos e objetivos de desenvolvimento pode significar a diferença entre uma estratégia de desenvolvimento bem ou mal sucedida, por conta de consequências não examinadas sobre os serviços ecossistêmicos. Uma melhor capacidade de avaliar, descrever e valorar os benefícios dos serviços ecossistêmicos pode ajudar os tomadores de decisão a compreender como suas ações dependem desses serviços e podem melhorá-los. Além disso, os ajudam a considerar os trade-offs entre as opções, e a escolher políticas que apoiem esses serviços (KOSMUS et al , 2015).
22Utilizamos também a fundamentação empírica e teórica das informações disponíveis e revisão da literatura pertinente analisando autores como Singer (SINGER, 1973) que ressalta as deseconomias de escala decorrentes dos processos de industrialização e urbanização nas áreas metropolitanas; Correia (CORREIA, 1992) que destaca as estratégias espaciais utilizadas pelas grandes corporações industriais; Piquet (PIQUET, 2012) que analisa a dimensão regional da cadeia produtiva de petróleo do estado; Binsztok e Monié (BINSZTOK & MONIÉ, 2012) enfatizando os impactos territoriais e ambientais da implantação do COMPERJ (Imagem 1) e suas repercussões na Região Metropolitana do Rio de Janeiro; Trindade Neto (TRINDADE NETO, 2003) difundindo a experiência de recuperação de áreas degradadas implantadas pela Petrobras, na fazenda Outeirinho, em Carmópolis, estado do Sergipe
23No âmbito global, mencionamos o estudo de Ross e Viegas (ROSS & VIEGAS, 2015), recomendando revisão do conceito de enclave na cadeia produtiva de petróleo, pois, esta configuração espacial pode ser relativizada pelas ações de fortalecimento das redes de fornecedores locais, reduzindo o tradicional isolamento do segmento petrolífero. Trazemos a contribuição de Roos (ROOS, 2013, p.147) que destaca sobre esse isolamento produtivo:
A experiência histórica mostrou que impulso econômico dos recursos naturais, por si só, não garante trajetórias exitosas de desenvolvimento, mas requer esforços sistemáticos no sentido da modernização do setor industrial e de uma melhor inserção no comércio internacional. (...) Pensar que apenas o petróleo resolverá os problemas estruturais da economia brasileira seria aceitar a presença de “maldições” e “doenças” já conhecidas mundialmente. (ROOS, 2013, p.147).
24O incentivo ao desenvolvimento local (SOUZA, 2013) ressalta a construção de laboratórios de autonomia, atuando como suportes experimentais, diluindo os efeitos de um planejamento concebido de cima para baixo e criando desigualdade das apropriações territoriais feitas pelos enclaves, conforme o modelo de desenvolvimento ditado pelos padrões da modernização conservadora, recomendados parcialmente por Mercadante (MERCADANTE, 2010) e adotado pelas iniciativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), onde foi ancorado o COMPERJ (Imagem 1).
25Analisamos as contribuições de Machado (MACHADO, 2013), Cavalin e Monteiro (CAVALIN & MONTEIRO, 2010) e Fidalgo (FIDALGO et al, 2008) que recomendaram a adoção de procedimentos agroecológicos e agroflorestais, como instrumentos de fortalecimento dos agricultores locais, diante do agravamento dos problemas socioambientais enfrentados pela comunidades tradicionais, convivendo com as restrições impostas pela fiscalização ambiental e atingida pela expansão de pastagens dos haras de propriedade de capitalistas urbanos, atraídos pelas perspectivas de valorização da terra na região do COMPERJ.
26O Planejamento Participativo foi discutido com os agricultores, visando elaborar estratégias conjuntas que implementem as ações previstas, referenciadas pelas orientações conceituais das contribuições de Gusmão (GUSMÃO, 2009), Marconi Lakatos (MARCONI & LAKATOS, 2008) e Souza (SOUZA, 2015), que enfatizaram a necessidade de articulação entre o conhecimento científico e o senso comum das práticas sócio-espaciais locais.
27Os resultados foram amplamente divulgados e debatidos em seminários e encontros da comunidade acadêmica e contando com o apoio das organizações parceiras. As contribuições serão encaminhadas às instituições responsáveis pelo aperfeiçoamento das políticas públicas locais e dos municípios do entorno do COMPERJ (Imagem 1), ampliadas pelas redes de intercâmbio, para difusão em instituições e comunidades localizadas na Área de Influência Direta de empreendimentos da Petrobras distribuídos pelo país. Assim, a proposta apresente condições de ser replicada em outras comunidades camponesas localizadas na Baixada Fluminense, no Leste Metropolitano e em áreas influenciadas diretamente pelos empreendimentos da Petrobras, que estejam vivenciando transformações sociais, econômicos e ambientais similares. Os estudos para a difusão das ações foram realizados com a participação das instituições parceiras, representadas pela Universidade Federal Fluminense e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) contando com a contribuição das respectivas redes técnicas científicas destas organizações dotadas de excelente capilaridade no país e no exterior. O longo período de paralisação das obras do COMPERJ e a indefinição sobre o futuro do empreendimento contribuem para a estagnação e decadência das localidades do entorno do COMPERJ na medida em que se fragmentou o conceito de complexo, originalmente adotado para o empreendimento e substituído pela provável implantação de uma refinaria e de uma unidade de beneficiamento do gás natural oriundo das jazidas do pré-sal da Bacia de Santos e transportado por um gasoduto do município de Maricá. Neste sentido, a significativa redução da amplitude geográfica do COMPERJ, abre espaços para uma retomada das práticas camponesas fundamentadas em procedimentos agroecológicos, agroflorestais e de recuperação e preservação de mananciais nas comunidades tradicionais dos municípios localizados no entorno do empreendimento, beneficiadas pela proximidade de grandes mercados consumidores das cidades de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí e, também, pela incapacidade dos novos atores industriais em absorver os grandes contingentes de trabalhadores mobilizados para a construção do COMPERJ, que, em condições de vulnerabilidade social permanecem na periferia do empreendimento, aguardando um hipotético reinício das obras em grande escala.