- 1 Ciente de que o termo cartografia é relativamente recente em relação à atividade de mapeamento, est (...)
1Existe
uma peculiar categoria de objetos cartográficos que podem nos trazer
interessantes reflexões sobre as condições históricas e materiais de
produção dos mapas e do trabalho de campo, assim como sobre as formas de
preservação e uso das fontes documentais para uma história da
cartografia que se interessa por esses aspectos usualmente pouco
investigados. Referimo-nos aos relatórios, esboços e cadernetas de
campo, recursos imprescindíveis ao trabalho sobre o terreno de todo
geógrafo, topógrafo, geodesista, enfim, de todo cartógrafo,1
pelo menos até o advento dos recursos digitais. Ao lado dos
instrumentos técnicos, esses antigos manuscritos dos cálculos e da
observação direta da paisagem constituíam o aparato que permitia ao
cartógrafo decifrar e registrar in loco os dados que, organizados e processados no gabinete, faziam surgir a imagem do território palmilhado.
2Coletivos
ou pessoais, esses produtos eram objetos íntimos do fazer cartográfico
em sua dimensão empírica, porque íntimos da paisagem, de onde saíam
carregados de poeira, e íntimos do cartógrafo, do qual traziam manchas
de suor e gordura. Veículos do trânsito entre o mundo e o mapa, esse
rascunhos, quando transportados para os gabinetes, levavam consigo toda a
experiência da viagem e da pesquisa. Nas mais diversas experiências de
mapeamento, sejam viagens exploratórias de um mundo desconhecido, sejam
expedições sistemáticas de espaços previamente recortados, os produtos
do trabalho de campo – textos, desenhos descritivos, esboços de
roteiros, cálculos geodésicos – eram ferramentas que, em sua maior
parte, desapareciam uma vez processados os dados, sistematizadas as
coordenadas, estabelecidos os cálculos.
3Uma
vez fabricado o mapa, as cadernetas de campo e os relatórios de campo
tornavam-se invisíveis, ou seja, quando não publicados como memórias ou
relatos oficiais, eram descartados ou confinados em arquivos, como
documentos de segunda ordem. Não transitavam entre o mapa e o mundo.
Como vestígios de um processo, o mapeamento, que apagava suas pegadas
sobre o terreno uma vez cristalizado o seu produto, o mapa, pode-se
presumir o quanto a preservação desses documentos desvalorizados é rara.
4Para
ilustrar essas reflexões, pretende-se trabalhar com duas séries de
documentos: as cadernetas de campo da Comissão Construtora de Belo
Horizonte (capital de Minas Gerais, Brasil), datadas de 1893-4, e os
relatórios de campo da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais
(Brasil), datados de 1891-1930.
5Belo
Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, é uma cidade planejada
que foi edificada em fins do século XIX, com o advento da República no
Brasil. Concebida como um espaço urbano representativo da modernidade, a
cidade foi construida em um sítio no qual se implantava um povoado de
origem colonial, o Curral del Rei, que foi totalmente demolido. Antes de
sua desaparição, foi realizado um cadastro sistemático das áreas
urbanas e rurais da povoação, visando o inventário das casas, fazendas e
terras que foram desapropriadas para dar lugar aos novos habitantes,
espaços e usos da cidade planejada.
- 2 Dentre as séries documentais preservadas, destacamos as mais de 500 cadernetas de campo que se enco (...)
6Para
a elaboração desse cadastro, que seguia no encalço das turmas de
geodesistas que implantavam no terreno os marcos físicos da imaginária
rede geodésica, a Comissão Construtora colocou em campo uma ampla equipe
de topógrafos e engenheiros, que em tempo recorde – pouco menos de um
ano – realizaram o levantamento e produziram diversas plantas cadastrais
da localidade. Esse processo conjugado de mapeamento geodésico e
cadastral resultou na produção de centenas de documentos manuscritos,
como as cadernetas de campo, que continham os primeiros registros do
trabalho sobre o terreno, conjugando as operações técnicas (cálculos
geodésicos, trigonométricos, croquis de alinhamento, nivelamento) ao
cadastro geral do povoado e de todo o terreno (traços antrópicos e
naturais, toponímia, cultivos).2
7O
cadastro urbano tinha um aspecto essencial em comum com as práticas de
cadastro mais usuais e tradicionais: inventariar para imprimir valor
venal ou fiscal ao objeto identificado e inventariar para intervir sobre
o espaço. Para o levantamento da planta cadastral do arraial os
engenheiros e condutores percorreram todas as ruas, becos, terrenos e
casas do arraial, fábricas e fazendas das redondezas, inspecionando as
divisões internas das moradias, a qualidade das construções, os usos e
cultivos dos quintais, terrenos e campos.
8Para
composição do valor venal de cada propriedade conjugavam-se variáveis
de localização, tamanho do terreno e da edificação, materiais empregados
e benfeitorias. O cultivo das propriedades ou seu uso comercial eram
sempre assinalados. Como mostram as cadernetas de campo, os topógrafos
seguiam a técnica da irradiação para fazer a trama na qual eram
inseridas as casas e terrenos, mas também desenhavam croquis mais
livres e, em ambos os registros, anotavam, a seu juízo, os elementos que
comporiam a inventário em curso.
Figura 1
Detalhe de uma
caderneta de campo com o levantamento dos lotes e casas, nas quais se
observa o registro da existência de cultivo e pomar com a identificação
de café, marmelos, bananas, pêssegos e jabuticabas. O documento ainda
revela o método de levantamento definido
Museu Histórico Abílio Barreto/MHAB
9As
cadernetas de campo eram o instrumento indispensável do trabalho
topográfico. Nelas eram inscritas, em colunas de papel quadriculado, as
numerações das estacas, as distâncias medidas, os cálculos dos ângulos, o
nível dos instrumentos, azimutes e outros dados; essas colunas eram
paralelas a croquis dos alinhamentos e anotações de toda a sorte de
elementos considerados relevantes para a posterior produção da
representação: nomes de ruas e dos proprietários, plantas baixas das
edificações, indicação de pontes, muros, casas, cercas, becos,
barrancos,benfeitorias etc.
10A
observação dos dados contidos nas cadernetas preservadas permite
recuperar os passos do mapeamento tanto em relação às técnicas
cartográficas utilizadas quanto ao detalhamento da paisagem física e
mais especialmente da paisagem humana mapeada.Uma hierarquização dos
terrenos cultivados, uma atenção à toponímia local, uma identificação de
práticas domésticas como galinheiros, curtumes e fornos: fontes
prímárias para uma história da vida privada, dos regimes de ocupação
urbana, uma micro-história cotidiano a partir desta protocartografia.
Figura 2
Caderneta de campo
n.1, inaugurando os trabalhos de nivelamento para implantação das linhas
de um ramal férreo. Ao lado das colunas com o registro dos dados das
visadas, registravam-se os cálculos e suas posteriores correções. Na
coluna da direita, a localização da estaca recorre aos dados de uma
passagem natural e humana já palmilhada pelo topógrafo: em um tronco seco de cabuí na roça de feijão do Marciano. 1894.
MHAB
11As cadernetas de campo constituíam o inventário realizado ao rés do chão,
o trabalho bruto do topógrafo, antes de toda lapidação do trabalho de
gabinete. Embora tivessem a aparência de um rascunho, com esboços muitas
vezes rasurados e sujos, as cadernetas continham todo o protocolo da
validação de um documento formal, com numeração seriada, títulos, datas,
assinaturas e revisões dos respectivos chefes.
12Como
inscrições imediatas do trabalho de campo, a autoria desses documentos
era a garantia de fidedignidade dos dados que, uma vez processados e
transformados em documentos textuais e visuais, perdiam sua função
primordial. Em determinadas circunstâncias eram preservados - quando do
seu interesse científico para futuras pesquisas, quando da necessidade
de conferência de dados em futuros trabalhos – mas o seu destino usual
era o descarte.
Figura 3
Caderneta de campo
196. Resultado do caminhamento, com disposição dos dados nas colunas e
croquis da região mapeada. Detalhe com figuração e texto descritivos da
vegetação e da ocupação humana às margens do rio. 1894.
MHAB
13No
mesmo contexto de implantação da República no Brasil e afirmação das
identidades regionais formalizadas no pacto federativo, foi criada, em
1890, a Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. Sua misssão
essencial, promover o mapeamento topográfico sistemático do estado, foi
interrompida por um longo período (1898-1920), e retomada na década de
1920, o que não significou mudança siginificativa nas suas práticas de
campo e nos procedimentos técnicos. Neste sentido, seus produtos, sejam
os mapas impressos sejam os documentos oriundos do trabalho de campo,
como croquis e relatórios, guardaram grande homogeneidade e permitem uma
leitura relativamente coesa do conjunto.
14Formada
em sua maior parte por engenheiros, geológos e topógrafos, a Comissão
partiu para sua empreitada gigantesca adotando o método adotado em
paises europeus, o da triangulação expedita. Ao rejeitar qualquer base
ou tradição cartográfica anterior, a Comissão reforçou o entendimento de
que os trabalhos de campo eram a atividade seminal dos mapeamentos
pretendidos.
15A
cada ano, os trabalhos repetiam uma rotina predeterminada e ajustada ao
método de mapeamento topográfico. A atividade em campo cobria os seis
meses da estação seca, entre abril e setembro, e consistia numa
frente de trabalho que avançava com a definição dos vértices, a medição
dos ângulos e a extensão da chamada triangulada, seguida pelos
trabalhos de topografia, os chamados caminhamentos, mais lentos e
detalhados. A rede trigonométrica era tecida pelo conjunto dos técnicos,
pois enquanto os trianguladores determinavam e mediam os triângulos de primeira ordem,
os topógrafos percorriam a mesma região demarcando os triângulos de
segunda e terceira ordem, de forma a gradativamente irem adensando a
malha de linhas imaginárias que, reproduzida nos croquis de campo,
permitia, pelos cálculos matemáticos, a representação da paisagem sobre o
papel.
16Desde
esse primeiro momento do mapeamento, já os técnicos se confrontavam com
escolhas que deveriam ser feitas sobre quais elementos apreendidos
sensorialmente no espaço investigado seriam recortados para compor a
paisagem gráfica em fabricação. Isso porque a determinação dos pontos,
ou vértices, da triangulação era uma escolha dos trianguladores e
topógrafos, que elegiam no terreno aqueles elementos que nela ganhavam
destaque, fossem marcos naturais como picos ou cumes de serras, ou
culturais, como torres de igrejas, cruzeiros ou mesmo fazendas. A
localização dos pontos das trianguladas era fundamental para a posterior
representação do relevo, pois então eram medidas as cotas de altitude.
Figura 4
Esboço do horizonte
visto do sinal de Santa Rita. Um croqui de campo mostra o giro de
observação do topógrafo, que nomeava e hierarquizava os marcos físicos e
culturais da paisagem.
Boletim, 1894
Figura 5
Croquis de uma
caderneta de campo da CGG (1896). Elementos destacados na paisagem para
se configurarem como pontos de visada e de amarração da rede de
triangulação: fazenda, cruzeiro, capela, árvore ou pico rochoso. Uma
eleição que não discriminava a natureza física ou cultural do marco.
Silveira
17Em
sua longa itinerância, os técnicos terminavam por viver acampados por
meses, longe de suas famílias, e seus relatórios técnicos expunham, por
vezes, nas justificativas por atrasos no cumprimento de metas, as muitas
dificuldades experimentadas na procura por um sítio para o acampamento,
na fuga ou morte do animal, nos descaminhos pelas regiões desertas, nos
perigos das epidemias. Tratava-se de um trabalho áspero, admitia o engenheiro-chefe da Comissão, Augusto Lacerda em 1893.
18O
olhar do observador e a medida do instrumento parecem ter sido as duas
principais fontes dos dados obtidos em campo, às quais podemos
acrescentar uma terceira, menos citada nos relatos e por isso mais
difícil de avaliar na sua efetiva importância: as informações colhidas
entre as pessoas do lugar, entre os saberes e as memórias locais.
19O desenho da futura folha do mapa geral começava a ser elaborado ainda no campo, o chamado mapa de campo,
muitas vezes mencionado pelos exploradores. Esse esboço, que trazia
rascunhados os principais elementos observados, era confeccionado à
noite, na barraca, ou em dias especialmente reservados para isso. O
topógrafo Harold Hermeto, em seu relatório de 1923, indicou alguns
desses elementos que constavam
(...) no mapa de campo, por mim
confeccionado na barraca, durante os serviços. Neste mesmo “mapa” se
acham traçados, embora grosseiramente, os limites municipais, conforme
me foram dadas informações pelos presidentes das Câmaras que procurei, e
pelo povo mais entendido do lugar. (Relatório, 1923: 52-56)
20Todos
os frutos das operações de campo, anotadas em inscrições textuais,
medidas e croquis, eram traduzidos, já no escritório, em imagens
codificadas, reduzidas em escala e padronizadas segundo convenções
gerais e escolhas específicas do programa de mapeamento em curso. Com a
publicação, impunha-se a finalização do programa: construir uma
representação autorizada científica e politicamente, fazer desaparecer
da superfície da imagem os traços de sua fabricação, enquadrar o
conteúdo nas convenções da linguagem cartográfica e nos protocolos de
consulta. Com a finalização e a publicação das folhas, processava-se um
divórcio quase definitivo entre o mapa e o mapeamento que o construiu.
Um pouco da intencionalidade, da materialidade e da historicidade dos
mapas permaneceu, entretanto, na produção textual das comissões e de
seus técnicos.
21Uma
modalidade de registro textual produzida pela CGG foram os relatórios
técnicos oficiais, redigidos sistematicamente por todos os técnicos que
realizavam as operações de campo. Os relatórios eram produzidos
anualmente e constituíram a única série de documentos textuais do
programa de mapeamento que teve lastro e continuidade, a despeito da
interrupção dos trabalhos por mais de vinte anos. Mas enquanto nos anos
1890 os relatórios individuais dos técnicos eram condensados nos
relatórios do engenheiro-chefe e todo o conjunto era publicado, nos anos
vinte nenhum dos relatórios chegou a ser publicado.
22A
despeito dessa diferença fundamental no destino das produções da
primeira e da segunda fase, enquanto estrutura formal os relatórios eram
todos muito semelhantes: uma apresentação inicial dos resultados das
campanhas de campo (identificação da região mapeada, quilometragem
percorrida, avanços da triangulação ou dos caminhamentos da topografia,
procedimentos técnicos com os instrumentos), seguida por uma descrição
dos aspectos geográficos e econômicos da região (hidrografia, orografia,
condições urbanas, estradas, indústrias, principais cultivos, pecuária
etc). Essas pequenas corografias regionais constituíam verdadeiros
diagnósticos dos territórios mapeados, apesar de fragmentados e
desiguais, pois variavam substancialmente em função da capacidade de
observação e senso crítico de cada técnico.
23Os
relatórios não eram produtos formalmente acabados, como os artigos e
boletins publicados, pois situavam-se a meio caminho entre a elaboração
de um futuro quadro geográfico do estado e a prestação de
contas, muitas vezes rotineira e burocrática, das atividades exercidas
no cotidiano do trabalho de campo. A historiadora francesa Isabelle
Surun (2003) introduziu a idéia de que a escrita da experiência do
trabalho de campo era como que uma tradução em linguagem científica dos
fatos observados no terreno, procedimento filiado a toda uma tradição de
narrativas de viagens e de explorações de campo que remontavam ao
século XVIII e que considerava o ato de descrição textual dos espaços
como uma parte tão importante da sua configuração como a sua tradução
gráfica, da qual resultava a produção dos mapas.
24Nesse
sentido, guardadas as proporções e escalas, nossos topógrafos e
trianguladores, ao reconstruir seus percursos na escala do terreno e as
modalidades de interação que praticavam com o espaço geográfico e o
elemento humano que o habitava, conferiam à sua experiência de campo e
ao saber ali fabricado uma materialidade e uma subjetividade que a
imagem cartográfica terminava por obscurecer.
25Ásperos,
grosseiros, rústicos, provisórios, inacabados... Os qualificativos
recorrentes que acompanham muitas vezes os documentos aqui tratados
ajudam a entender a fragilidade dos mesmos quando pensamos em sua
preservação ao longo do tempo. Uma vez fabricado o mapa, uma vez
encerrada a operação de mapeamento, a investigação do território ou a
construção de uma cidade, esses documentos tornavam-se residuais,
descartáveis. Sua preservação, uma vez perdido o elo com o mundo,
passava a ser uma probalidade remota.
26Em determinadas áreas do conhecimento, os chamados raw materials of science,
são mais valorizados e consequentemente preservados, como nos arquivos
privados de cientistas e viajantes ou nas grandes coleções de surveys
abrigadas em bibliotecas ou museus de ciências e história natural.3 A valorização desses testemunhos do trabalho de campo é relativamente recente, e acompanhou a emergência da própria noção de terrain (field, campo) na história das ciências, em contraponto ao tradicional paradigma do laboratório ou do gabinete como locus por
excelência da produção científica. Como mostra Surun (2006), o
preconceito com as atividades de campo decorria da ideia de que tais
práticas eram muito híbridas, contaminadas pelo contato direto com o
objeto, impregnadas de cotidiano e de percepção afetiva. Mas são
exatamente essas características que asseguram interesse às ciências do
campo, como apontou Gaëlle Hallair, em estudo sobre os carnets de terrain do geógrafo francês De Martonne,
As
cadernetas de notas e de croquis constituem (...) uma fonte
insubstituível para a compreensão das práticas de campo, sejam elas
individuais ou em grupo. Revelando o primeiro contato com a zona a ser
estudada, as cadernetas reenviam a um momento da pesquisa que se
distingue do momento da restituição dos resultados sobre a forma de
obras e artigos impressos. (Hallair, 2013: 12)
27No
entanto, mesmo quando produzidos coletivamente, esses documentos
originados diretamente do trabalho de campo, possuem uma carga de
subjetividade e de juizo imediato na observação do mundo que os situa
quase sempre na categoria dos documentos privados, submentendo-os a
outra ameaça: a do descarte promovido pelo(s) seu(s) próprio(s)
produtor(es).
28As
trajetórias dos dois acervos aqui apresentados ilustram significamente o
caráter contingencial por vezes aleatório que cerca a preservação ou o
desaparecimento dessas tipologias documentais pouco conhecidas,
utilizadas e valorizadas.
29No caso da Comissão Construtora de Belo Horizonte, o acervo
foi em grande parte preservado por duas razões distintas: de um lado, o
interesse da própria Comissão em construir uma memória e uma propaganda
do grande êxito que foi a construção da capital Belo Horizonte; de
outro lado, como a cidade foi inaugurada ainda em construção, não cessou
a demanda por obras e serviços que passaram a ser promovidos pelo
governo municipal, valendo-se da documentação produzida pela própria
Comissão, embora extinta.
30A
herança da Comissão Construtora, hoje preservada em três instituições
diferentes, mas articuladas em um banco de dados comum, reúne uma rica e
diversificada documentação, entre cadernetas de campo, mapas, plantas,
fotos, publicações, relatórios técnicos, registros administrativos,
jurídicos e contábeis. Devido ao seu grande valor, foi reconhecida como
patrimônio documental da humanidade, integrando o programa Memória do
Mundo, da UNESCO.
31Já
os documentos da Comissão Geográfica e Geológica sofreram um destino
diverso, pois a publicação dos mapas era fator de abandono dos registros
dos trabalhos de campo. Até o início dos anos 2000, quando consultamos a
documentação, uma boa parte dos relatórios manuscritos dos topógrafos e
uma pequena soma de croquis de campo encontravam-se armazenados
precariamente na agência governamental de cartografia do estado. Sua
preservação devia-se exclusivamente ao interesse e sensibilidade pessoal
de um antigo funcionário da instituição, cartógrafo de formação e já
aposentado. Depois disso o órgão sofreu diversas mudanças, inclusive
físicas, e esse acervo encontra-se hoje inacessível, suscitando dúvidas
quanto à sua integridade ou mesmo existência. Sua possível localização e
preservação permanece ainda como um desafio, uma incógnita e uma
esperança.