- 1 Publicado anteriormente em Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Sales nº 14 (núme (...)
1O
sertão não se qualifica, do ponto de vista clássico da geografia, como
um tipo empírico de lugar, isto é, ele não se define por características
intrínsecas de sua composição ou do arranjo de seus elementos numa
paisagem típica. Não são as características do meio natural que lhe
conferem originalidade, como o clima, o relevo, ou as formações
vegetais.
2O
sertão não é, portanto, uma obra da natureza. Não há um espaço
peculiar, cuja naturalidade própria, permita uma tipologização
consistente da localização sertaneja. Se bem que a prevalência de
elementos naturais na composição paisagística apareça, amiúde, como um
atributo associado à sua identificação: o sertão como um lugar onde
predomina o ritmo dado pela dinâmica da natureza, onde o elemento humano
é submetido às forças do mundo natural.
3Muito
menos, o sertão se qualifica pela intervenção das sociedades sobre a
superfície da Terra. Não são as obras decorrentes da ação humana que
individualizam tal espaço, dando-lhe uma qualificação própria pelo uso e
transformação dos lugares. Não são construções específicas (ou o seu
adensamento) que lhe conferem singularidade. Antes, a ausência de tais
elementos é que aparece como fator de distinção em sua delimitação.
Também não são as atividades produtivas ali praticadas que o qualificam,
ou mesmo a marca de tais atividades numa paisagem local. O sertão não
se constitui, portanto, como uma materialidade criada pelos grupos
sociais em suas relações com os lugares terrestres. Ao contrário, a
invisibilidade da presença humana é muitas vezes levantada como um traço
característico desses espaços, não raro definidos como “vazios
demográficos” ou “terras desocupadas” (Machado, 1995). Nesse sentido,
enquanto realidade fáctico-material, a noção de sertão não representa
uma individualidade específica que o identifique como um ente telúrico
dotado de particularidades intrínsecas, não podendo ser estabelecido
como um tipo de meio natural singular nem como uma modalidade própria
de paisagem humanizada. Não se trata de um resultado de processos da
natureza na modelagem de uma porção da superfície terrestre (como um
ecossistema, um bioma, ou um compartimento geomorfológico), e nem do
resultado de processos sociais na criação de um espaço produzido pela
sociedade (como uma plantação, uma vila ou uma cidade). Assim, o sertão
não se habilita como uma figura do universo empírico da geografia
tradicional, apesar de – em grande parte – a história dessa disciplina
revelar como um dos seus objetivos constantes a prática de seu
levantamento e explicação. Descrever os sertões tem sido uma das metas
mais praticadas pelo labor geográfico no Brasil, aparecendo mesmo como
um elemento forte de legitimação desse campo disciplinar em diferentes
conjunturas históricas do país (Moraes, 2002: 95-131).
4Desse
modo, não há possibilidade de realizar uma caracterização geográfica
precisa das localidades sertanejas, pois estas não correspondem a uma
materialidade terrestre individualizável, passível de ser localizada,
delimitada e cartografada no terreno.
5O
sertão não se inscreve como uma empiria, nos moldes dos enfoques
indutivos tradicionais da geografia. Nesse sentido, sua discussão força
um rompimento na relação direta entre conceito e realidade empírica, que
domina as abordagens desse campo disciplinar, onde as conceituações
referem-se a recortes tidos como efetivamente existentes na superfície
da Terra. A idéia de sertão possui, portanto, um status teórico distinto
das noções mais usuais de “habitat”, “ambiente”, “região” ou
“território”, não se confundindo com elas. Enquanto estas teriam por
referência limites e extensões materialmente aferíveis no campo, aquela
recobriria situações telúricas díspares e variadas, não fornecendo
fundamento para divisões objetivas do espaço terrestre. Assim, do ponto
de vista clássico da geografia, pode-se considerar consistente a
afirmação roseana de que “o sertão está em toda parte” (Rosa, 1988).
6Na
verdade, o sertão não é um lugar, mas uma condição atribuída a variados
e diferenciados lugares. Trata-se de um símbolo imposto – em certos
contextos históricos – a determinadas condições locacionais, que acaba
por atuar como um qualificativo local básico no processo de sua
valoração. Enfim, o sertão não é uma materialidade da superfície
terrestre, mas uma realidade simbólica: uma ideologia geográfica.
Trata-se de um discurso valorativo referente ao espaço, que qualifica os
lugares segundo a mentalidade reinante e os interesses vigentes neste
processo. O objeto empírico desta qualificação varia espacialmente,
assim como variam as áreas sobre as quais incide tal denominação. Em
todos os casos, trata-se da construção de uma imagem, à qual se
associam valores culturais geralmente – mas não necessariamente –
negativos, os quais introduzem objetivos práticos de ocupação ou
reocupação dos espaços enfocados. Nesse sentido, a adjetivação sertaneja
expressa uma forma preliminar de apropriação simbólica de um dado
lugar (Moraes, 1988).
- 2 Os propósitos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838, de “levar as luze (...)
7É
possível identificar características comuns presentes nas imagens do
sertão, apesar de sua variedade espacial de aplicação. Tais
características compõem a base do que pode ser definido como o
imaginário do sertão, um conjunto de juízos e valores adaptável a
diferentes discursos e a distintos projetos. O recurso a esse imaginário
para qualificar uma dada localidade já demonstra certa indução quanto
ao uso futuro do espaço abordado, exatamente por mobilizar uma valoração
que traz em si uma crítica à sua situação atual e/ou uma meta para sua
transformação. Definir um lugar como sertão significa, portanto,
projetar sua valorização futura em moldes diferentes dos vigentes no
momento dessa ação. Nesse sentido, pode-se dizer que os lugares
tornam-se sertões ao atraírem o interesse de agentes sociais que visam
estabelecer novas formas de ocupação e exploração daquelas paragens. A
noção pode, então, ser equacionada como elemento de argumentação no
processo de hegemonização de políticas e práticas territoriais do Estado
ou de segmentos da sociedade.2
8Do
aspecto acima comentado decorre um segundo traço geral identificável na
construção do imaginário sertanejo: trata-se de uma valoração
aplicável para novos lugares ou para novas ondas colonizadoras. O sertão
é comumente concebido como um espaço para a expansão, como o objeto de
um movimento expansionista que busca incorporar aquele novo espaço,
assim denominado, a fluxos econômicos ou a uma órbita de poder que lhe
escapa naquele momento. Por isso, tal denominação geralmente é utilizada
na caracterização de áreas de soberania incerta, imprecisa ou
meramente formal. No geral, utiliza-se o termo sertão para qualificar
porções que se quer apropriar dos fundos ainda existentes no território
nacional em cada época considerada. Nesse sentido, trata-se de um
qualificativo que induz um novo processo de domínio territorial sobre os
espaços enfocados, isto é, que introduz um novo surto de dominação
política no âmbito espacial delimitado pela qualificação proposta.
- 3 Ver a respeito o trabalho de Candice Vidal e Souza (1997). A oposição referida já aparece nos croni (...)
9A
relação entre sertão e colonização emerge como evidente numa outra
característica comum presente nas imagens construídas: a designação
sertaneja para ser formulada necessita de um contraponto que lhe
forneça sentido por diferenciação. Isto é, o sertão só pode ser definido
pela oposição a uma situação geográfica que apareça como sua antípoda.
Trata-se, portanto, da construção de uma identidade espacial por
contraposição a uma situação díspare que, pela ausência, lhe qualifica.
Para existir o sertão é necessária a existência de lugares que não sejam
englobados nessa denominação, que apresentem condições que exprimam o
oposto do qualificado por tal noção. Daí ela sempre se apresentar numa
formulação dualista, como parte de uma realidade vista como cindida e
dual, na qual a condição sertaneja ocupa a posição negativa ou
subordinada. A dualidade mais repetida no pensamento social brasileiro
opõe o sertão ao litoral, tomando o primeiro termo como sinônimo de
hinterlândia, cobrindo portanto todo o vasto interior do território
nacional. Nessa visão o contraponto se estabelece com a zona costeira,
tida como o referente negativo (o “outro”) na caracterização da condição
sertaneja.3
10Em
suma, o sertão para ser identificado demanda o levantamento do seu
oposto: o não-sertão, visto como o lugar que possui as características
de positividade ali inexistentes. Vale salientar que é sempre a
partir dessa posição oposta que o sertão é qualificado enquanto tal.
Isto é, o lugar a partir do qual se qualifica uma localidade como um
sertão está sempre localizado no campo contraposto. Nesse sentido,
trata-se de uma imagem construída por um olhar externo, a partir de uma
sensibilidade estrangeira e de interesses exógenos, que atribuem
àquele espaço juízos e valores que legitimam ações para transformá-lo.
Mesmo aquelas concepções que veiculam uma visão positiva desses lugares
vão equacionar tal positividade como um potencial adormecido, cuja
efetivação prática demandaria ações transformadoras da realidade
vigente. É o caso dos intelectuais estado-novistas que ressaltam a
autenticidade e a originalidade presentes na vida sertaneja, as quais
deveriam guiar um novo projeto nacional para o país, que teria por eixo
central a incorporação dessas terras e de suas riquezas (Velloso, 1983;
Diniz Filho, 1994). O sertão é sempre um espaço-alvo de projetos.
11Enfim,
o sertão é qualificado para ser superado, por meio de um exercício onde
a denominação já expressa interesses projetados pelo qualificador
para os lugares abordados. Impor um domínio efetivo ou uma nova
dominação ao espaço em pauta é o objetivo de um processo que tem na
apropriação simbólica um passo inicial. Esta imputa uma imagem que traz
em si uma proposta de transformação das características que a
fundamentam. Ultrapassar a condição sertaneja é a meta implícita dos
discursos que buscam levantar e explicar a sua essência. Por exemplo, a
concepção de que o sertão se caracteriza como uma terra pouco conhecida
ou desconhecida, acompanha-se sempre da proposta de seu conhecimento e
divulgação. É no bôjo de muitas descrições corológicas de lugares
sertanejos que a tese do desconhecimento geográfico como critério
qualificador do sertão ganha corpo. Nesse sentido, por lógica, o
devassamento intelectual do sertão seria o pioneiro passo de sua
superação prática enquanto tal. Conhecer e divulgar um dado espaço
desconhecido iniciaria o processo de sua transformação, seu fim
enquanto sertão.
- 4 Pierre Chaunu (1984) comenta, nesse sentido, que o mundo nunca foi tão grande quanto no século XVI, (...)
12Uma
imagem forte associada a esta qualificação é aquela que aponta para um
lugar isolado e distante. Tais termos, contudo, devem ser avaliados com
cautela, pois só tomam sentido quando inseridos num sistema de
referências que conforme o horizonte geográfico do qualificador, num
quadro onde ganha destaque a questão das escalas. Perto ou longe são
qualificativos multi-escalares, que dependem do estabelecimento de um
referencial de localização e de comparação. A distância é, em muito,
função das condições de transporte, numa relação onde o tempo de
deslocamento emerge como critério de medida.4
Na cultura caiçara do litoral paulista, por exemplo, a noção de sertão
é aplicada aos fundos de vale que avançam no sopé da serra do Mar,
distanciando-se das praias (Silva, 1975). Assim, a idéia do longínquo
ajusta-se à grandeza do espaço de circulação do sujeito ou do grupo
social, sendo portanto uma referência cultural variada. Entretanto, em
todos os casos, a localização sertaneja não se refere a um espaço
imediato de vivência, a um lugar familiar e sempre visitado. Ao
contrário, qualifica localidades tidas como fora dos circuitos
cotidianos de trânsito.
13Este
estranhamento geográfico também está presente na idéia do lugar
isolado. Cabe, de início, sublinhar que todo isolamento é sempre
relativo, posto que sua manifestação absoluta equivale ao
desconhecimento (logo, à impossibilidade de classificação). Não sabemos
da existência de uma localidade absolutamente isolada, sendo a sua
própria “descoberta” um elemento-chave na superação dessa condição. O
espaço de que se tem alguma notícia já está submetido a um isolamento
relativo (ou semi-isolamento). Este varia pelo nível e intensidade dos
contatos efetuados com o “mundo exterior”, isto é, pelo grau e ritmo dos
fluxos externos entabulados. A periodicidade destas relações caminha no
sentido de superação da condição sertaneja, chegando no limite a
situação de integração plena dos espaços considerados, o que os
qualifica como indiferenciados em face aos seus entornos (logo, como
não-sertões). O tópico em tela destaca bem outro ângulo de visão
associado à idéia de sertão: a diferença. Esta incide sobre os lugares, e
também sobre seus habitantes. A diferença é, assim, paisagística mas,
sobretudo, cultural.
- 5 Vale assinalar que tais expedições não buscam escravizar os povos indígenas, mas eliminá-los, como (...)
14O
sertão também é definido como um lugar ocupado por povos diferentes,
exóticos, qualificando-se como a morada dos “outros” (Todorov, 1993 e
1997). É um espaço com habitantes culturalmente ou racialmente distintos
na classificação dos tipos nacionais. Tratam-se nesses discursos de
localidades povoadas por seres identificados como saídos de uma outra
época ou descendentes de uma outra origem que aquela que tipifica a
formação da nacionalidade (Schwarcz, 1993). Não poucas vezes, o sertão
foi estabelecido como o ‘habitat dos selvagens’, a ‘terra de tapuias’,
ou ainda ‘terrenos ocupados pelos indígenas ferozes’ como mencionado no Atlas do Império do Brasil
de Candido Mendes de Almeida, editado em 1868. Vale mencionar que a
associação do termo com as áreas de habitação dos índios remonta já aos
primórdios da colonização, quando as “jornadas do sertão” objetivavam o
apressamento indígena e sua escravização (Monteiro, 1995). Remontam a
tal objetivo denominações como: sertão de Lages, sertão dos Patos,
sertão dos Goitacás, entre tantas outras. Igualmente a cobiça sobre as
terras do gentio animou muitas expedições de extermínio estimuladas
pelo avanço da pecuária no sertão nordestino no século XVII (Moraes,
2000).5
Num outro momento, as populações indígenas – vistas na função de
“muralhas do sertão” – são nacionalizadas numa ótica geopolítica de
defesa das fronteiras do país, postura integrativa que atravessa as
primeiras décadas republicanas, como bem se expressa nos trabalhos da
Comissão Rondon (Farage, 1991; Maciel, 1998). Mesmo quando identificado
como um nacional, o sertanejo é definido como um segmento diferente,
um tipo exótico ou arcaico dotado ou não de alguma positividade
(conforme o discurso considerado). Depositário dos males inerentes à
mistura das raças, para alguns; produto positivo dessa miscigenação
adaptado às condições adversas do meio, para outros; portador dos
valores autênticos do caráter nacional; fruto da degeneração advinda do
isolamento e do abandono; enfim, são múltiplas as faces desse personagem
desenhadas pela intelectualidade brasileira (Lima, 1999). Contudo,
uma acentuada localização não-urbana delimita e unifica o universo
sertanejo, marcado pela ruralidade e pela vida agrária e extrativa. A
“roça”, o “bairro rural”, o habitat disperso, são imagens que se
associam a este mundo estranho à cidade e às atividades citadinas. Um
mundo de fronteira, cada vez mais circunscrito e impelido para áreas
economicamente marginais ou próximas aos limites territoriais do país.
Nesse sentido, o sertão pode ser concebido como um território não
urbanizado, morada do “bugre”, do caboclo, do caipira, do quilombola, do
ribeirinho, do caiçara, enfim – em termos contemporâneos – o habitat
das hoje chamadas “populações tradicionais” (Diegues, 1996).
15Em
suma, a denominação sertaneja – seja qualificando tipos sociais ou
paisagens – recobre as áreas de fronteira da ocupação nacional em cada
conjuntura considerada, nomeando os lugares de povoamento frágil e
transitório como as frentes pioneiras e outros espaços de litígio
patrimonial (Martins, 1998). Tal noção também recobre as zonas de
domínio incompleto, nas quais a ordem estatal não está bem presente ou
consolidada. E ainda incide sobre as áreas economicamente estagnadas ou
decadentes, onde os ciclos produtivos do passado resultam em
assentamentos e instalações abandonadas. Tratam-se de lugares
esquecidos, compostos de cidades mortas e fazendas arruinadas, onde
predominam lavouras de subsistência e atividades de extrativismo
animal e vegetal. Espaços de esquecimento na ótica do padrão
territorial hegemônico, imersos numa vida autárquica, de fluxos
majoritariamente locais.
- 6 A crença numa superação técnica da condição sertaneja é recorrente na intelectualidade brasileira d (...)
16Porém,
como visto, a mera qualificação de uma localidade como sertão já revela
a existência de olhares externos que lhe ambicionam, que ali
identificam espaços a serem conquistados, lugares para a expansão
futura da economia e/ou do domínio político. Transformar estes fundos
territoriais em território usado é uma diretriz que atravessa a formação
histórica do Brasil, alçando-se mesmo à condição de um projeto
estatal-nacional básico do país. No período imperial, os sertões
brasileiros foram definidos como um locus da barbárie, sendo sua apropriação legitimada como uma obra de civilização. Conhecer, conectar, integrar, povoar, ocupar,
são metas que contrapõem a modernidade ao sertão, qualificando-o como o
espaço-alvo de projetos modernizantes, recebendo destaque o
estabelecimento de comunicações, notadamente por meio do telégrafo e de
ligação ferroviária (Hardman, 1988). A ordem republicana se instala com
este objetivo de modernização, que novamente qualifica o sertão como o
locus
do arcaísmo e do atraso. Situação que – na ótica de seus ideólogos –
deveria ser superada com a alocação de sistemas de engenharia e de
objetos técnicos integradores do território.6
17Pode-se
considerar que esta meta e este processo atravessam todo o século XX
brasileiro e, em certo sentido, até hoje o país se vê mergulhado em
movimentos de incorporação de novos espaços. A imagem do “país em
construção” emerge como uma constante histórica, estando presente no
ideário varguista, na plataforma do governo JK e na ideologia da
integração nacional do regime militar. O sertão se repõe, assim, como
uma espécie de pecado original do berço colonial de nossa formação,
sofrendo requalificações a cada época e recebendo atribuições e
qualificações próprias aos interesses em pauta a cada onda de ajustes
dos espaços periféricos. Na atualidade, a perspectiva da globalização
poderia identificá-lo com os lugares não integrados às redes de fluxos
internacionais ou como os depositários do patrimônio natural e da
biodiversidade do planeta (Moraes, 2000b).
18Enfim,
o sertão é uma figura do imaginário da conquista territorial, um
conceito que ao classificar uma localização opera uma apropriação
simbólica do lugar, densa de juízos valorativos que apontam para sua
transformação. Nesse sentido, a designação acompanha-se sempre de um
projeto (povoador, civilizador, modernizador), o qual almeja – no limite
– a superação da condição sertaneja. Trata-se de um espaço a ser
conquistado, submetido, incorporado à economia nacional: uma área de
expansão. Por essa característica, é possível estabelecer paralelos
entre o papel desempenhado pela idéia de sertão na formação brasileira e
o uso similar da noção de “deserto” na história da Argentina (Donghi,
1992). No mesmo plano conceitual, mas mais distante de conteúdo em
função de seu componente democrático (não presente nos conceitos
anteriores), estaria a “fronteira” – tal como analisada por Turner – na
colonização dos Estados Unidos (Oliveira, 2000).
19Tem-se
o sertão como um qualificativo de lugares, um termo da geografia
colonial que reproduz o olhar apropriador dos impérios em expansão. Na
verdade, tratam-se de sertões, que qualificam caatingas, cerrados,
florestas, campos. Um conceito nada ingênuo, veículo de difusão da
modernidade no espaço.