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Dossiê: Mapas e mapeamentos: conhecer, apresentar e agir

“Observações que merecem a maior confiança”

Apontamentos sobre usos e produção de mapas em viagens e estações navais da Marinha francesa (1815–1840)
“The most trustworthy observations”: Remarks on uses of charts and map making in French Navy expeditions and naval stations (1815-1840)
“Des observations qui méritent la plus grande confiance”: Considérations sur l’usage et production de cartes dans les expéditions et stations navales de la Marine française (1815- 1840)
"Observaciones que merecen la mayor confianza": apuntes sobre usos y producción de mapas en viajes y estaciones navales de la Marina francesa (1815-1840)
Daniel Dutra Coelho Braga

Resumos

O artigo analisa a coleta, os usos e a produção de mapas pela Marinha francesa em função de expedições e estações navais organizadas durante o regime monárquico parlamentar. Ressalta-se o uso de mapas junto a relatos de viagens e publicações de cunho astronômico, bem como os circuitos editoriais posteriores às viagens, com ênfase nas experiências e produções referentes ao litoral brasileiro.

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Introdução

  • 1 Antes de ser chefe do Estado-maior da estação do Brasil, Fortuné Le Prédour realizara duas campanha (...)
  • 2 As traduções referentes a documentos e obras originalmente em francês são traduções livres realizad (...)

1Em janeiro de 1835, o capitão de corveta Fortuné Le Prédour (1793-1866)1 seguia à disposição da Marinha de seu país, porém longe de sua pátria. Ancorado na baía do Rio de Janeiro, o oficial avaliava os subordinados à sua disposição na embarcação Hermione, que compunha a estação naval francesa “do Brasil e dos mares do Sul”. Em observações acerca dos alunos na fragata, Le Prédour registrou as virtudes de jovens de diferentes patentes, o que seria decisivo para a progressão de cada um. O aluno de primeira classe Alfred de Lambilly, por exemplo, destacava-se por possuir “sobretudo a vantagem preciosa de se exprimir perfeitamente em inglês”, o que era importante para uma Marinha francesa que precisava enfrentar sua rival britânica em arenas comerciais. Porém, houve destaque em outros aspectos. Além daqueles que se sobressaíram pelo “gosto do trabalho” e por uma “boa conduta”, houve aqueles como Jean Ranson, aluno de segunda classe e que, segundo Le Prédour, destacava-se por sua “inteligência muito ampla” e por ter se ocupado “com sucesso de observações astronômicas” (Le Prédour, 1835).2

  • 3 Ange-René de Mackau também atuara em negociações com as repúblicas independentes da América e com o (...)

2Os critérios empregados por Le Prédour não foram diferentes dos utilizados alguns meses antes pelo contra-almirante Barão de Mackau (1788-1855),3 também em outro cenário atlântico. Em abril de 1834, foi avaliado o estado-maior da fragata Atalante, embarcação que então fazia parte da estação naval nas Antilhas. Também nessa estação, práticas científicas foram fundamentais para a progressão de alunos (Mackau, 1834).

  • 4 As estações navais variavam entre si em termos de funcionamento e composição, mas uma tipologia ger (...)
  • 5 Diversos estudos se referem ao fim do governo napoleônico como baliza para periodizar uma nova fase (...)
  • 6 Várias foram as expedições de volta ao mundo concebidas pela Marinha francesa no período da monarqu (...)
  • 7 O tema das estações navais está presente em diversos estudos dedicados a transformações da Marinha, (...)
  • 8 A preponderância do Pacífico em diretrizes francesas é tese demonstrada com maestria em trabalhos d (...)
  • 9 Faço aqui menção à noção de circulação de conhecimento tal como proposta por Kapil Raj, em diferenc (...)

3Esses vestígios da comunicação entre oficiais da Marinha francesa demonstram em que medida as estações navais francesas4 foram locais de práticas científicas. Os quadros que compunham essas estações não estavam comprometidos apenas com a vigilância de fluxos comerciais e decisões políticas, mas também faziam uso do deslocamento em mar para se dedicar às disciplinas que caracterizavam a “ciência náutica”, como a astronomia e a cartografia. O quadro de novas possibilidades que se apresentava à Marinha de então, por sua vez, se por um lado implicava tensões dentro da própria França, por outro lado permitiu um novo campo de experiências para os quadros dessa instituição. O restabelecimento de um regime monárquico na França, após a queda de Napoleão,5 permitiu a rearticulação de uma tradição de viagens de circum-navegação,6 assim como a implementação de estações navais em diversos pontos do planeta.7 Desse modo, tanto no Oceano Pacífico como no Atlântico,8 viajantes da Marinha francesa articularam essa ciência náutica. Contudo, como se deu tal prática? Para além de uma mera “transmissão” ou “aplicação”, teria ela configurado um campo efetivo de circulação e transformação de conhecimento?9

  • 10 O verbo “articular” é aqui utilizado como apropriação parcial das formulações de Thomas Kuhn, no se (...)
  • 11 Segundo Hélène Blais, o termo “hidrografia” era “muito presente nos discursos dos viajantes, sem se (...)

4Tendo esse quadro em vista, o objetivo desse artigo é analisar como esses deslocamentos da Marinha francesa, tanto por intermédio de estações navais como por meio de expedições científicas, articularam10 e produziram conhecimento mediante mapas e publicações de cunho cartográfico, hidrográfico11 e astronômico. Para tanto, o artigo se divide em três seções. Primeiramente, analisa-se o lugar de mapas e publicações correlatas na organização de viagens e estações navais. Em seguida, examinam-se indicações referentes a usos de mapas e publicações de cunho astronômico durante os deslocamentos marítimos e escalas em terra. Finalmente, analisam-se as referências à produção de novos mapas, ou de dados cartográficos e hidrográficos que, posteriormente, puderam ser articulados em âmbito externo ao das estações e viagens.

Antes do embarque: mapas na organização de viagens e estações navais

  • 12 Tensões em relação ao Muséum d’Histoire Naturelle se deram principalmente no tocante à formação dos (...)
  • 13 Segundo Crosland, o Bureau des Longitudes teria funcionado como uma instituição de “abordagem mais (...)
  • 14 Segundo Hélène Blais, o Dépôt, fundado em 1720, era uma “instituição especializada, dependente da a (...)
  • 15 Étienne Taillemite recuperou essa citação de Missiessy no intuito de defender a hipótese segundo a (...)

5Embora cientificamente ambiciosa à época da Restauração da monarquia, a Marinha francesa não era tão autônoma como desejaria ser. Os manuscritos referentes à organização de suas expedições são vestígios da dependência da Marinha francesa, em relação tanto a demais instituições do campo científico francês — dentre as quais o Muséum d’Histoire Naturelle,12 a Academie Royale des Sciences e o Bureau de Longitudes13 — como a um mercado de instrumentos, publicações e suprimentos essenciais às embarcações. Mapas não constariam como exceção da lista de necessidades. Apesar da existência do Dépôt des Cartes, Plans, Chartes et Archives da Marinha,14 a necessidade de obtê-los mobilizava tanto esforços interinstitucionais como individuais: é sintomático, nesse sentido, que em 1824 o almirante Edouard de Missiessy (1756-1837) tenha se pronunciado perante o Conselho de almirantes defendendo o ponto de vista segundo o qual, para ingressar na Marinha, um indivíduo deveria possuir, além de uma “instrução especial”, “fortuna suficiente para adquirir os instrumentos, os mapas e os livros necessários para essa carreira” (Taillemite, 1989: 309).15

  • 16 François de Rosily-Meros (1748-1833) se tornou vice-almirante em 1796 e teve destaque no campo cien (...)
  • 17 A menção é provavelmente a Vitor-Guy Duperré (1775-1846), que então tinha sido prefeito marítimo de (...)

6A expedição comandada por Louis Duperrey, por exemplo, implicou a busca por muitos materiais cartográficos. Em carta dirigida ao então ministro Clermont Tonerre, o vice-almirante François de Rosily16 retomava algumas das decisões ministeriais no sentido de ajudar o oficial Duperrey em sua “campanha de descobertas no grande Oceano” (Rosily, 1822: f. 1). Além de listar os instrumentos essenciais à empreitada, o vice-almirante reiterou o quão necessário seria que Duperrey tivesse “a nova edição da carta do Oceano Pacífico de Arrowsmith em 9 folhas, e todas as cartas modernas das ilhas Carolinas, que poderiam ser procuradas em Inglaterra”, além de registrar o quão seria “essencial obter junto ao M. Duperré17 um exemplar da tradução inglesa dessa viagem que acaba de ser publicada em três volumes in-octavo”. Além disso, também seriam necessários “um exemplar das instruções de Korsburgh e seu atlas dos mares da Índia”, e o vice-almirante ressaltou o quanto Duperrey poderia contar com o Bureau de Longitudes no sentido de adquirir outras publicações úteis, dentre elas a Histoire des découvertes des français, escrita por Fleurieu, assim como diversas publicações de “voyages”, como as referentes às expedições de Étienne Marchand, Louis de Bougainville, James Cook e Matthew Flinders (Rosily, 1822: f. 2). Em decorrência da comunicação entre o vice-almirante e o ministro, elaborou-se, no interior do próprio Ministério, uma lista de livros e cartas a serem obtidos pelo cônsul francês em Londres. Na lista, além de títulos previamente mencionados, como a carta do Oceano Pacífico em 9 folhas de Arrowsmith, registraram-se também as Directions for sailing to and from the East Indies de James Horsburgh, em um volume in-quarto com atlas (Ministère de la Marine et des Colonies, 1822a).

  • 18 O periódico “Connaissance des temps” era publicado pelo Bureau des Longitudes. Segundo Hélène Blais (...)

7A correspondência trocada entre Rosily e Clermont-Tonnerre em abril de 1822 em Paris foi decisiva. Poucos meses após essa troca de cartas, diversos materiais se encontravam à disposição de Duperrey em Toulon, no porto do qual o oficial sairia para iniciar sua expedição. Da lista por ele assinada junto ao porto da cidade, constam um exemplar da viagem de Marchand, um exemplar do periódico Connaissance des temps18 e um exemplar de “tabelas do sol e da lua”, todos listados sob a rubrica de “livros enviados pelo Dépot a M. Duperrey”. No tocante aos mapas, Duperrey efetivamente obteve a carta de Arrowsmith, a viagem de Kotzbue, e, ainda, o Pilote d’Horburg pour les mers de l’Inde (Ministère de la Marine et des Colonies, 1822b).

  • 19 Embora tanto Paris como Londres tenham se destacado, no século XVIII, como centros de comércio e ed (...)
  • 20 Cabe ressaltar que Dumont d’Urville participou da viagem científica de Louis Duperrey junto à Coqui (...)
  • 21 Este aspecto corrobora uma hipótese trabalhada em estudo prévio, no qual se demonstrou uma coerênci (...)

8Outros oficiais da Marinha também precisaram de mapas oriundos do outro lado do canal da Mancha. Seja em razão dos descompassos de longa duração entre o mercado inglês e o francês de produção de mapas,19 seja em razão da necessidade específica de obter uma determinada obra cujo circuito de produção e consumo tenha se atido sobretudo na Inglaterra, a necessidade de atravessar fronteiras em busca de material cartográfico se manteve em expedições subsequentes. A expedição comandada por Dumont d’Urville,20 por exemplo, também precisou importar materiais da Inglaterra, apesar dos esforços na organização de expedições anteriores, como as de Duperrey e de Freycinet. Portanto, a despeito de uma continuidade de política de viagens científicas por parte da Marinha francesa, não houve uma “cumulatividade” de aquisição de material cartográfico.21 Para a expedição de Dumont d’Urville, constaram do documento État des livres à faire venir d’Angleterre até mesmo publicações que anos antes foram demandadas por Duperrey, como as cartas de Arrowsmith e as instruções de Horsburg. Além desses materiais, também foram solicitados o “Atlas do Oceano pacífico” elaborado por Krusenstern, “com o volume de memórias a servir de apoio”, e a viagem de Flinders, com o respectivo atlas (Ministère de la Marine et des Colonies, 1825). As condições para essa aquisição internacional novamente se deram por meio da mobilização, no interior do Ministério, de uma rede amparada institucionalmente. Para a tarefa de envio do material à França, o conde de Rosily foi notificado acerca da decisão de solicitar os serviços do barão Armand-Louis Maurice Séguier, então cônsul francês na Inglaterra e que, “como general da França em Londres”, poderia “fazer a aquisição das cartas” registradas no État no. 1 (Ministère de la Marine et des Colonies, 1826a). Com efeito, o cônsul-general em Londres foi prontamente mobilizado pelo Ministério, por meio de correspondência escrita (Ministère de la Marine et des Colonies, 1826b).

  • 22 Um dos estudos que enfatiza especificamente as estações navais francesas na América do Sul é o real (...)
  • 23 Uma análise preliminar de atividades de Roussin junto à embarcação La Bayadère, as quais possibilit (...)
  • 24 Há certa imprecisão no tocante à atuação de Jurien de la Gravière na costa brasileira em dicionário (...)
  • 25 A missão de Jurien de la Gravière é brevemente mencionada no estudo de Jeanine Potelet (1993: 52-53 (...)

9A discriminação de material cartográfico a ser levado a bordo também fez parte da organização das estações navais francesas. Nesse aspecto, as estações que estiveram na costa atlântica da América do Sul foram consideravelmente explícitas,22 sobretudo em função das atividades científicas que foram ostensivamente concebidas e realizadas em suas embarcações. Um caso emblemático é o das embarcações em que atuou o barão Albin Roussin (1781-1854). Em 1819, esse oficial desembarcou em pontos como a ilha de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Recife e São Luis do Maranhão no intuito de realizar as experiências que posteriormente possibilitariam a publicação da obra Pilote du Brésil.23 Contudo, Roussin retornou várias vezes ao litoral brasileiro enquanto comandante de estações navais, notadamente em 1822 e em 1828. A organização desse retorno lançou mão justamente da produção cartográfica realizada em 1819. Dentre a lista emitida pelo Ministério da Marinha e das Colônias dos objetos destinados a Roussin em 1822, destacam-se “8 exemplares da Carta reduzida da Costa do Brasil, entre a ilha de Santa Catarina e o Cabo Frio, levantada em 1819, sob as ordens de M. Barão Roussin”, “decalque representando o Porto de Maldonado, levantado em 1820, por M. Chaucheprat”, dois exemplares da publicação Connaissances des temps pour 1824 e oito exemplares “um plano de ancoragem da ilha de Santa Catarina, levantado em 1819, sob as ordens do Barão Roussin” (Ministère de la Marine et des Colonies, 1822c: f. 1). Ainda no âmbito das estações navais, outro oficial que teve seu material cartográfico listado foi o contra-almirante Pierre-Roch Jurien de la Grivière (1772-1849), que atuou tanto junto à estação naval do Brasil como à das Antilhas (Taillemite, 2002: 270-271).24 Em uma campanha específica realizada em 1820,25 Jurien recebeu “dois exemplares da Carta da Costa Ocidental da América (em espanhol) por Cornel, publicada em 1800”, assim como “dois exemplares da carta de uma parte da costa do Peru, (em espanhol), publicada em 1798” e “dois exemplares da carta das costas do Reino do Chile (em espanhol), publicada em 1799” (Ministère de la Marine et des Colonies, 1820: f. 1). É claro que apenas estudos comparativos acerca de diferentes estações navais poderiam demonstrar em que medida tal êxito em se apropriar tão prontamente de um conhecimento cartográfico decorrente da própria Marinha francesa foi algo representativo da retomada de estações navais como um todo ou somente uma especificidade dos esforços referentes ao Brasil e à estação naval situada no litoral do país. De todo modo, trata-se de um caso que denota o quão protocolado poderia ser o ato de elencar material cartográfico em uma estação naval, tal como o era ao longo da organização de uma expedição científica de grande porte.

10Finalmente, a necessidade de mapas também poderia orientar não apenas o recolhimento de materiais antes do embarque, mas também ao longo das viagens. Assim como suprimentos de comida, lenha e instrumentos para navegação, as escalas no itinerário poderiam ocorrer em função da necessidade de angariar mais materiais cartográficos que pudessem ser subsequentemente utilizados. Esse tipo de movimento foi registrado por Louis Duperrey, que nas escalas de sua passagem pelo Pacífico foi capaz de complementar o material cartográfico de sua expedição. Nas observações manuscritas que enviou ao Ministério da Marinha e das Colônias ao longo de sua viagem de volta ao mundo, o oficial relatou:

Eu permaneci apenas cinco dias no Callao. O objetivo desta curta escala não era o de obter legumes dos quais necessitava. Eu sabia que em Payta eles me seriam oferecidos por um preço mais razoável, mas eu esperava consultar aqui os navegantes espanhóis que tiveram a ocasião de atravessar as Carolinas passando por Manilla. Com efeito, eu obtive por essa via documentos muito interessantes, e consegui em Lima cartas tão preciosas quanto inéditas baseadas em observações que merecem a maior confiança. (Duperrey, 1823)

Em mar e em terra: usando mapas e publicações em viagens e estações navais

  • 26 Cabe ressaltar, todavia, que o conjunto da obra de Alexander von Humboldt conteve uma série de conc (...)

11O uso de mapas e publicações, tanto em expedições como em estações navais, foi condicionado pelo intuito de atualizar dados cartográficos, astronômicos e hidrográficos disponíveis em suportes materiais e estruturas textuais. Nesse sentido, como demonstrado por meio do conjunto de materiais coletados para as empreitadas, cabe ressaltar que o uso de mapas se entremeou ao uso de periódicos e relatos de viagem. Não à toa, em sua narrativa de observações realizadas no Peru, Duperrey comparou suas práticas às registradas por Alexander von Humboldt, e conforme descreveu alguns dos percalços em função das condições de uso de instrumentos como termômetros e barômetros, afirmou que “basta apenas ter lido relatos de viagem para ter uma ideia desses inconvenientes” (Duperrey, 1823).26

  • 27 Hélène Blais diferenciou observações realizadas em mar, em pequenas embarcações (canots) que conseg (...)
  • 28 Uma tipologia que diferencia viagens marítimas e viagens de exploração foi proposta pelo geógrafo N (...)

12Acima de tudo, mapas e publicações de cunho cartográfico e astronômico uniam terra e mar nas viagens. Evidentemente, as práticas científicas nesses âmbitos diferiam em grande medida,27 mas o conjunto de impressos disponíveis poderia ser utilizado em ambos. Além disso, o fato de as viagens terem efetuado tanto práticas em mar como em terra permite matizar distinções analíticas no sentido de definir diferenças entre modalidades de viagem.28 Uma expedição como a comandada por Abel Dupetit-Thouars na embarcação La Vénus entre 1836 e 1839, por exemplo, tendo um âmbito litorâneo e insular de experiências em terra, permitiu uma série de possibilidades de observações que foram articuladas conjuntamente às experiências astronômicas e náuticas em mar. É o que se averigua por meio do relatório referente à expedição e produzido no interior da Academia Real de Ciências, no intuito de avaliar os feitos científicos da empreitada. Em sua edição manuscrita, a seção “Geografia” do relatório discrimina uma série de observações e correções promovidas pela expedição justamente na medida em que esta teria sido bem-sucedida ao conciliar terra e mar:

No estado atual da geografia, as tabelas de latitudes e de longitudes, só poderão ser aperfeiçoadas por observações sedentárias. As navegações, para as quais as exigentes missões políticas, comerciais ou militares não dão a faculdade de coordenar as épocas de partida e chegada com os fenômenos celestes, encontram-se frequentemente na impossibilidade de recorrer para seus trabalhos às observações, aos métodos que ofereceriam mais exatidão. No entanto, a viagem da Vénus estará longe de ser sem interesse, mesmo sob esse aspecto. (Arago et al., 1840: f. 4)

13Em sequência a esse elogio, o relatório discrimina uma série de experiências, como a observação da ocultação de uma das estrelas da constelação de Áries feita no Rio de Janeiro, uma “observação do eclipse do sol feita em Valparaiso”, “diversas séries de culminações lunares” e também “diversas séries de alturas de dois astros e de suas diferenças de azimute, obtidas com a ajuda de um teodolito de M. Gambey”. O que torna esses registros mais elucidativos é o fato de algumas experiências “sedentárias” estarem registradas em contraposição a outras, previamente realizadas em mar. A observação da ocultação de estrelas da constelação de Áries feita no Rio de Janeiro, por exemplo, aparece contraposta a outra observação realizada durante a viagem marítima por meio do recurso à publicação Connaissance des temps, na qual a longitude do Rio de Janeiro estava registrada como 45 30’ 0’’ (Arago et al., 1840: v. 4). Ainda que de modo a ter seus dados corrigidos, o periódico de efemérides astronômicas do Bureau de Longitudes, portanto, fora utilizado em mar de modo a configurar as bases para experiências posteriores em terra. A observação da constelação de Áries e sua importância para o cálculo da longitude do Rio de Janeiro, por sua vez, foi de tão grande destaque para a expedição que terminou inclusive sendo registrada na publicação final do relatório (Dupetit-Thouars, 1840: 54).

  • 29 Trata-se de dimensão não contemplada nas menções feitas por Jeanine Potelet aos relatos desse ofici (...)

14O problema do cálculo da longitude do Rio de Janeiro, por sua vez, é um exemplo por meio do qual o uso de mapas e publicações de cunho astronômico e cartográfico, em todo o seu potencial de tensão, orientou oficiais tanto de expedições como de estações navais. A missão de Jurien de la Gravière em 1820, por exemplo, colocou esse oficial perante o problema. Embora seus manuscritos enviados ao Ministério da Marinha e das Colônias tenham se atido principalmente à situação política do Brasil, das então Províncias Unidas da América Meridional e do Chile, no intuito de oferecer um quadro de possibilidades de interações comerciais para a França, em diversas passagens o oficial também se ateve a problemas náuticos, mencionando um uso crítico de mapas.29 Após registrar as consequências de brumas e tempestades na navegação, o viajante registrou comparações que fez entre “a longitude de nossos relógios marinhos”, junto às “cartas inglesas d’Arrow-smith e de Steel”, reconhecendo uma “pequena distância” e atribuindo às “brumas a dificuldade” decorrente desse movimento. Em seguida, o oficial apontou que, “ao comparar a longitude de Rio de Janeiro indicada nos Connaissances des temps de 1820, 1821 e 1822”, tinha percebido que “o primeiro fornecia junto ao outros dois uma diferença de 32 minutos em direção a Oeste, e que foi aquela que tinha servido a determinar o funcionamento de nossos relógios” (Jurien de la Gravière, 1820: v. 1). Instrumentos, cartas e publicações, portanto, foram continuamente ativados pelo viajante em sua missão de cunho comercial.

15Além disso, os movimentos simultâneos da Marinha francesa na costa do Atlântico favoreceram o intercâmbio científico entre diferentes modalidades de viagens, pois Jurien de la Gravière interagiu justamente com Louis de Freycinet, que em 1820 estava retornando à França após sua viagem de volta ao mundo, passando novamente pelo litoral fluminense. Estações navais e viagens de volta ao mundo auxiliavam umas às outras. O problema da longitude do Rio de Janeiro foi, desse modo, enfrentado por ambos os oficiais, que juntos refletiram sobre o descompasso apontado entre cartas e instrumentos. Em função disso, Jurien de la Gravière registrou que suas observações “tinham sido feitas no observatório do senhor capitão Freycinet, que nos indicou como exata essa diferença de meridiano, fixada pelo abade Lacaille, e adotada pelos portugueses” (Jurien de la Gravière, 1820: v. 1). Os deslocamentos da Marinha francesa, portanto, funcionaram em rede, e isso possibilitou que empreitadas primordialmente dirigidas a finalidades diplomáticas e estratégicas pudessem prontamente articular atividades científicas.

16O mesmo tipo de impasse perante cartas na costa brasileira foi registrado por outro capitão da Marinha, cujas viagens estiveram vinculadas à de Jurien de la Graviere. No comando da embarcação L’Echo, Louis François Lenormand de Kergrist conduziu uma viagem através do litoral brasileiro de modo a retornar à França junto a dois agentes consulares franceses então instalados no Brasil: Lainé, vice-cônsul em Pernambuco, e Guinebaud, cônsul em Salvador. No entanto, seus registros manuscritos apontam, para além do procedimento consular, muita proatividade no tocante à ciência náutica cara à Marinha. Uma vez de retorno à França, em Toulon, o viajante relatou ter buscado a “carta inglesa d’Arrow-smith”, tida como “a melhor”, mas que ele “todavia considerou longe de ser exata”. Em relação à Bahia “e mesmo até Porto Calvo”, ele identificou a costa como “por demais a Oeste”, mencionando também descompassos em relação às indicações do relógio marítimo e os dados aos quais recorreu na publicação “Connaissance des temps” (Lenomard de Kergrist, 1820, v. 1). Os incômodos de Kergrist ao menos encontraram amparo institucional. Prontamente o próprio barão de Portal, então ministro, o respondeu, afirmando ter “comunicado ao Diretor Geral do Dépôt des Chartes et Plans” os “erros graves” apresentados nas “Cartas inglesas d’Arrow-smith no tocante ao rumo do litoral do Brasil” (Portal, 1820: f. 1).

17Além dos relatos dos próprios viajantes, a comunicação confidencial de avaliação dos méritos dos tripulantes, como apontado acima, também terminou por registrar usos de mapas e material de cunho cartográfico. O comandante Vaillant, por exemplo, ao avaliar os oficiais que o acompanharam junto da embarcação La Bonite, não avaliou apenas a precisão dos viajantes em suas observações astronômicas. A interação linguística com os materiais escrito foi importante: o oficial Philippe Touchard foi elogiado pelo comandante em função das traduções que fizera de “excertos da obra de Horsburgh” (Vaillant, 1837: f. 2)!

  • 30 Grivel é também um oficial cuja trajetória se entrelaça em vários momentos à estação naval do Brasi (...)

18Os usos de mapas não se restringiam à eficácia da navegação ou à precisão astronômica. O intercâmbio de mapas em expedições e estações navais poderia adquirir diversos significados, inclusive em relações diplomáticas. Em 1823, por exemplo, o oficial Jean-Baptiste Grivel (1778-1869),30 quando de seu ingresso na estação naval francesa no Brasil, recebeu uma ordem especial. Ele receberia do comandante da corveta Le Rhône uma série de diversos exemplares de cartas referentes à “costa do Brasil entre a ilha de Santa Catarina e o Cabo Frio”, às “ilhotas do Canal dos Abrolhos”, aos “entornos da Ilha de São Sebastião” e ao Espírito Santo. Essas cartas, todavia, não seriam entregues a Grivel para serem usadas por esse oficial. Seu destino era o Brasil, sendo oferecidas como “homenagem ao Ministério do Rio de Janeiro”, de modo a testemunhar a gratidão do governo francês em relação ao apoio às “embarcações do Rei” que eram mantidas pela estação naval (Ministère de la Marine et des Colonies, 1823: f. 1). Assim, em 4 de agosto de 1823, Grivel redigiu carta direcionada ao Ministro de Assuntos Estrangeiros no Rio de Janeiro, Carneiro de Campos, registrando formalmente a entrega de “vários exemplares das cartas feitas sobre a costa do Brasil, pelo capitão Barão Roussin”, identificado como seu “predecessor” (Grivel, 1823). Nesse caso, portanto, as cartas foram um instrumento de relações diplomáticas.

19Por outro lado, as relações políticas também poderiam ser o motivo para a suspensão do uso de mapas para atividades cartográficas e hidrográficas. Esse foi o caso do retorno de Roussin ao Brasil. Como apontado acima, este oficial voltou ao litoral brasileiro em função de atividades na estação naval francesa instalada no país, levando consigo o material cartográfico decorrente de sua expedição hidrográfica. Ao carregar esse material, o intuito de Roussin era dar continuidade aos trabalhos de mapeamento, ou seja, seu retorno junto à estação naval não pressupunha apenas a mera “aplicação” do conhecimento produzido na expedição pregressa, mas sua transformação. No entanto, o processo que culminou na declaração de independência do Brasil afastou o barão de seus planos iniciais. É o que o barão registrou em carta enviada ao Conde de Rosily em outubro de 1822, na qual afirmou:

As circunstâncias complicadas e difíceis em que me encontrei desde o mês de abril quase que inteiramente me afastaram do projeto que possuía, de aqui estender nossos conhecimentos de detalhe, de modo a tornar o mais completo nosso trabalho de 1819 e 1820. Eu não pude dispor nem de mim, nem das embarcações: estas, estando sempre localizados nos pontos agitados, ou passando o mais rápido possível a outros pontos, de acordo com os eventos e a divisão dos problemas que atordoam esse mal-aforturnado país. (Roussin, 1822: f. 1)

20Com efeito, atividades de mapeamento hidrográfico e cartográfico permaneceram uma preocupação do oficial. A correspondência que escreveu em função de sua atuação na estação naval brasileira ao longo da década de 1820 remete a um outro potencial referente ao uso de mapas em tal âmbito: controvérsias acerca de sua precisão e eficácia no interior da própria Marinha francesa. Os materiais produzidos por Roussin entre 1819 e 1820 não escaparam a essa tensão, o que o levou a defender continuamente sua própria produção até mesmo uma década após a realização de seus trabalhos. Mais uma vez no Rio de Janeiro, em 1829, o barão se posicionou contra críticas feitas no interior da Marinha acerca da precisão do mapeamento que fizera do litoral de Pernambuco. Uma vez notificado acerca dos acidentes que embarcações da Marinha teriam na costa de Pernambuco em função de “perigos que teriam escapado” às pesquisas realizadas em sua “missão hidrográfica em 1819 e 1820”, o oficial replicou, afirmando que certamente os problemas foram decorrentes de usos equivocados de instrumentos de navegação. Roussin foi enfático na defesa de sua produção ao afirmar que as “cartas as mais exatas podem se tornar as mais errôneas, quando as comparamos a observações defeituosas”(Roussin, 1829). Logo, os protocolos institucionais não impediam que emergissem, entre os quadros da Marinha francesa, tensões inerentes a um campo científico.

A bordo e depois: produzindo mapas a partir de viagens e estações navais

21Mapas e publicações de cunho náutico não foram apenas utilizados, mas também criados pela Marinha francesa em função das viagens e estações navais. Os manuscritos trocados no interior do Ministério indicam que esse processo de criação muitas vezes se dava já nas próprias embarcações, ao longo dos trânsitos, encontrando em seguida na França os circuitos que garantiriam a finalização dessa produção.

22Com efeito, desenhar mapas a bordo era atividade importante. Assim como as supracitadas habilidades em observações astronômicas quando do uso de mapas, o desenho de cartas também consta de notas confidenciais que permitiram a análise do desempenho dos viajantes e sua progressão na Marinha. A lista de pareceres emitidos por Louis de Freycinet no intuito de avaliar os jovens que o acompanharam junto à embarcação Uranie, por exemplo, registra uma série de elogios ao então jovem “enseigne de vaisseau” Duperrey, o qual se destacou justamente por habilidades cartográficas. Segundo Freycinet, Duperrey era um “excelente oficial, perspicaz, inteligente, incansável; tendo muita instrução em matemáticas, que ele aplica com perfeição em todas as partes da Marinha”. Ainda de acordo com o comandante,

Esse oficial, que serve há dez anos na mesma patente, entende perfeitamente o levantamento [levée], a construção e o desenho das cartas marinhas; ele observa com uma rara exatidão. Durante a viagem, ele esteve especialmente encarregado da quase totalidade de nossas operações geográficas, e as concluiu com uma grande distinção: pelo menos trinta cartas são resultados de seus trabalhos. (Freycinet, 1820a: f.1)

  • 31 Hélène Blais reconhece diversos “deslizamentos semânticos” no tocante aos usos do termo “geografia” (...)

23Foram essas qualidades e atividades que renderam a Duperrey não apenas a progressão de grau, mas o reconhecimento enquanto geógrafo perante a instituição. A maior parte dos oficiais a bordo da Uranie teve seus “serviços prestados durante a viagem” registrados sem qualquer especificação, e embora muitos os tenham tido registrados sob a rubrica “enquanto oficial e enquanto observador”, somente foram reconhecidos sob a denominação de “geógrafo” Duperrey e Bérard (Freycinet, 1820b: f. 1), que também “levantou diversas cartas” ao longo da campanha (Freycinet, 1820a: v.1). Logo, apesar da polissemia no tocante à noção de “geografia”,31 o uso do termo denota uma distinção institucionalmente reconhecida em meio aos quadros da Marinha, reservando o estatuto de geógrafo àquele que de fato viesse a desenhar, estabelecendo uma diferença em relação ao “observador”. Os dois termos, no entanto, remetem a práticas essenciais para a atividade cartográfica como um todo. É o que se evidencia, por exemplo, na avaliação de tripulação registrada por Dumont d’Urville após o retorno da Astrolabe à França. Ao avaliar o oficial Charles Jacquenot, o comandante ressaltou o vínculo entre observações astronômicas e a posterior confecção de cartas:

Durante todo o curso da viagem, foi ele mesmo quem fez e calculou todas as observações astronômicas necessárias ao funcionamento dos relógios, à direção da rota e à confecção de numerosas cartas que decorrerão desta expedição. (Dumont d’Urville, 1829: f. 1)

  • 32 Milius foi governador da Guiana entre 1823 e 1825. Segundo Sardet, destacava-se por seu nível de in (...)

24As tripulações das estações navais também poderiam ser mobilizadas para a confecção de cartas e planos a bordo. Os oficiais de baixa patente que as compusessem estavam passíveis de avaliações semelhantes às realizadas pelos comandantes das grandes expedições de volta ao mundo. No âmbito das atividades da estação naval francesa em Caiena, sob direção de Pierre-Bernard Milius (1773-1829),32 um dos oficiais na embarcação Artésienne se destacou por demonstrar “muita instrução teórica e prática”, da qual “forneceu as provas no levantamento dos planos de Mana e do Oyapock” (Milius, 1825: f. 1).

25Além de desenhos a bordo, os movimentos da Marinha francesa tiveram uma significativa articulação editorial posterior. Todas as grandes viagens científicas implicaram a publicação de diversos tomos, não restritos apenas a narrativas de viagens, mas a todo um campo de disciplinas, o qual incluiu tomos referentes a zoologia, botânica, física, hidrografia e ciência náutica, além de diferentes tipos de atlas. Se as estações navais, por sua vez, não implicavam prontamente esse tipo de produção, cabe ressaltar que houve resultados publicados por oficiais da Marinha cujos deslocamentos e experiências estiveram “institucionalmente ancorados” principalmente por meio de participação e comando em estações navais, como o supracitado caso de Albin Roussin, cuja atuação na costa brasileira permitiu a contínua edição da obra Pilote du Brésil.

26Perante esse amplo escopo de disciplinas, a publicação de mapas e de tomos de conteúdo náutico e hidrográfico foi uma prioridade editorial de muitas viagens. Esses conteúdos eram os mais urgentes para o Ministério da Marinha e das Colônias e, em função disso, o trâmite editorial referente a eles ocorria preponderantemente no interior desse Ministério. Além disso, o descompasso de custos referentes à edição também favorecia a priorização por parte da Marinha. No tocante ao projeto de publicações referentes à viagem científica comandada por Abel Dupetit-Thouars, por exemplo, o orçamento estimado em 1841 para todo o projeto editorial tornava evidente o quão díspar poderia ser o custo de um empreendimento editorial cartográfico caso comparado ao custo de edição de tomos de história natural. A “parte hidrográfica” da publicação, a qual seria composta de “18 pranchas (cartas ou planos) e de várias vistas de litoral”, teria seu custo “estimado” em 20.000 francos, ao passo que “a parte de história natural” seria formada de “30 pranchas de botânica, em tinta preta”, “50 de zoologia colorizadas e retocadas em pincel”, assim como “de um volume de texto”, conferindo um custo total de 37.000 francos. Custando o total do empreendimento, incluindo os tomos do relato, aproximadamente 72.000 francos, evidencia-se o quanto um empreendimento hidrográfico, por exemplo, poderia ser mais viável e prontamente realizado pela Marinha francesa (Ministère de la Marine et des Colonies, 1841).

  • 33 O caso específico da publicação dos materiais decorrentes da expedição de Duperrey foi analisado em (...)
  • 34 As redes referentes à publicação dos materiais da viagem de Laplace, notadamente envolvendo os mate (...)

27É claro que os processos editoriais poderiam encontrar dificuldades, e muitas vezes para ver seus mapas publicados a Marinha francesa deveria recorrer a negociações. Outros ministérios e livreiros editores poderiam ser solicitados de modo a garantir que mapas e tomos com atlas pudessem circular, tanto nas bibliotecas da Marinha e de instituições correlatas como em um mercado mais amplo, onde muitos desejavam obter tais produtos. Ainda assim, as tensões se mantinham. No tocante ao processo de publicação dos materiais decorrentes da expedição científica de Duperrey, o papel do editor Arthus Betrand foi essencial no sentido de tentar tornar possível a publicação dos materiais referentes a história natural, pois a Marinha francesa optou por arcar integralmente apenas com os custos referentes ao material de cunho náutico. Além disso, uma divergência entre o modelo de venda dos materiais cartográficos trouxe maior tensão à negociação das condições de publicação, pois a Marinha francesa solicitou o direito de vender separadamente as cartas que Bertrand poderia vender por meio da coleção integral editada em atlas. O editor, embora sendo prejudicado nesses termos de venda, consentiu com o desejo da Marinha. Por outro lado, o processo de publicação integral dos materiais foi comprometido por uma série de razões, incluindo descompassos entre as atividades do editor, da Marinha e do próprio comandante da expedição.33 Quanto à publicação dos materiais resultantes da primeira expedição comandada por Cyrille Laplace, entre 1830 e 1832, novamente as divergências no tocante às formas de venda e suporte material para a produção hidrográfica e cartográfica da expedição conduziram o processo. O desenhista Louis Auguste de Sainson, que apresentara ao Ministério da Marinha e das Colônias um prospecto de modo a poder publicar alguns dos desenhos que fez junto à expedição, encontrou-se em um dilema comercial junto ao Dépôt da Marinha, pois sugeriu-se que ele ficasse encarregado também da edição do atlas hidrográfico da expedição. Entretanto, segundo o viajante e desenhista, essa seria uma empreitada demasiado arriscada, pois o atlas pertenceria a uma classe de materiais “interessantes para a ciência”, porém que “pouco se dirigem à generalidade do curioso” (Sainson, 1833).34

28Outro aspecto recorrente ao longo dos processos editoriais é o menor destaque à agência de determinados oficiais, notadamente os alunos da Marinha, na produção de conhecimento cartográfico e hidrográfico. A disposição de novos dados cartográficos e hidrográficos nos tomos publicados terminava por remetê-los principalmente aos nomes dos comandantes ou dos oficiais que assinassem os prefácios desses textos, culminando em uma certa “impressão de autoria” que não necessariamente refletiria as experiências de produção de conhecimento a bordo, pois esses tomos se apresentavam em linguagem e estrutura consideravelmente diferente daquelas que orientavam a comunicação escrita no interior do Ministério da Marinha e das Colônias. O segundo tomo do relato de viagem referente à expedição de Hyacinthe Bougainville, por exemplo, é em grande medida dedicado a observações astronômicas e meteorológicas. Embora a seção Discussion relative aux observations astronomiques qui ont servi a fixer les positions géographiques déterminées en 1824, 1825 et 1826 seja com efeito assinada pelos tripulantes de diversas patentes Fabré, la Pierre, Penaud e Jeanneret, a publicação, no entanto, não ressalta as práticas dos viajantes que compuseram a tripulação, mas apenas expõe os dados decorrentes de suas experiências (Bougainville, 1837).

Figura 1. Carte de la province de Rio de Janeiro rédigée d'après un manuscrit portugais inédit et les cartes nautiques de MM. Roussin et Givry, par Louis de Freycinet (1824)

Figura 1. Carte de la province de Rio de Janeiro rédigée d'après un manuscrit portugais inédit et les cartes nautiques de MM. Roussin et Givry, par Louis de Freycinet (1824)

Fonte: Biblioteca Nacional da França. Disponível em Gallica: https://gallica.bnf.fr/​ark:/12148/​btv1b84455540/​f1.item

29Finalmente, a edição posterior também poderia funcionar para unir esforços previamente realizados em expedições e estações navais. Por meio de mapas, essas empreitadas poderiam, enfim, se unir. É o que parece ter ocorrido entre a expedição de Louis de Freycinet a bordo da Uranie e a expedição de Albin Roussin a bordo da Bayadere no tocante à então Província do Rio de Janeiro, pois em 1824 Louis de Freycinet assinou um mapa “redigido com base em um manuscrito português inédito e as cartas náuticas de Roussin e Givry” (Figura 1). A menção a Alexandre-Pierre Givry (1785 – 1867), oficial que acompanhara Roussin na embarcação Bayadère tanto em missão hidrográfica na África como entre 1819 e 1820 na missão de mapeamento do litoral brasileiro (Taillemite, 2002: 214), indica que o mapa é herdeiro direto das experiências dessa primeira expedição, e que esse oficial desempenhara um papel específico dentro do quadro da tripulação. Com efeito, em 1818, após a expedição na África, Roussin já descrevera Givry de modo diferenciado em relação aos demais integrantes da empreitada. Então um “engenheiro hidrógrafo de terceira classe”, Givry “confeccionou as cartas, à medida que os trabalhos da expedição se efetuavam”, destacando-se, por exemplo, em comparação ao oficial Jacques le Marié, que esteve encarregado “de corrigir e reduzir todas as rotas que serviram à constituição de cartas”, ou mesmo àqueles que apenas fizeram observações astronômicas, como Eustache Quesnel, que se encarregou dos “cuidados com os relógios marinhos e de recolher tudo aquilo que dizia respeito a longitudes” (Roussin, 1818: ff. 1-2). Freycinet pôde, portanto, usufruir dos trabalhos de Givry anos mais tarde de modo, uma vez de retorno à França, a finalizar um novo mapa do Rio de Janeiro. Além disso, tendo em vista a supracitada manutenção das preocupações de Roussin no tocante ao aperfeiçoamento de seu próprio mapeamento da costa brasileira, é plausível supor que essas cartas também tenham sido atualizadas em função de experiências náuticas posteriores na estação do Brasil, em 1822 e 1823.

30Os processos editoriais referentes a cada expedição apresentaram, enfim, numerosas especificidades, e em função disso elencar características gerais pertencentes a todos esses processos é uma tarefa árdua. De todo modo, os esforços de publicação de mapas por parte da Marinha podem eficazmente ser relacionados a questões que elencam diferenças entre papéis do “modo de publicação” de trabalhos, de suas “condições de produção” e da “natureza e função de suas respectivas audiências” na circulação e produção de conhecimento (Raj, 2007: 203).

Considerações finais

31Do exposto, é possível elencar considerações que reiteram simultaneamente o lugar dos mapas na Marinha francesa, o lugar da Marinha francesa na produção cartográfica e, finalmente, a relação desses vetores com um determinado momento da geografia francesa, concebida aqui tanto enquanto um conjunto de práticas situadas como também enquanto um campo em novas vias de institucionalização, notadamente por meio da fundação da Sociedade de Geografia de Paris.

  • 35 Esse ressentimento também permeia boa parte dos fios narrativos de estudos contemporâneos dedicados (...)

32Com efeito, a Marinha francesa é recorrente e constantemente descrita como uma instituição cuja orientação teria continuamente adotado como parâmetro a Inglaterra — tal como o faz Daniel Ardila ao mencionar um desejo de “compensar o atraso acumulado perante a marinha britânica” (Ardila, 2015: 155). Apesar dos diversos descompassos de ordem logística, financeira, comercial e inclusive política, os circuitos de aquisição, produção, uso e crítica de material cartográfico permitem matizar esse tipo de descompasso entre as duas instituições. As práticas náuticas e cartográficas da Marinha francesa podem ser apreendidas por meio de suas próprias lógicas, para além de um fio narrativo que reifique algum tipo de “ressentimento” inescapável perante a Marinha britânica — por mais que esse tipo de sentimento de fato permeie muito da produção escrita de oficiais da Marinha francesa.35 Além disso, no âmbito propriamente francês, também permitem ressaltar a agência da Marinha perante outros circuitos de produção de mapas, como editores civis e outros Ministérios do Estado francês, ressaltando o dinamismo dos campos civis e militares em sua interação com o campo científico.

  • 36 Tendo em vista, evidentemente, que, como recordou Hélène Blais, o “termo geografia não tem nesse in (...)
  • 37 Étienne Taillemite, por sua vez, ressalta que foram vários os oficiais e ministros da Marinha que a (...)
  • 38 Recupero, aqui, distinção proposta em ensaio de Matthew Edney, para quem a “ideologia da modernidad (...)
  • 39 Ainda segundo Edney, a “ênfase da nova ideologia moderna se dava em observações corretas e adequada (...)

33Finalmente, as atividades da Marinha francesa foram decisivas no tocante à configuração de um campo da geografia francesa da primeira metade do século XIX.36 Em termos sociais e institucionais, isso se averigua no que se refere àquela que é provavelmente a melhor expressão de tal configuração, com todas as suas contradições e impasses: a Sociedade de Geografia de Paris. Os oficiais da Marinha francesa foram um fator expressivo do que Dominque Lejeune concebeu como “composição sócio-profissional propriamente dita” da sociedade (1993: 27), o que, segundo este autor, “não surpreende o historiador, se ele considera que a geografia da época é baseada em [viagens de] exploração” (Lejeune, 1993: 28).37 Alfred Fierro, por sua vez, frisou a atuação, na Sociedade de Geografia de Paris, de oficiais que realizaram expedições de volta ao mundo, como Louis de Freycinet e Cyrille Laplace, assim como de oficiais que atuaram em estações navais no Atlântico, como Albin Roussin, sendo que Roussin e Laplace foram, inclusive, presidentes da Sociedade, respectivamente em 1843 e 1853 (Fierro, 1983: 17, 140, 244). Considerando-se o uso do termo “geógrafo” tão recorrente nos manuscritos de avaliação de oficiais e o lugar da cartografia em tal forma de inserção, a Marinha francesa deve ter contribuído em grande medida para sedimentar, em uma primeira fase de atividades dessa sociedade, o lugar do uso e confecção de mapas no horizonte das expectativas de seus membros e, consequentemente, em uma nova fase de institucionalização da geografia em um dos países onde continuamente um estatuto de “centralidade” da disciplina foi eficazmente atualizado. No tocante a transformações epistemológicas, por sua vez, as atividades dos oficiais da Marinha francesa permitem matizar as periodizações de uma geografia que se encontraria gradativamente configurada enquanto uma disciplina de base epistemológica moderna,38 com novas estratégias representacionais baseadas principalmente na observação.39 De todo modo, a despeito de qualquer ideologia de modernidade e haja vista a natureza estratégica e política de sua inserção sócio-profissional no interior do Estado francês, é certo que, ao atuarem em uma extensa rede que mobilizava, de modo tenso, diferentes instrumentos, formas de publicação de relatos e mapas e, ainda, negociações interinstitucionais, esses oficiais da Marinha francesa evidenciavam o quanto eles próprios estavam buscando, usando e produzindo materiais que, tais como os mapas adquiridos por Duperrey em Callao, eram apresentados no interior dos circuitos da Marinha francesa não apenas como resultados de “observações”, mas, acima de tudo, como resultado de observações que mereciam “a maior confiança”.

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Bibliografia

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Vaillant, Nicollas (1837).Note remise à M. le Directeur du Personnel par le Captaine de Corvette Vaillant, a Son Excellence le Ministre de la Marine & des Colonies”. Brest, 2 de dezembro de 1837. 3f. SHD, Sub-série CC1, Códice 948. ff. 231-233.

Mapas

Freycinet, Louis de (1824). Carte de la province de Rio de Janeiro rédigée d’àprès un manuscrit portugais inédit et les cartes nautiques de MM. Roussin et Givry. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/​ark:/12148/​btv1b84455540>. Acesso em: 24. out. 2018.

Relatos de viagem publicados

Bougainville, Hyacinthe, barão de (1837). Journal de la navigation autour du globe de la frégate La Thétis et de la corvette l’Espérance, pendant les années 1824, 1825 et 1826, publié par ordre du Roi, sous les auspices du département de la Marine. Tome Second. Paris, Arthus Bertrand.

Dupetit-Thouars, Abel (1840). Voyage autour du monde sur la frégate La Vénus, pendant les années 1836-1839, publié par ordre du Roi, sous les auspices du Minstre de la Marine. Tome Premier. Paris, Gide.

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Notas

1 Antes de ser chefe do Estado-maior da estação do Brasil, Fortuné Le Prédour realizara duas campanhas hidrográficas no litoral ocidental da África e participara da estação das Antilhas. Em 1838, foi escalado para atuar no Levante, mas retornou como comandante da estação naval do Brasil e do Prata em 1847 (Taillemite, 1962: 175).

2 As traduções referentes a documentos e obras originalmente em francês são traduções livres realizadas pelo autor deste trabalho.

3 Ange-René de Mackau também atuara em negociações com as repúblicas independentes da América e com o Haiti. Na década de 1830, após comandar a estação das Antilhas, foi governador da Martinica, e na década de 1840 ingressou na Câmara alta da França, tornando-se Ministro da Marinha entre 1843 e 1847 (Taillemite, 1962: 184-185).

4 As estações navais variavam entre si em termos de funcionamento e composição, mas uma tipologia geral pode ser estabelecida. Segundo Michel Sardet, as estações eram formadas por “pequenos grupos de navios de guerra em território estrangeiro ou em colônias, onde estavam encarregados não apenas de garantir a representação nacional, mas ainda de proteger compatriotas e atividades comerciais” (2007: 135).

5 Diversos estudos se referem ao fim do governo napoleônico como baliza para periodizar uma nova fase do expansionismo francês, a despeito dos constrangimentos diplomáticos referentes ao Congresso de Viena. O arquivista e historiador Alfred Fierro, por exemplo, chegou a afirmar que a “criação da Sociedade de Geografia” de Paris teria sido atrasada “pelas guerras napoleônicas” (1983: 7).

6 Várias foram as expedições de volta ao mundo concebidas pela Marinha francesa no período da monarquia parlamentar. Oficiais como Louis Claude de Freycinet (1779-1842), Louis Duperrey (1786-1865), Hyacinthe de Bougainville (1781-1846), Jules-Sébastien Dumont d’Urville (1790-1842), Abel Dupetit-Thouars (1793-1864), Nicolas Vaillant (1793-1858) e Cyrille Laplace (1793-1875) comandaram suas próprias expedições. Embora cada uma tenha apresentado especificidades no tocante a procedimentos de organização e escalas, todas seguiram rotas semelhantes, tanto no Atlântico como no Pacífico. Dados biográficos referentes a esses comandantes encontram-se nos dicionários organizados pelo historiador e arquivista Étienne Taillemite (1962, 2002).

7 O tema das estações navais está presente em diversos estudos dedicados a transformações da Marinha, principalmente no intuito de compreender os esforços de recuperar prestígio após a queda do Império (Cf. Taillemite, 1999; Rampal, 1972). Todavia, poucas análises tecem comentários acerca das estações enquanto um locus de práticas científicas. Estudos que o fazem, por sua vez, geralmente se concentram em objetos referentes a práticas de medicina naval, tão como no estudo de Rosa Girão de Morais (2013), acerca da relação entre a estação naval do Brasil e o Serviço de Saúde da Marinha.

8 A preponderância do Pacífico em diretrizes francesas é tese demonstrada com maestria em trabalhos de vários autores, como os de Hélène Blais (1996, 2000) e John Dunmore (2007). Contudo, ainda que, como afirma Blais, o Pacífico tenha de fato representado para interesses franceses “uma zona de percurso distinta” (2000: 11) o presente trabalho defende a hipótese segundo a qual a presença no Atlântico foi contínua e igualmente decisiva, tanto em termos políticos e comerciais como científicos.

9 Faço aqui menção à noção de circulação de conhecimento tal como proposta por Kapil Raj, em diferenciação à formulação de Bruno Latour (Raj, 2007: 225-226), assim como ao debate geral em história da ciência acerca dos canais de trânsito e comunicação como chave de compreensão para a produção e transformação do conhecimento (Secord, 2004)

10 O verbo “articular” é aqui utilizado como apropriação parcial das formulações de Thomas Kuhn, no sentido de fazer menção a problemas que visam a clarificação e precisão de objetos em condições novas ou mais rigorosas, ou, nos termos do autor, uma “pesquisa científica normal” capaz de resolver “ambiguidades residuais” e, portanto, articular um paradigma (Kuhn, 1987 [1976]: 45, 48).

11 Segundo Hélène Blais, o termo “hidrografia” era “muito presente nos discursos dos viajantes, sem se remeter sempre exatamente à mesma coisa”, apresentando um vínculo com “a geografia de ilhas” e “o reconhecimento do espaço marítimo”, incluindo nesse âmbito o estudo das marés (2000: 372-374).

12 Tensões em relação ao Muséum d’Histoire Naturelle se deram principalmente no tocante à formação dos cirurgiões da Marinha, que foram cada vez mais escalados como únicos responsáveis por coletas de história natural, em ostensiva rivalidade perante naturalistas civis. Essas tensões foram contempladas em estudos como os de Lorelai Kury (2001: 134). Para Marie Noëlle Bourguet, as instruções para viajantes emitidas pelo Muséum a pedido da Marinha configuraram um marco no processo de tornar a viagem uma “prática regrada” (1997: 166). Os saberes vinculados à história natural, portanto, constituíram um campo interinstitucional relativamente mais tenso que os saberes cartográficos.

13 Segundo Crosland, o Bureau des Longitudes teria funcionado como uma instituição de “abordagem mais prática” se comparada à Academia de Ciências, sobretudo no âmbito da astronomia e, nesse sentido, teria sido mais próxima da Marinha, uma vez que, conforme sua fundação em 1795, baseou-se no modelo do British Board of Longitude justamente no intuito de “fornecer dados astronômicos úteis” para um “poder marítimo” (Crosland, 1992: 143-144).

14 Segundo Hélène Blais, o Dépôt, fundado em 1720, era uma “instituição especializada, dependente da administração da Marinha”, que centralizava informações referentes a hidrografia, cartografia marinha e viagens marítimas (2000: 155).

15 Étienne Taillemite recuperou essa citação de Missiessy no intuito de defender a hipótese segundo a qual contrariamente “ao que se produzia ao final do Antigo Regime, sob a Restauração o corpo da Marinha tem tendência a se fechar e a seleção não se faz mais pela nobreza verdadeira ou pretendida, mas pelo dinheiro” (Taillemite, 1989: 309).

16 François de Rosily-Meros (1748-1833) se tornou vice-almirante em 1796 e teve destaque no campo científico, tendo sido membro da Academia de Ciências, do Bureau des Longitudes e da Academia da Marinha, além de ter publicado volumes de instruções náuticas (Taillemite, 1962: 236). Segundo Hélène Blais, Rosily também esteve à frente do Dépôt des Cartes et Plans entre 1817 e 1828 (2000: 155).

17 A menção é provavelmente a Vitor-Guy Duperré (1775-1846), que então tinha sido prefeito marítimo de Toulon e comandante da estação naval das Antilhas em 1818, e que alcançou destaque ainda maior à época da Monarquia de Julho, tornando-se membro da Câmara Alta e ministro da Marinha em três momentos diferentes, em 1834, 1839 e 1840 (Taillemite, 1962: 86).

18 O periódico “Connaissance des temps” era publicado pelo Bureau des Longitudes. Segundo Hélène Blais, “trata-se de um tipo de calendário astronômico, que dá a posição de astros principais para um ano, permitindo aos navegantes resolver rapidamente os problemas de determinação de posição, de declinação da agulha magnetizada, etc”, tendo sido “publicado anualmente, com alguns anos em avanço” (2000: 151). Esta autora ressaltou, ainda, que “o problema que se apresenta com maior frequência quando da partida das expedições é o de obter as edições as mais recentes” do periódico, “nem sempre disponíveis a tempo” (Blais, 2000: 273).

19 Embora tanto Paris como Londres tenham se destacado, no século XVIII, como centros de comércio e edição – configurando, segundo Mary Pedley, uma “indústria em expansão” (2007: 29), algumas diferenças entre esses dois centros se evidenciavam, como o custo relativamente mais elevado na França, onde “os mapas eram mais caros para aqueles que precisavam deles e para aqueles que os fabricavam” (Pedley, 2007: 28).

20 Cabe ressaltar que Dumont d’Urville participou da viagem científica de Louis Duperrey junto à Coquille, o que condicionou suas possibilidades posteriores de organização da expedição junto à mesma embarcação, porém rebatizada como Astrolabe (Taillemite, 1962: 85).

21 Este aspecto corrobora uma hipótese trabalhada em estudo prévio, no qual se demonstrou uma coerência entre as viagens científicas da monarquia parlamentar francesa principalmente no aspecto de seu vocabulário político e inscrição sociológica e institucional (Braga, 2015), ou seja, essas viagens científicas provavelmente se entrelaçaram mais por meio de uma cultura política conservadora que por meio de uma cadeia de continuidades administrativas.

22 Um dos estudos que enfatiza especificamente as estações navais francesas na América do Sul é o realizado por Daniel Ardilla. Entretanto, o historiador não aponta quaisquer atividades científicas, concentrando-se em aspectos políticos e comerciais das estações navais, contrapondo-as às estações inglesas e indagando-se acerca de em que medida as estações francesas teriam corroborado “uma tentação de proceder a anexações territoriais para reforçar na América o poder e a influência do reino” (Ardila, 2015: 152).

23 Uma análise preliminar de atividades de Roussin junto à embarcação La Bayadère, as quais possibilitaram a posterior edição da obra “Le Pilote du Brésil”, assim como de cartas utilizadas em seu retorno à costa brasileira em 1822, foi publicada em estudo prévio (Braga, 2017b).

24 Há certa imprecisão no tocante à atuação de Jurien de la Gravière na costa brasileira em dicionários especializados. A primeira publicação de Taillemite nesse sentido afirma que o oficial “comandou a estação naval do Brasil (1817), a das Antilhas (1824)”, antes de se tornar prefeito-marítimo em Rochefort em 1827 (1962: 150). A segunda edição do dicionário de Taillemite afirma que após ter sido promovido a contra-almirante em 1816, “ele comandou de junho de 1819 a outubro de 1821 uma divisão com pavilhão a bordo do Colosso. Operando inicialmente no Mediterrâneo (…) ele passa em seguida ao Atlântico Sul” (2002: 270), sem precisar com mais detalhes as datas em costas americanas. Os manuscritos elencados no presente trabalho se referem apenas ao ano de 1820.

25 A missão de Jurien de la Gravière é brevemente mencionada no estudo de Jeanine Potelet (1993: 52-53), sem, no entanto, qualquer análise acerca de materiais ou práticas científicas.

26 Cabe ressaltar, todavia, que o conjunto da obra de Alexander von Humboldt conteve uma série de concepções teóricas com especificidades no tocante à representação geográfica, que não necessariamente foram referenciadas pelos viajantes da Marinha francesa, a despeito do uso de textos de Humboldt em diversas expedições desses oficiais. As tensões teóricas referentes à obra de Humboldt foram explicitadas em diversos estudos, dentre os quais o de Anne Marie Claire Godlewska, que ressaltou como, por exemplo, “em uma época em que muitos cartógrafos afirmavam que contornos decorrentes de maior precisão substituiriam o método mais tradicional de hachura para representar o relevo no mapeamento topográfico”, Humboldt, por sua vez, “afirmava que símbolos pictóricos poderiam refletir de modo mais preciso o estado do conhecimento vigente” (1999: 252).

27 Hélène Blais diferenciou observações realizadas em mar, em pequenas embarcações (canots) que conseguiam se aproximar de baías, costas, ilhas, praias e portos, e observações realizadas em terra após a instalação de um observatório (2000: 252-254).

28 Uma tipologia que diferencia viagens marítimas e viagens de exploração foi proposta pelo geógrafo Numa Broc (1982). Em seu estudo, Broc diferencia viajantes como Freycinet e Duperrey, que teriam realizado viagens marítimas, de viajantes como Castelnau, que seriam propriamente exploradores. No entanto, é possível criticar essa tipologia, pois ela extrapola os itinerários enquanto categoria analítica. A viagem de Freycinet, por exemplo, efetuou uma verdadeira exploração da então capitania do Rio de Janeiro, pois fez duas escalas de cerca de dois meses no porto do Rio de Janeiro, além de ter contado com apoio logístico de agentes consulares franceses na corte brasileira.

29 Trata-se de dimensão não contemplada nas menções feitas por Jeanine Potelet aos relatos desse oficial (Potelet, 1993: 52-53).

30 Grivel é também um oficial cuja trajetória se entrelaça em vários momentos à estação naval do Brasil. Segundo Taillemite, tornou-se contra-almirante em 1824, após ter comandado a embarcação Astrée na estação do Brasil, tendo atuado contra uma “ameaça de revolução no Rio de Janeiro”, além de ter atuado em assuntos diplomáticos referentes à Argentina e retornado à estação naval do Brasil junto à embarcação Caroline, em 1829 (2002: 225). Ardila também o aponta como comandante dessa estação, tanto entre 1822 e 1824 como entre 1829 e 1831 (2015: 150), ao passo que Jeanine Potelet analisa seus escritos sobre a defesa do princípio monárquico nas Américas e embates entre marinheiros franceses e proprietários brasileiros (1993: 36, 381). Usos de mapas e demais práticas científicas de sua parte, no entanto, não são analisados em seu estudo.

31 Hélène Blais reconhece diversos “deslizamentos semânticos” no tocante aos usos do termo “geografia” em meio aos viajantes da Marinha francesa, os quais variaram no sentido de se referir tanto a ideias de localização como, também, de descrição e navegação (2000: 307-317).

32 Milius foi governador da Guiana entre 1823 e 1825. Segundo Sardet, destacava-se por seu nível de instrução em botânica e foi o responsável pela criação do jardim de naturalização de Baduel, próximo a Caiena (2007: 150).

33 O caso específico da publicação dos materiais decorrentes da expedição de Duperrey foi analisado em estudo anterior (Braga, 2018). Cabe ressaltar que Arthus Bertrand se tornou, posteriormente, o editor oficial da Sociedade de Geografia de Paris. Segundo Fierro, a primeira menção a Bertrand nesse sentido se deu em 1825 (Fierro, 1983: 172).

34 As redes referentes à publicação dos materiais da viagem de Laplace, notadamente envolvendo os materiais de zoologia da expedição e os desenhos de Sainson, também foram preliminarmente analisados em estudo anterior (Braga, 2017a).

35 Esse ressentimento também permeia boa parte dos fios narrativos de estudos contemporâneos dedicados à Marinha francesa, principalmente os que não são oriundos do campo de história da ciência. Étienne Taillemite, por exemplo, utiliza o termo “atrasos acumulados” (1999: 661) para descrever a instituição e se refere aos viajantes como exemplos de homens “à frente de seu tempo” no sentido de conceber a necessidade de pensar uma “geopolítica à escala do mundo” (1999: 666). Sem dúvida se trata, enfim, de perspectiva em grande medida diferente da que visa ressaltar a “co-construção do conhecimento científico e de identidades nacionais” (Raj, 2007: 233).

36 Tendo em vista, evidentemente, que, como recordou Hélène Blais, o “termo geografia não tem nesse início do século XIX a segurança e certeza que adquirirá na França com Vidal de la Blache e a criação da Escola francesa de geografia no último terço do século” (Blais, 2000: 14). Nesse sentido, o enfoque na especificidade da inscrição sociológica desses viajantes enquanto oriundos da Marinha francesa permite matizar tipologias referentes à geografia que praticaram – tal como as propostas no estudo de Inês Aguiar de Freitas (2004) –, elencando, assim, problemas distintos da busca retroativa por algum tipo de anúncio ou precursão do que viria a ser uma geografia moderna.

37 Étienne Taillemite, por sua vez, ressalta que foram vários os oficiais e ministros da Marinha que a presidiram: “o conde de Chabrol em 1827, o barão Hyde de Neuville em 1829, o almirante de Rigny em 1832, o barão Tupinier, diretor de portos e arsenais, em 1839, o almirante Roussin em 1843, e o almirante Mackau em 1844” (1999: 471). A Sociedade de Geografia de Paris é, portanto, indissociável da Marinha francesa.

38 Recupero, aqui, distinção proposta em ensaio de Matthew Edney, para quem a “ideologia da modernidade distanciou as duas principais estratégias representacionais da descrição geográfica”, na medida em que o “texto geográfico e o mapa geográfico foram cada vez mais diferenciados no discurso geográfico conforme mapas e textos receberam sua própria retórica de exatidão e totalidade”, o que seria averiguável em função do “reconhecimento, em meados do século XIX, da cartografia enquanto disciplina distinta e autônoma” (Edney, 1999: 192-193).

39 Ainda segundo Edney, a “ênfase da nova ideologia moderna se dava em observações corretas e adequadas, em vez de [se dar] na razão correta e adequada do Esclarecimento” (Edney, 1999: 191-192, grifos do autor).

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Índice das ilustrações

Título Figura 1. Carte de la province de Rio de Janeiro rédigée d'après un manuscrit portugais inédit et les cartes nautiques de MM. Roussin et Givry, par Louis de Freycinet (1824)
Créditos Fonte: Biblioteca Nacional da França. Disponível em Gallica: https://gallica.bnf.fr/​ark:/12148/​btv1b84455540/​f1.item
URL http://journals.openedition.org/terrabrasilis/docannexe/image/3656/img-1.jpg
Ficheiros image/jpeg, 327k
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Daniel Dutra Coelho Braga, « “Observações que merecem a maior confiança” », Terra Brasilis (Nova Série) [Online], 11 | 2019, posto online no dia 31 agosto 2019, consultado o 15 março 2021. URL : http://journals.openedition.org/terrabrasilis/3656 ; DOI : https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.3656

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Autor

Daniel Dutra Coelho Braga

Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutorando em História Social. CAPES
daniel.dutra@bol.com.br

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