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Dossiê Trajetórias de Geógraf@s 2

Ellen Semple

Aspectos biográfico-intelectuais
Ellen Semple: Biographical-intellectual aspects
Ellen Semple: Aspectos biográficos-intelectuales
Ellen Semple : Aspects biographiques et intellectuels
Fernando José Coscioni

Resumos

Esse artigo visa expor alguns aspectos importantes da trajetória intelectual da geógrafa estadunidense Ellen Semple (1863-1932) e sumarizar suas principais contribuições epistemológicas à disciplina. Na primeira parte são abordados alguns elementos da trajetória da autora com ênfase em sua cronologia bibliográfica, em sua atuação institucional e em seu papel para a consolidação da Antropogeografia nos EUA. Na segunda parte são discutidos os elementos teóricos mais marcantes da sua obra, com destaque para o esforço encarnado em seu trabalho de maior repercussão, “Influences of Geographic Environment” (1911). Na terceira e última parte é oferecida uma discussão sobre o impacto do Darwinismo Social na fundamentação epistemológica e filosófica de seus escritos.

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Introdução

1O objetivo desse artigo é traçar um breve panorama de alguns aspectos biográficos e intelectuais da trajetória da geógrafa Ellen Semple (1863-1932), geógrafa que teve um papel decisivo para o fortalecimento e a institucionalização acadêmica da Antropogeografia nos EUA. Na primeira parte do artigo apresentaremos um sumário cronológico de aspectos importantes da trajetória de Semple, com ênfase em suas publicações mais relevantes e em sua filiação institucional. Na segunda parte será realizada uma apreciação de elementos epistemológicos que marcaram a sua obra, com destaque para os desenvolvimentos teóricos apresentados em Influences of Geographic Environment (1911) e para a discussão da importância desse livro como um marco histórico para o surgimento de um programa de pesquisa antropogeográfico em terras estadunidenses. Na última parte comentaremos brevemente sobre a relação entre as concepções filosóficas presentes na obra da geógrafa e o Darwinismo Social, corrente de pensamento que teve significativa força no campo intelectual anglo-saxônico nas primeiras décadas do século XX.

Trajetória institucional e elementos biobibliográficos

  • 1 Sobre o período crítico de institucionalização disciplinar no caso francês ver Berdoulay (2017 [198 (...)

2A Geografia estadunidense do período entre as décadas do final do século XIX e do início do século XX é marcada pelo atraso em relação aos desenvolvimentos pioneiros que já vinham ocorrendo na França e na Alemanha desde a década de 18701 e pela incipiência institucional que caracterizava a situação da disciplina no país. Até as décadas finais do século XIX, a disciplina era praticada nos EUA por estudiosos isolados, dentre os quais se destacavam Louis Agassiz (1807-1873), Arnold Guyot (1807-1884) e Nathaniel Southgate Shaler (1841-1906). Conjuntamente a esses desenvolvimentos isolados, até as últimas décadas do século XIX, a produção de conhecimento geográfico no país esteve bastante ligada às sociedades geográficas amadoras e à tradição dos field surveys que produziam uma série de informações sobre o oeste estadunidense (Schulten, 2001).

3O impulso que levaria à construção de um campo disciplinar específico nos EUA começou a ganhar força apenas na década de 1880, quando W. M. Davis (1850-1934), um geólogo de formação que foi decisivo para o fortalecimento da disciplina no país, se tornou professor de Geografia Física na Universidade de Harvard, onde o erudito lecionou entre 1885 e 1912 (Martin, 2005: 341). Davis, que havia proposto, na última década do século XIX, uma teoria geral dos processos de formação do relevo conhecida como teoria do “ciclo da erosão”, foi fundamental para que a afirmação da identidade disciplinar da Geografia como ciência das relações homem-ambiente se consolidasse nos EUA (Martin, 2005: 346).

  • 2 É bom lembrar que a existência de cursos de Geografia em algumas dessas instituições, como são os c (...)

4Davis também foi diretamente responsável pela fundação da Association of American Geographers (AAG), em 1904. A criação dessa instituição foi um momento decisivo para a profissionalização disciplinar porque ela marcava uma ruptura com o amadorismo das sociedades geográficas até então existentes. O nascimento da AAG foi acompanhado pelo surgimento, entre os anos de 1899 e 1914, de cursos de Geografia em importantes instituições, como são os casos das universidades de Harvard, da Pennsylvania, de Yale e de Chicago (Martin, 2005: 354).2 O crescimento das preocupações com a Antropogeografia teve, no período das duas primeiras décadas do século XX, papel decisivo para que a disciplina conquistasse condições de autonomia mínima em relação à Geologia. Além da emancipação em relação à Geologia, havia a necessidade de distingui-la, no estudo dos problemas humanos, de outras disciplinas das humanidades. O estudo da influência ambiental sobre o homem operou, nesse período, como um quadro de referência que distinguia a especificidade epistemológica da disciplina em um contexto de crescente divisão do trabalho intelectual nos EUA.

5Esse conjunto de circunstâncias nacionais particulares delineou o contexto em que a obra de Semple surgiu e se consolidou como um esforço pioneiro fundamental para o desenvolvimento acadêmico da Geografia estadunidense. Ellen Churchill Semple nasceu em 1863, durante a Guerra de Secessão (1861-1865), em Louisville, no estado do Kentucky. A geógrafa teve uma origem social elevada que lhe possibilitou acesso precoce à educação formal. Sua primeira experiência intelectual mais significativa ocorreu quando deixou Louisville para estudar no Vassar College, localizado na cidade de Poughkeepsie, em Nova York, onde estudou entre 1878 e 1883. Semple obteve um Bachelor of Arts Degree por essa instituição (Keighren, 2010: 12-13). Posteriormente, a geógrafa retornou a essa instituição para obter um Master Degree em 1891. O período entre o bacharelado e o mestrado, passado por Semple no Kentucky, foi marcado por sua inserção nos círculos intelectuais que existiam em Louisville e pelo início de seu contato mais sistemático com trabalhos de Economia, Sociologia e Geografia.

6Em 1887, alguns anos antes de obter o seu mestrado, a geógrafa viajou para Londres, onde conheceu Duren James Henderson Ward (1851-1942), um doutor recém-formado pela Universidade de Leipzig que lhe recomendou o estudo da obra de Friedrich Ratzel, erudito que então ministrava cursos de Geografia na universidade onde Ward se doutorara. Semple pegou emprestada de Ward uma cópia do primeiro volume da “Antropogeografia” (1882) de Ratzel e, após permanecer seis meses estudando a obra, acabou ficando irreversivelmente influenciada pelas ideias do geógrafo alemão. A dissertação apresentada por Semple no Vassar College tratava da escravidão. Durante esse período do mestrado, Semple manteve correspondência com Ward, na qual falava de temas com forte teor ratzeliano, como a questão da evolução e da influência dos vários tipos de ambientes sobre as sociedades. Assim que terminou o mestrado em 1891, Semple viajou a Leipzig para estudar com Ratzel (Keighren, 2010: 14).

7Os debates que a autora teve com o erudito alemão durante esse primeiro período de um ano e meio na Alemanha foram fundamentais para a articulação posterior de seu pensamento antropogeográfico. Dentre essas discussões, a geógrafa relatou que as reflexões sobre a importância do estilo da escrita nos trabalhos antropogeográficos foram fundamentais, pois Ratzel ressaltava, segundo a autora, que como a disciplina deveria, assim como a História, ter o homem no centro de sua abordagem, sua linguagem também deveria resguardar certo teor literário. Semple concordava com isso e acreditava que esse “charme” trazido pelo uso de uma linguagem mais literária poderia facilitar a difusão da Antropogeografia nos EUA (Keighren, 2010: 15). Após passar esse período na Alemanha entre 1891 e 1892, Semple voltou novamente a Leipzig em 1895 para estudar mais uma vez com Ratzel (Colby, 1933: 232).

8Em 1897, ao retornar aos EUA após seu segundo período de estudos na Alemanha, Semple começaria a publicar seus primeiros trabalhos. Embora seu primeiro artigo date desse ano, a primeira publicação da geógrafa a produzir alguma repercussão foi seu trabalho “The Anglo-Saxons of the Kentucky Mountains”, que apareceu no The Geographical Journal em 1901 (Colby, 1933: 232). Nesse texto, Semple aplica o método antropogeográfico para descrever como se deu o processo histórico de formação de uma população geograficamente e culturalmente isolada nas áreas montanhosas do leste do Kentucky, seu estado de origem (Keighren, 2010: 31-32). A capacidade da autora em demonstrar, nesse artigo, a relevância da influência ambiental como um referencial explicativo para questões culturais e demográficas teve certo impacto em uma situação nacional em que a Antropogeografia apresentava um desenvolvimento ainda bastante incipiente na primeira década do século XX.

9O primeiro livro de Semple, American History and Its Geographic Conditions, foi publicado no ano de 1903. A boa recepção de seu artigo sobre o Kentucky acabou criando uma situação favorável para que a autora escrevesse uma obra buscando considerar a história dos EUA a partir do ponto de vista antropogeográfico. O livro abordou, em grande medida, uma discussão sobre os fatores ambientais que teriam, no entendimento de Semple, condicionado as guerras, as migrações, o desenvolvimento comercial, a localização das cidades, a provisão dos transportes e o comércio exterior dos EUA ao longo de sua história. American History curiosamente foi publicado no mesmo ano em que outro geógrafo, Albert Perry Brigham, publicou um livro tratando do mesmo tema, intitulado Geographic Influences in American History. A despeito da similaridade temática, os autores chegam a conclusões distintas. Semple tomou como base a influência de fatores ambientais individuais sobre o histórico da ocupação dos EUA, enquanto Brigham ofereceu uma abordagem mais regional ao considerar a combinação de fatores geográficos em províncias fisiográficas específicas (Keighren, 2010: 33-34).

10Essa obra fechou o primeiro ciclo da trajetória intelectual de Semple e estabeleceu para a autora um lugar distintivo na nascente Antropogeografia estadunidense. American History desfrutou de ampla aceitação como um texto padrão para cursos de Geografia Histórica dos EUA e alargou bastante a esfera de influência da geógrafa (Colby, 1933: 233). O texto foi lido em vários estados e colocado em listas formais de leituras de Geografia e História de algumas universidades, além de ter sido adotado por bibliotecas da marinha dos EUA (Keighren, 2010: 33-34). A recepção favorável à primeira obra de Semple se seguiu à etapa de sua trajetória que seria dedicada à escrita do principal livro de sua carreira, Influences of Geographic Environment, cuja publicação ocorreria no ano de 1911. Com a morte de Ratzel em 1904, a autora começou a trabalhar na empreitada de elaboração de uma obra que comunicasse os princípios antropogeográficos de seu mentor intelectual para o mundo de língua inglesa. Pouco antes de sua morte, o próprio Ratzel encarregou Semple de difundir as suas ideias no mundo anglófono (Keighren, 2010: 35). A geógrafa entraria, então, em um período de sete anos de trabalho que resultaria na publicação de sua principal obra.

  • 3 Mesmo diante de sua situação como ministrante de uma visiting lecturership, que a diferenciava dos (...)

11Em 1906, Rollin Salisbury, o líder do departamento de Geografia de Chicago, convidou Semple para oferecer uma visiting lecturership em sua universidade (Keighren, 2010: 37). O departamento de Chicago, criado em 1903, teve um papel decisivo para a institucionalização da disciplina nos EUA e foi o primeiro do país a abrigar a Geografia autonomamente. Semple lecionou em anos alternados em Chicago entre 1906 e 1924. A entrada de Semple nessa instituição evidencia a autoridade científica que seu trabalho já tinha na metade da primeira década do século XX.3 O estudo dos aspectos humanos da Geografia, abrigado no departamento de Chicago, teve um papel decisivo para a construção da especificidade epistemológica do campo disciplinar nos EUA em oposição à Geologia. Nesse contexto, o trabalho antropogeográfico de Semple encontrou um terreno fértil para a sua difusão.

  • 4 Semple publicou artigos no Bulletin da American Geographical Society, além de ter participado, ness (...)

12Quando não estava lecionando em Chicago, Semple dividiu seu tempo entre Louisville e as montanhas do estado de Nova York, lugares onde trabalhou na escrita de Influences of Geographic Environment sem interrupção. Entre 1907 e 1910, a geógrafa publicou artigos que evidenciavam já alguns desenvolvimentos parciais que estariam expostos em Influences (Keighren, 2010: 41).4 A publicação de sua obra principal em 1911 rendeu a Semple um crescimento de sua autoridade intelectual tanto dentro quanto fora dos EUA. Em consequência disso, a autora foi convidada para lecionar durante um período no verão de 1912 na Universidade de Oxford. Seu trabalho foi tão bem recebido em terras inglesas que ela acabou sendo convidada a retornar para Oxford para lecionar novamente no verão de 1914 (Colby, 1933: 234).

13Após lecionar pela segunda vez em Oxford, em 1914, Semple retornou aos EUA e trabalhou no Wellesley College durante o ano acadêmico de 1914-15 e na Universidade do Colorado no verão de 1916. Em 1915 apareceu o seu primeiro artigo sobre a região mediterrânea, que seria o tema da sua última grande obra. Desse período em diante, o estudo dessa parte do mundo tomou a maior parte de seu tempo como pesquisadora. Semple havia viajado bastante pela Europa e pesquisado material sobre a região. O livro sobre o Mediterrâneo, que foi publicado em 1931, é o resultado desse terceiro grande período produtivo de sua trajetória. O trabalho acadêmico de Semple foi parcialmente interrompido nos anos em que os EUA estiveram envolvidos na Primeira Guerra Mundial. Entre dezembro de 1917 e o final de 1918 a geógrafa realizou estudos especiais sobre o Mediterrâneo para o Bureau of Inquiry for the Peace Terms Commission. Esses estudos foram realizados na sede da American Geographical Society que ficava, à época, na cidade de Nova York. Seu trabalho em Nova York acabou proporcionando a oportunidade para que lecionasse na Universidade de Columbia durante o verão de 1918 (Colby, 1933: 235).

14Após o fim da guerra, a autora retornou à normalidade de sua pesquisa e escrita e nos anos de 1920, 1922, 1923 e 1924 voltou a dar aulas na Universidade de Chicago. Nesse período, Semple também se tornou professora de Antropogeografia da Universidade de Clark, instituição na qual começou a trabalhar em 1921 e com a qual manteve ligações até a sua morte. Durante os anos que passou lecionando em Clark, a geógrafa desfrutou de grande liberdade de ensino. Após entrar como professora em Clark, Semple ainda lecionou durante um semestre em 1925 na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Em 1931, um ano antes de sua morte, já após sofrer, em 1929, um ataque cardíaco que debilitaria sua saúde significativamente, a autora publicou “Geography of the Mediterranean Region”, sua última grande obra, que resultava de uma pesquisa de mais de uma década (Colby, 1933: 235-237).

Contribuições epistemológicas

15Os dois temas fundamentais que marcaram as contribuições de Semple foram a reflexão sobre o papel que as condições geográficas exerceram no processo de desenvolvimento histórico dos EUA e a formalização de uma discussão epistemológica sobre a especificidade disciplinar. A respeito do primeiro tema, seu importante e longo artigo de 1901, “The Anglo-Saxons of the Kentucky Mountains”, e sua primeira obra de maior fôlego, American History and its Geographic Conditions, de 1903, constituem as contribuições de maior destaque da primeira fase de sua produção intelectual. Em relação ao segundo tema, seguramente, a contribuição mais significativa é “Influences of Geographic Environment”, de 1911, obra que teve grande repercussão em todo o mundo anglófono por ser uma das primeiras tentativas mais longas de sistematização teórica da Antropogeografia nos EUA. Privilegiaremos aqui a análise de algumas posturas epistemológicas e filosóficas presentes nessa obra.

  • 5 O título completo da obra incluindo o subtítulo (Influences of Geographic Environment – On The Basi (...)

16No prefácio de Influences, Semple alega que seu objetivo ao escrever a obra era reafirmar os princípios que estavam enunciados na “Antropogeografia” de Ratzel (Semple, 1911: V). A geógrafa afirma que buscou, com a aprovação do próprio Ratzel, realizar uma reafirmação adaptada de seus princípios para o mundo de língua inglesa, onde eles eram desconhecidos no início do século XX (Semple, 1911: V).5

17A mobilização da autoridade científica da obra de Ratzel para justificar a sua empreitada intelectual aparece já na apresentação do livro. A autora atribui a Ratzel o papel de ter colocado a Antropogeografia no que chama de uma “segura base científica” e argumenta que mesmo que seu mentor intelectual tivesse tido precursores como Montesquieu, Humboldt, Ritter e Peschel, ele foi o primeiro a investigar o tema “do ponto de vista científico moderno” construindo seu sistema “de acordo com os princípios da evolução” e baseando suas conclusões em “induções de abrangência global” (Semple, 1911: V). Semple apresenta a obra reivindicando essa filiação simultânea com Ratzel e com a teoria da evolução. Logo após reivindicar essas duas filiações, a autora enuncia o método de pesquisa que procurou seguir em Influences:

  • 6 Do original: “(...) compare typical peoples of all races and all stages of cultural development, li (...)

(...) comparar povos típicos de todas as raças e de todos os estágios de desenvolvimento cultural que vivem sob condições geográficas similares. Se esses povos de diferentes estoques étnicos, mas de ambientes similares, manifestarem desenvolvimento social, econômico ou histórico similares, é razoável inferir que tais similaridades se devem ao ambiente e não à raça. (Semple, 1911: VII)6

18A pesquisa empírica deve oferecer dados para comparar povos que estão em “estágios” de “desenvolvimento cultural” diferentes, mas que vivem sob “condições geográficas similares”. O objetivo da comparação é clarificar até que ponto o ambiente pode interferir nos processos históricos, econômicos e culturais. A afirmação desse método é seguida pela explicitação, no capítulo que abre a obra, intitulado “The Operation of Geographic Factors in History”, dos pressupostos gerais que fundamentam o seu programa de pesquisa antropogeográfico:

  • 7 Do original: “Man can be no more scientifically studied apart from the ground which he tills, or th (...)

O homem não pode mais ser cientificamente estudado separadamente do solo que ele cultiva, ou das terras pelas quais viaja, ou dos mares pelos quais realiza comércio, da mesma forma que o urso polar ou o cacto do deserto não podem ser entendidos em separado de seu habitat. As relações do homem com o seu ambiente são infinitamente mais numerosas e complexas do que aquelas da planta ou animal mais altamente organizado. Elas são tão complexas que constituem um legítimo e necessário objeto de estudo especial. A investigação que elas receberam na Antropologia, na Etnologia, na Sociologia e na História é fragmentada e parcial (...) todas essas ciências, junto com a História, na medida em que a História busca explicar as causas dos eventos, falharam em encontrar uma solução satisfatória de seus problemas, principalmente porque o fator geográfico que entra nelas não foi detalhadamente analisado. O homem tem estado tão ruidoso sobre a forma pela qual ele tem ‘conquistado a natureza’ e a natureza tem sido tão silenciosa em sua influência persistente sobre o homem, que o fator geográfico na equação do desenvolvimento humano vem sendo negligenciado. (Semple, 1911: 2)7

  • 8 Do original: “In every problem of history there are two main factors, variously stated as heredity (...)

Em todo problema de história existem dois fatores principais, designados de formas variadas como a hereditariedade e o ambiente, o homem e suas condições geográficas, as forças internas da raça e as forças externas do habitat. O elemento geográfico na longa história do desenvolvimento humano tem operado longamente e persistentemente. Aqui reside sua importância. É uma força estável. Nunca se esvai. Esse ambiente natural, essa base física da história, é, para todos os intentos e propósitos, imutável em comparação com o outro fator no problema – o homem; mutável, plástico, progressivo e regressivo. (Semple, 1911: 2)8

19A insuficiência da explicação que as outras disciplinas das humanidades ofereciam a respeito das relações entre o homem e o ambiente é vista por Semple como justificativa para a existência da Antropogeografia. Esse apontamento das insuficiências das disciplinas vizinhas na explicação do objeto reivindicado por uma disciplina ainda em processo de construção é uma estratégia clássica de luta por territórios epistemológicos em contextos de enrijecimento da divisão do trabalho intelectual.

20Quando a geógrafa afirma que em “todo problema de história” existem sempre dois fatores principais, como “a hereditariadade e o ambiente”, “o homem e suas condições geográficas” ou “as forças internas da raça e as forças externas do habitat”, revela claramente a filiação da sua perspectiva antropogeográfica com as concepções evolucionistas, especialmente com toda a problemática da relação organismo-ambiente que esteve no cerne das pesquisas da Biologia do século XIX e início do século XX. A perspectiva evolucionista misturada a uma tradição de pesquisa geográfica que já carregava, desde pelo menos o início do século XIX, a preocupação com o estudo da relação homem-meio, molda todo o programa de pesquisa antropogeográfico da autora nessa obra que é um marco da sistematização disciplinar nos EUA.

21A geógrafa destaca a colocação de um “problema de história” no mesmo momento em que justifica a existência da Antropogeografia como disciplina específica. Isso sugere que a sua preocupação é a elaboração de uma filosofia da história que contemple o papel das “influências” ou dos “fatores” geográficos. Além de desenvolver reflexões teóricas bastante elaboradas sobre as relações entre os grupos humanos e o ambiente, Semple, nessa obra, sistematizou uma terminologia para distinguir quatro classes de influências geográficas (tema do segundo capítulo, intitulado “Classes of Geographic Influences”), propôs uma teoria geográfica do Estado amplamente escorada em pressupostos ratzelianos (abordada no terceiro capítulo, cujo título é “Society and State in Relation to the Land”) e ofereceu uma série de discussões mais específicas sobre povos costeiros e insulares, habitantes de planícies, desertos e estepes, influências de ambientes montanhosos sobre os grupos humanos, relações do homem com as águas, entre outros temas variados nos dezessete capítulos em que se divide o trabalho de mais de 600 páginas.

22A preocupação de explicitação sistemática de uma ciência antropogeográfica que explique as relações sociedade-ambiente e que sirva para a afirmação da importância do elemento ambiental na formulação de uma filosofia da história, que tem em Influences seu produto mais bem acabado, pode ser antecipada, até certo sentido, nos escritos anteriores publicados pela geógrafa. Já em seu artigo de 1901, “The Anglo-Saxons of the Kentucky Mountains”, é possível verificar a existência de traços teórico-metodológicos que seriam exaustivamente trabalhados posteriormente em Influences. Ao explicar, nesse artigo, as especificidades dos habitantes da região montanhosa do Kentucky entre o final do século XIX e o início do século XX, Semple demonstra com clareza o método geográfico de descrição integrada das características antropológicas e naturais que deve, em seu entendimento, ser empregado para explicar a realidade das regiões terrestres.

  • 9 Várias resenhas que exaltavam o mérito e excepcionalidade do esforço monumental realizado por Sempl (...)

23A autora associa o isolamento das populações, a homogeneidade étnica de sua herança anglo-saxônica e o atraso econômico dessa região de seu estado de origem à ausência de rios navegáveis, que impediu o contato com os estados localizados mais a oeste, à barreira montanhosa dos Apalaches a leste, que obstruiu a ligação com o extenso litoral atlântico dos EUA e ao relevo montanhoso da região, que criou dificuldades de circulação interna e isolou suas modestas concentrações populacionais umas das outras (Semple, 1910 [1901]). Nesse período importante de sua trajetória, que vai da publicação de seu artigo de 1901 até o surgimento de sua obra magna em 1911, Semple, além de publicar sua primeira grande obra, American History and its Geographic Conditions, em 1903, publica também alguns artigos com desenvolvimentos parciais que posteriormente virariam capítulos inteiros de Influences. O núcleo fundamental das contribuições epistemológicas da autora e a sua consolidação como uma das figuras de maior peso da nascente Antropogeografia estadunidense são delineados nessa década altamente produtiva.9

O Darwinismo Social como quadro de referência filosófico e epistemológico da obra de Semple

24O esforço intelectual de racionalização teórica da Antropogeografia empreendido por Semple está inserido em um contexto mais amplo do campo intelectual estadunidense marcado por uma forte influência do Darwinismo Social. Essa corrente filosófica e epistemológica exerceu um peso decisivo para que a disciplina pudesse se institucionalizar academicamente nos EUA. A partir da segunda metade do século XIX, a reputação da Geografia como um conhecimento suplementar para as conquistas ultramarinas das grandes potências e como uma agregação sem rigor científico de informações referentes às regiões terrestres passou a ser cada vez mais insuficiente para legitimar seu papel como disciplina universitária (Livingstone, 2008 [1992]: 177).

25A articulação do discurso geográfico com a explicação global fornecida pela teoria da evolução foi, no caso dos EUA, uma das estratégias fundamentais de legitimação intelectual da disciplina em um contexto de enrijecimento da divisão do trabalho intelectual. Quando Semple diz, ao reivindicar sua filiação com a obra de Ratzel, no prefácio de Influences, que o erudito alemão foi o primeiro a investigar o tema “do ponto de vista científico moderno” construindo seu sistema “de acordo com os princípios da evolução” (Semple, 1911: V), está atrelando explicitamente os pressupostos de seu discurso geográfico a essa preocupação com uma filosofia evolucionista de abrangência explicativa global.

  • 10 Dentre os quais é possível destacar figuras como Herbert Spencer, Ernst Haeckel, Cesare Lombroso, J (...)

26O Darwinismo Social pode ser entendido como o conjunto de ideias formado por aqueles autores10 que, entre o final do século XIX e do início do século XX, tentaram compreender a realidade humana através de esquemas de desenvolvimento evolucionário e analogias orgânicas (Hofstadter, 1992 [1955]: 4) não apenas para explicar as propriedades físicas da espécie, mas também a sua existência social e os seus atributos psicológicos (Hawkins, 1998:31).

27O marco fundamental de divulgação das ideias evolucionistas que, posteriormente, seriam desdobradas em sua aplicação para a análise das sociedades humanas provocando o surgimento do Darwinismo Social, é a obra “A Origem das Espécies”, publicada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) em 1859. Darwin construiu, nessa obra, uma teoria que tinha como objetivo explicar como as espécies se transformavam ao longo do tempo. Para isso, propôs a tese de que as variações no funcionamento de qualquer organismo observadas ao longo do tempo eram escolhidas pela natureza em um processo chamado de seleção natural. Essas variações seriam selecionadas se dessem ao organismo uma vantagem sobre outros organismos que poderia ser mensurada pelo seu êxito em sobreviver e reproduzir-se. A seleção natural ocorreria, para Darwin, através de um processo de luta pela existência, termo que o naturalista usa para descrever o sucesso de um indivíduo em sobreviver e deixar descendentes (Hawkins, 1998: 25-26).

28O principal expoente das tentativas de aplicação de ideias evolucionistas para a explicação da vida social nesse período foi o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903). A maior parte de seus trabalhos foi escrita entre as décadas de 1850 e 1900. Spencer propôs uma síntese filosófica que buscava explicar a totalidade do mundo e da sociedade humana a partir do que chamou de “evolução universal”. Esse filósofo acreditava que o processo da vida era essencialmente evolucionário e que incorporaria uma mudança contínua da homogeneidade incoerente, ilustrada por organismos simples como os protozoários, para a heterogeneidade coerente, manifesta no homem e nos animais mais elevados (Hofstadter, 1992 [1955]: 37). Para Spencer, o estímulo à luta pela existência provocado pela pressão populacional sobre os recursos escassos levaria a uma disputa constante entre indivíduos da mesma espécie e de espécies diferentes que geraria modificações e adaptações que produziriam um desenvolvimento progressivo e cumulativo. Aqueles que falhassem em se adaptar estariam, para o filósofo, condenados à extinção (Hawkins,1998:85).

  • 11 Tal como definida por Hobsbawn (2010 [1988]) em sua caracterização do período que vai de 1875 a 191 (...)

29Essas teses darwinistas sociais spencerianas desfrutaram de um quadro de recepção bastante favorável nos EUA nas décadas entre o final da Guerra de Secessão (1861-1865) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), período que coincide, justamente, com a institucionalização acadêmica da Geografia no país e com o surgimento dos principais trabalhos de Semple. A emergência dos EUA como potência com projeção geopolítica global durante a Era dos Impérios,11 somada à necessidade de legitimar o status quo político a nível doméstico e ao processo de expansão da concorrência capitalista no país, que esteve frequentemente associado à ideologia do laissez-faire, favoreceu a instrumentalização conservadora de jargões darwinistas como a “luta pela existência” e a “sobrevivência dos mais aptos” para a justificação da existência da ordem social que então se consolidava em terras estadunidenses.

30Os pressupostos epistemológicos que fundamentam o esforço intelectual de Semple são diretamente derivados do Darwinismo Social. Isso é evidenciado por passagens, presentes tanto em Influences como em seus artigos, que deixam as suas posturas teóricas explícitas:

  • 12 Do original: “(…) complex geographic influences cannot be analyzed and their strength estimated exc (...)

(...) influências geográficas complexas não podem ser analisadas, nem sua força ser estimada, exceto pelo ponto de vista da evolução. Essa é uma das razões pelas quais esses princípios geográficos crus ficam pesados em nossa digestão mental. Eles foram formulados sem referência ao fato bastante importante de que as relações geográficas do homem, como a sua organização política e social, estão sujeitas à lei do desenvolvimento. Assim como o Estado embrionário encontrado na tribo saxônica primitiva passou por muitas fases para atingir o caráter político do atual Império Britânico, cada estágio nesse crescimento para a maturação foi acompanhado, ou mesmo precedido, por uma estável evolução das relações geográficas do povo inglês. (Semple, 1911: 12)12

  • 13 Do original: “It is a law of biology that an isolation environment operates for the preservation of (...)

É uma lei da biologia o fato de que um ambiente de isolamento provoque a preservação de um tipo pela exclusão de toda a mistura que poderia eliminar características distintivas. Nessas comunidades isoladas (do Kentucky) nós encontramos, portanto, o estoque anglo-saxônico mais puro em todos os EUA. (Semple, 1910 [1901]: 566)13

31Na primeira passagem, extraída de Influences, a geógrafa defende que o problema das influências geográficas somente pode ser analisado pelo ponto de vista evolucionista e defende que as relações geográficas, assim como a organização social e política dos grupos humanos, estão sujeitas ao que chama de “lei do desenvolvimento”. Essa “lei” consiste na ideia spenceriana de que as sociedades humanas se desenvolvem, progressivamente, da homogeneidade incoerente para a heterogeneidade coerente. O filósofo inglês acredita que as sociedades, assim como os organismos biológicos, são incialmente simples em suas estruturas a ponto de serem consideradas sem estruturas, e que, gradualmente, no curso de seu crescimento, ganham uma complexidade estrutural cada vez maior aumentando assim a dependência mútua das suas partes constitutivas (Spencer, 1996 [1860]: 272). Quando Semple sugere que o discurso geográfico deve ser fundamentar na “lei do desenvolvimento” está replicando claramente esse raciocínio spenceriano evolucionista e progressivista. O Império Britânico do início do século XX é visto como uma espécie de progressão evolutiva “natural” do Estado embrionário encontrado nas tribos saxônicas primitivas.

32Em relação à segunda citação, a geógrafa demonstra acreditar que, o isolamento das populações do Kentucky, estudado em seu clássico artigo de 1901, é uma consequência direta da operação de uma lei biológica, que teria, em seu entendimento, preservado a homogeneidade étnica dos grupos que viviam em seu estado de origem. Nas duas citações o recurso a analogias organicistas e a mecanismos cumulativos e progressivos de desenvolvimento, característica típica do Darwinismo Social, é empregado como forma de organizar epistemologicamente o discurso geográfico que procura explicar o papel das influências ambientais no destino dos grupos humanos e no condicionamento de seus elementos socioculturais.

  • 14 Devemos o apontamento sobre o peso dessas concepções teóricas a Stoddart (1966) que, em um importan (...)

33As posturas epistemológicas de Semple espelham claramente o peso das concepções darwinistas sociais associadas à ideia de que um movimento evolutivo e progressivo determinaria as mudanças ocorridas na sociedade humana, à problemática da relação organismo-ambiente, que marcou a Biologia da segunda metade do século XIX e ao léxico da “luta” e da “seleção” na Geografia do período.14 O êxito da autora em se colocar como uma figura-chave para a institucionalização da disciplina nos EUA no período das primeiras décadas do século XX decorreu, em parte, da internalização das ideias darwinistas sociais que marcou sua obra. O contato com o Darwinismo Social no período em questão foi fundamental para os desenvolvimentos teóricos da disciplina e para que ela obtivesse um sistema explicativo que contribuiu para superar, ao menos parcialmente, a sua reputação de saber puramente descritivo, legitimando assim a sua presença na universidade.

Bibliografia Fundamental de Ellen Semple

34Dentre as obras mais importantes de Semple, certamente Influences of Geographic Environment (1911), seu trabalho de maior repercussão, é o grande destaque. Vale destacar também o seu livro American History and its Geographic Conditions (1903) e o artigo “The Anglo-Saxons of de Kentucky Mountains”, que foi publicado pela primeira vez no The Geographical Journal em 1901 e posteriormente republicado no Bulletin da American Geographical Society em 1910. Bibliografias que tratam da trajetória e da recepção da obra de Semple são bastante escassas. As duas indicações mais ricas são, em nosso entendimento, o artigo publicado por Charles Colby nos Annals da AAG em 1933, alguns meses após a morte da geógrafa, que reconstitui certos elementos de sua trajetória e o livro Bringing Geography to Book – Ellen Semple and the Reception of Geographical Knowledge, que é um meticuloso e recente estudo de Innes Keighren, atualmente professor da Royal Holloway University of London, publicado em 2010. Nessa obra Keighren faz uma análise rigorosa, à luz dos referenciais teóricos da história do livro, da recepção de Influences of Geographic Environment e da reputação que a obra desfrutou nos anos seguintes à sua publicação.

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Bibliografia

Berdoulay, Vincent (2017 [1981]). A Escola Francesa de Geografia – Uma Abordagem Contextual. São Paulo, Perspectiva.

Capel, Horacio (2012 [1981]). Filosofía y Ciencia en la Geografía Contemporánea. Barcelona: Ediciones del Serbal.

Chisholm, George (1912). “Review: Miss Semple on the Influences of Geographic”. Environmment. The Geographical Journal, v. 39, n. 1, pp. 31-37.

Colby, Charles (1933). “Ellen Churchill Semple”. Annals of the Association of American Geographers, v. 23, n. 4, pp. 229-240.

Fleure, Herbert John (1913). “The Influences of Geographic Environment. A Review of Miss Semple Work”. The Geographical Teacher, v. 7, n. 1, pp. 65-68.

Hobsbawn, Eric (2010 [1988]). Era dos Impérios (1875-1914). São Paulo: Paz e Terra.

Hofstadter, Richard (1992 [1955]). Social Darwinism in American Thought. Boston: Beacon Press.

Hawkins, Mike (1998). Social Darwinism in European and American Thought (1860-1945) – Nature as a Model and Nature as a Threat. Cambridge: Cambridge University Press.

Keighren, Innes (2010). Bringing Geography to Book – Ellen Semple and the Reception of Geographical Knowledge. London/New York: J. B. Tauris.

Libby, Orin (1912). “Review of Influences of Geographic Environment, on the Basis Of Ratzel’s System of Anthropo-geography”. The American Historical Review, v. 17, n. 2, pp. 355-357.

Livingstone, David (2008[1992]). The Geographical Tradition. Malden/Oxford: Blackwell Publishing.

Martin, Geoffrey (2005). All Possible Worlds – A History of Geographical Ideas. New York/Oxford: Oxford University Press.

Pattison, William (1981). “Rollin Salisbury and the Establishment of Geography at the University of Chicago”. In: Blouet, Brian (ed.) Origins of Academic Geography in the United States. Hamden: Archon Book, pp. 151-163.

Schulten, Susan (2001). The Geographical Imagination in America (1880-1950). Chicago: University of Chicago Press.

Semple, Ellen (1903). American History and its Geographic Conditions. Boston: Houghton, Mifflin and Company.

Semple, Ellen (1910 [1901]). “The Anglo-Saxons of the Kentucky Mountains – A Study in Anthropogeography”. Bulletin of the American Geographical Society, v. 42, n. 8, pp. 561-594.

Semple, Ellen (1911). Influences of Geographic Environment – On the Basis of Ratzel’s System of Anthropo-Geography. New York: Henry Holt and Company; London: Constable & Company Ltd.

Spencer, Herbert (1996 [1891]). The Social Organism. In: Spencer, Herbert. Essays: Scientific, Political and Speculative – Volume 1. London: Routledge/Thoemes Press.

Stoddart, David (1966). “Darwin’s Impact on Geography”. Annals of the Association of American Geographers, v. 56, n. 4, pp. 683-698.

Whitbeck, Ray (1911). “Review of Influences of Geographic Environment by Ellen Semple”. Bulletin of the American Geographical Society, v. 43, n. 12, pp. 937-939.

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Notas

1 Sobre o período crítico de institucionalização disciplinar no caso francês ver Berdoulay (2017 [1981]); sobre o caso alemão ver o capítulo 3 de Capel (2012 [1981]).

2 É bom lembrar que a existência de cursos de Geografia em algumas dessas instituições, como são os casos de Harvard e Yale, não implicava, necessariamente, na existência de departamentos separados com graduações e doutorados específicos dedicados à disciplina. O primeiro caso de instituição a oferecer cursos de graduação e doutorado em um departamento específico de Geografia foi o da Universidade de Chicago, que criou seu departamento no ano de 1903, que seria encabeçado por Rollin Salisbury (1858-1922). Esse pesquisador, assim como Davis, era um geólogo de formação. A respeito do caso de Chicago ver Pattison (1981). Todos esses dados evidenciam o patamar de fragilidade institucional que marcava a situação da disciplina nos EUA nas primeiras décadas do século XX.

3 Mesmo diante de sua situação como ministrante de uma visiting lecturership, que a diferenciava dos professores do quadro regular, o fato de ingressar no staff de Chicago logo após ter publicado apenas uma grande obra evidencia claramente a recepção favorável imediata que o trabalho de Semple teve nos EUA.

4 Semple publicou artigos no Bulletin da American Geographical Society, além de ter participado, nesse período, de discussões em encontros na Association of American Geographers, na American Historical Association e na Ohio Valley Historical Association. Isso evidencia a circulação interdisciplinar de seu trabalho, com especial ênfase para as discussões com historiadores.

5 O título completo da obra incluindo o subtítulo (Influences of Geographic Environment – On The Basis of Ratzel’s System of Anthropo-Geography) evidencia claramente essa intenção.

6 Do original: “(...) compare typical peoples of all races and all stages of cultural development, living under similar geographic conditions. If these peoples of different ethnic stocks but similar environments manifested similar or related social, economic or historical development, it was reasonable to infer that such similarities were due to environment and not to race.”

7 Do original: “Man can be no more scientifically studied apart from the ground which he tills, or the lands over which he trades, than polar bear or desert cactus can be understood apart from its habitat. Man’s relations to his environment are infinitely more numerous and complex than those of the most highly organized plant or animal. So complex are they that they constitute a legitimate and necessary object of special study. The investigation which they receive in anthropology, ethnology, sociology is piecemeal and partial (…) all these sciences, together with history so far as history undertakes to explain the causes of events, fail to reach a satisfactory solution of their problems largely because the geographic factor which enters into them all has not been thoroughly analyzed. Man has been so noisy about the way he has ‘conquered Nature’, and Nature has been so silent in her persistent influence over man, that the geographic factor in the equation of human development has been overlooked”.

8 Do original: “In every problem of history there are two main factors, variously stated as heredity and environment, man and his geographic conditions, the internal forces of race and the external forces of habitat. Now the geographic element in the long history of human development has been operating strongly and operating persistently. Herein lies its importance. It is a stable force. It never sleeps. This natural environment, this physical basis of history, is for all intents and purposes immutable in comparison with the other factor in the problem – shifting, plastic, progressive, retrogressive man”.

9 Várias resenhas que exaltavam o mérito e excepcionalidade do esforço monumental realizado por Semple em Influences foram publicadas entre 1911 e 1913. Dentre os destaques, estão as de Ray Whitbeck, então professor da Universidade de Wisconsin, no Bulletin da American Geographical Society; do historiador Orin Libby, que lecionava na Universidade da Dakota do Norte e escreveu uma resenha positiva da obra de Semple na American Historical Review; de George Chisholm, no The Geographical Journal, autor que foi um dos pioneiros da Geografia comercial no Reino Unido e que lecionava na Universidade de Ebimburgo na Escócia e de Henry John Fleure na revista The Geographical Teacher, que era um pesquisador com interesses intelectuais ligados à Geografia que lecionava no País de Gales.

10 Dentre os quais é possível destacar figuras como Herbert Spencer, Ernst Haeckel, Cesare Lombroso, John Fiske, William Graham Sunmer, entre outros.

11 Tal como definida por Hobsbawn (2010 [1988]) em sua caracterização do período que vai de 1875 a 1914.

12 Do original: “(…) complex geographic influences cannot be analyzed and their strength estimated except from the standpoint of evolution. That is one reason these half-baked geographic principles rest heavy on our mental digestion. They have been formulated without reference to the all-important fact that the geographical relations of man, like his social and political organization, are subject to the law of development. Just as the embryo state found in the primitive Saxon tribe has passed through many phases in attaining the political character of the present British Empire, so every stage in this maturing growth has been accompanied or even preceded by a steady evolution of the geographical relations of the English people”.

13 Do original: “It is a law of biology that an isolation environment operates for the preservation of a type by excluding all intermixture which would obliterate distinguishing characteristics. In those isolated communities, therefore, we find the purest Anglo-Saxon stock in all the United States”.

14 Devemos o apontamento sobre o peso dessas concepções teóricas a Stoddart (1966) que, em um importante texto sobre o impacto das ideias darwinistas na Geografia, as colocou entre as principais posturas epistemológicas que chegaram à disciplina através da influência da Biologia evolucionista.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Fernando José Coscioni, « Ellen Semple », Terra Brasilis (Nova Série) [Online], 10 | 2018, posto online no dia 26 dezembro 2018, consultado o 28 junho 2020. URL : http://journals.openedition.org/terrabrasilis/2802 ; DOI : https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.2802

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Autor

Fernando José Coscioni

Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil, e bolsista de doutorado regular pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP [processo 2016/18128-1]). A bolsa é produto de um convênio entre a FAPESP e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).

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