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Indústria e organização espacial: lógicas locacionais dos investimentos na indústria de transformação no estado do Rio de Janeiro (2006- 2016)

Industrie et organisation spatiale: logiques de localisation des l'investissement dans l'industrie de la transformation dans l’etat de Rio de Janeiro (2006-2016)
Industry and space organization: local trends of investments in the transformation industry in the states of Rio de Janeiro (2006-2016)
Industria y organización espacial: lógicas locacionales de inversiones en la industria de transformación en estado del Rio de Janeiro (2006-2020)
Anna Maria Moraes e Leandro Bruno Santos

Resumos

Este trabalho tem como proposta analisar a indústria e a organização do território fluminense num contexto de globalização econômica, em que o espaço e suas virtualidades se tornam fundamentais para a reprodução do capital. Entendemos que é preciso compreender uma série de eventos que colocam a cidade do Rio de Janeiro na posição de poder e hierarquia no contexto da rede urbana fluminense, isto é, é importante pensar em como o Estado do Rio de Janeiro (ERJ) fora construído e que tipo de relação entre metrópole-interior fora estabelecida. A década de 1990, mesmo que em seu contexto de crise, indica novas perspectivas ao delinear o começo de uma possível reestruturação urbano-regional com a exploração da Bacia de Campos. A própria dinâmica demográfica do ERJ nos conduz a reflexões importantes ao relacionar fluxos migratórios, crescimento econômico e demográfico que se evidenciam como produto dessas transformações na rede urbana. Nesta perspectiva, avaliamos os investimentos realizados, as empresas instaladas e os estabelecimentos industriais no Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2006 e 2016. Os resultados mostram uma concentração setorial e espacial desses investimentos, indicando uma dificuldade do ERJ em superar antigas problemáticas no que concerne à diversificação de suas atividades e às desigualdades espaciais. Isto quer dizer que: a concentração setorial reforça a ideia de uma economia estadual totalmente dependente de algumas atividades, seja por meio de investimentos do Governo Federal ou do próprio setor petrolífero, e a concentração em determinadas regiões, especialmente em algumas cidades, denotando as fragilidades da rede urbana fluminense em se constituir de modo mais integrado e não somente enquanto pontos de apoio às atividades industriais.

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Introdução

1Ao procurar compreender a lógica de organização espacial da indústria no estado e as tendências recentes de localização espacial dos investimentos na indústria de transformação, é preciso, antes de tudo, identificar as origens de seu surgimento e consolidação no Estado do Rio de Janeiro (ERJ). Desde o início do processo de industrialização no atual ERJ, a metrópole do Rio de Janeiro experimentou diversos papéis, logrou uma série benefícios e privilégios. Essas atribuições contribuíram para a hegemonia do Estado da Guanabara, ainda no século XX, frente ao Estado do Rio de Janeiro, que compreende, nos dias atuais, o interior do ERJ. É certo que essa relação ainda se mantém, perpassando por um contexto significativo de relações de poder, hierarquia e dependência.

2O principal objetivo deste texto é, para além de trazer perspectivas históricas e relacioná-las com o atual contexto, elucidar como os investimentos industriais ainda têm sido pautados sob uma lógica que ganha expressividade na fragmentação do território e exclusão de determinadas regiões do estado. Assim, torna-se evidente que, em algum grau, contribuem e acabam por reforçar as desigualdades espaciais presentes no ERJ. Os procedimentos metodológicos consistem no levantamento e leitura bibliográfica, coleta de dados secundários (IBGE, RAIS/CAGED) e elaboração e aplicação de entrevistas com representantes de instituições públicas no ERJ (CODIN, FIRJAN), sistematização e análise dos dados à luz das referências utilizadas.

3Para fins analíticos, o artigo se encontra estruturado em três seções, além desta introdução, das considerações finais e das referências. Na primeira seção, delineamos os processos que deram origem à indústria no Estado. Na segunda seção, analisamos as décadas de 1980 e 1990, seus momentos de crise e seus respectivos impactos que ensejaram novas perspectivas para a economia fluminense. Na última seção, abordamos alguns dados que evidenciam a atual lógica de localização espacial dos grandes capitais no território fluminense. Ao final, constam as considerações finais e as referências.

Indústria e organização do território fluminense

4Nessa seção, nossa preocupação central é tratar do processo que leva à industrialização no ERJ, sendo necessária uma breve contextualização histórica sobre a origem da indústria. Podemos iniciar a discussão com uma questão levantada por Ester Limonad, no fim da década de 1990, para quem “a urbanização e industrialização do Estado do Rio de Janeiro não pode ser estudada apenas localmente, com riscos de particularizarmos aspectos específicos e perdermos a visão de conjuntos de processos gerais que regeram a ocupação do território” (LIMONAD, 1990, p.75). Dessa forma é importante um olhar multiescalar para um processo que englobou diversos ciclos econômicos ao longo de séculos, para ganhar, de fato, concretude no século XX no atual território do ERJ. Sob a perspectiva que o fenômeno da industrialização foi perpassado por esses ciclos, faz-se imprescindível sua contextualização.

5No período colonial, o Rio de Janeiro se tornou a sede efetiva do poder político-administrativo da Coroa Portuguesa no Brasil. Esta competência se deu graças à maior facilidade do escoamento de produção e, sobretudo, à proximidade com outros dois centros de relevância nacional, São Paulo e Minas Gerais. Deste modo, concordamos com Limonad (1990, p. 75):

Neste contexto o Rio de Janeiro firmou-se como centro político, administrativo e financeiro de uma sociedade dominada pela Coroa portuguesa. O interior do estado só começou a ser efetivamente ocupado a partir do século XIX com o ciclo do café. As cidades e vilas do território do atual estado configuravam-se como entrepostos de troca de mulas no caminho das Gerais ou como aldeamentos jesuítas, com exceção de Campos que se destaca no século XVIII e início do XIX devido ao ciclo do açúcar.

6 Em particular, é preciso investigar as raízes que fundamentaram a relação capital-interior. É evidente a pouca integralidade com o interior, cujo desenvolvimento esteve centrado em mero ponto de apoio, ora para escoar a produção, ora para servir de exército de mão-de-obra. Trata-se, então, de uma relação estabelecida na secundariedade e dependência para com a capital. Algumas cidades tiveram seu desenvolvimento ao longo de importantes eixos, que conectavam o atual ERJ com São Paulo e Minas Gerais, mas que se mostraram incapazes de estabelecer uma rede urbana mais significativa.

7A priori, no decorrer do século XVII, o Rio de Janeiro teve sua economia pautada na produção de açúcar e aguardente; posteriormente, são descobertas as jazidas auríferas em Minas Gerais, mantendo o estado na posição de importante centro para o escoamento da produção. Ademais, podemos mencionar o ligeiro aumento das atividades econômicas e o crescimento populacional. Com a chegada da Família Real (1808), tornaram-se perceptível as mudanças instauradas a fim de conferir legitimidade aos interesses e às demandas da nova classe social que surgia no país. Mais tarde, é o processo de independência que molda a cidade do Rio de Janeiro, a qual se mantém enquanto poder central, uma vez que lhe é atribuída o papel de Município da Corte.

8 No século XIX, o estado conheceu o desenvolvimento da cafeicultura. A análise evidencia que a mesma foi agente direto no que concerne à interiorização urbana e econômica, extrapolando os limítrofes da metrópole. O processo de urbanização sentido conferiu, ao Médio Paraíba e a alguns trechos serranos, certo destaque, uma vez que, no século XIX, o Brasil teve o café como um dos principais pilares de sua economia. Cabe dizer que fatores relevantes, como rentabilidade e rápido crescimento, permitiram, em especial ao atual Médio Vale do Paraíba, um incipiente crescimento, isto porque, pouco tempo depois, a atividade perdeu fôlego, enquanto o Médio Vale paulista continuou a experimentar os resultados positivos da cultura cafeeira.

9 É com a Proclamação da República (1889) que surge a expressão de “Município Neutro”, ratificando a importância da cidade do Rio de Janeiro como lócus do poder político, uma vez que se torna “sede provisória do Governo Federal”. Oliveira (2008) comenta que, a partir das atribuições dadas ao Rio de Janeiro, gerou-se um modelo de desenvolvimento e industrialização fortemente dependente das ações do Governo Central, que se tornou principal investidor produtivo na economia do país e do estado.

10 Com base nesta rápida retrospectiva, consideramos adequado, em seguida, delinear a origem da indústria no atual território do Estado do Rio de Janeiro. Com o fim do século XIX e a chegada do século XX, o ERJ – sobretudo a cidade do Rio de Janeiro e algumas cidades vizinhas, como Petrópolis e Nova Friburgo – experimentou ampliação da capacidade industrial que, segundo Limonad (1990), deveu-se ao significativo aumento do contingente de força de trabalho - propiciado pela abolição da escravatura (1888) e a eclosão de mão de obra livre - e da melhoria nas condições de circulação e criação de mecanismos de crédito e câmbio.

11É de todo oportuno frisar que o modelo de desenvolvimento da industrialização, no Estado do Rio de Janeiro, não foi pensado para além dos limítrofes da RMRJ. De início, quase que única e exclusivamente, a cidade do Rio de Janeiro dispôs de prestígio político e, desde então, não promoveu políticas eficientes para o crescimento e desenvolvimento do interior. Pelo contrário,

Na década de 30 a cidade do Rio de Janeiro mantinha como sede do Governo Federal, a característica de centro político e financeiro do país e beneficiava-se da arrecadação de rendas federais pela União e dos tributos da natureza estadual e municipal gerados no território do Distrito Federal. Sua importância como centro de serviços e o dinamismo de seu parque industrial refletiam-se em sua renda per capita, na existência da qualidade dos serviços (LIMONAD, 1990, p. 122).

12 O conjunto desses fatores explicitados culminou na expansão demográfica da cidade do Rio de Janeiro e na proliferação de problemas urbanos. O período de maior intensidade da urbanização brasileira ocorreu entre os anos 1940 e 1980, sobretudo entre 1960 e 1980. Trata-se de um período marcado por forte mobilidade da força de trabalho, ocasionada por intensos fluxos migratórios. Assim, é interessante observar como os fluxos migratórios também exibem queda à medida que a ERJ perde destaque no cenário nacional.

13 A 1º e 2º Guerra Mundial indicam uma das singularidades da industrialização no ERJ, isto porque, segundo Oliveira (2008, p. 70),

o que mais evidenciou a fragilidade da industrialização no ERJ, contudo foi a aproximação da I Guerra Mundial. As dificuldades geradas no mercado mundial, relacionadas a produção e circulação (cujo acesso ficava limitado com a maior dificuldade de transporte marítimo), mostraram, por um lado, o auto grau de dependência de produtos e insumos externos.

14Cabe ressaltar que, durante o período entre guerras, houve mudanças significativas, haja vista que a industrialização é tida como setor chave pós 2º Guerra Mundial. Além disso, “a industrialização baseada na substituição de importações, a partir de 1930, acentuou a concentração de investimentos no Rio de Janeiro e São Paulo” (LIMONAD, 1990). Sob essa perspectiva, devemos pontuar o padrão de centralidade com que dispõe o ERJ no cenário nacional, uma vez que, segundo Dias (2012), destacam-se setores das chamadas indústrias de base e bens intermediários, diferente de São Paulo, onde os setores de ponta se projetaram. Entre as empresas de bens de base e intermediários, podemos citar Companhia Siderúrgica Nacional (1941), Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Fábrica Nacional de Motores (1948) e Refinaria de Duque de Caxias (Reduc).

15Assim, é preciso frisar, mais uma vez, a importância do Governo Federal para o fomento e manutenção das indústrias no ERJ, pois, na década de 1960, com a transferência da Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília, o ritmo dos investimentos na industrialização fluminense perde fôlego. O ERJ deixa de ser palco da atração dos principais investimentos no país e começa a sentir não só os efeitos da transferência da capital como também o impacto de outros fatores. Entretanto, por outro lado, há de se reiterar a hegemonia conquistada pela cidade do Rio de Janeiro. Como sustenta Limonad (1990, p. 133):

A concentração industrial na cidade do Rio de Janeiro pode ser explicada por sua importância como capital federal até 1970, com o acúmulo de funções e gestão empresarial e difusão de informação e serviços conjugada a existência de um mercado consumidor e de um trabalho urbano, além de algumas dotações energéticas.

16 Os efeitos da transferência da capital federal já podiam ser sentidos antes mesmo de ela ocorrer, porque o Rio de Janeiro já indicava, ao longo de sua trajetória, a falta de competitividade frente à indústria de São Paulo. Por ora, não é importante explicitar aqui os motivos pelos quais a indústria fluminense não conseguiu criar mecanismos efetivos para o fortalecimento de seu desempenho nacional, mas apenas constatar que, em decorrência da transferência, a cidade passou a não ser prioridade do Governo, embora grande parte das estatais tenha permanecido em território fluminense.

17 Após a transferência, muito se propalou acerca da criação de um novo estado, o Estado da Guanabara. Segundo Oliveira (2008, p. 95), “a reintegração do ex-território federal, a cidade do RJ, ao ERJ era considerada por muitos políticos como necessária, significando uma recomposição das ‘raízes históricas’ da organização social do povo fluminense”. É possível afirmar, especialmente por parte dos empresários e da elite, o interesse na fusão. A isso, soma-se a conjuntura nacional do período em questão. Segundo o autor,

De um lado, para os políticos da Guanabara, o ato teve para o governo militar um fundamento mais político do que econômico, baseado em uma ótica estratégica em relação ao que considerava “a caixa de ressonância política da federação”. Durante o Regime Militar, era considerado um constrangimento o governo da Guanabara ser assumido por políticos “oposicionistas” como Negrão de Lima e Chagas Freitas (OLIVEIRA, 2008, p. 97).

18

19Podemos evidenciar que a fusão teve razões de cunho econômico e, sobretudo, político. Era de total interesse a reintegração desse território para que o Rio de Janeiro voltasse a ser prioridade nacional, sob a justificativa da perda de influência e destaque na economia. Contudo, as expectativas foram frustradas, tendo defensores da ideia que uma das razões da crise do Estado, para além do aspecto econômico, tem seus agravantes nas esferas sociais. Denota-se a incapacidade da elite carioca em admitir e enfrentar seus problemas sem culpabilizar somente as renúncias do Governo Federal. Assim:

a degradação econômica (e societária) do ERJ, se explica, também em parte, pelas práticas e elaborações discursivas de dadas frações empresariais atuantes nesta unidade federativa, posto que elas afiançaram historicamente a reprodução de uma estrutura econômica tornada crescentemente frágil frente à de outros estados (NATAL, 2005, p. 45).

20A partir da década de 1980, o Estado passa por uma crise severa, que se expressa de maneira mais intensa nos anos 1990. Segundo Natal (2005), a crise abarcou diversas esferas: econômica, social e político institucional. A análise evidencia como uma das principais causas a incapacidade do Rio de Janeiro em tornar-se competitivo, especialmente com relação à economia de São Paulo. Desde o começo do século XX, a economia fluminense já dava indícios de sua instabilidade e aos poucos foi perdendo competitividade e participação relativa na produção industrial.

21A indústria do Rio de Janeiro foi constituída, historicamente, para o consumo interno e de bens intermediários, enquanto São Paulo destinou sua produção para o consumo externo e sediou indústrias de alta tecnologia. O aspecto social também contribuiu bastante para a acentuação da crise. No final da década de 1990, o ERJ, sobretudo a cidade do Rio de Janeiro, passou a enfrentar o agravamento, de modo mais dramático, da violência, da favelização e de problemas urbanos de modo geral. Se de 1940-1980, o ERJ foi o 2º maior centro receptor de fluxos migratórios nacionais (DIAS, 2012), ao final do século XX, a situação havia sido revertida. A cidade do Rio de Janeiro já não era mais palco de atração dos migrantes nacionais, pelo contrário, em decorrência das problemáticas sociais e da crise, que levou à diminuição de empregos, o Rio perdeu importância.

22Outro aspecto relevante é compreender o “esvaziamento” atrelado à cidade do Rio de Janeiro. O fenômeno permaneceu restrito à Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) ou se estendeu para além dela? Torna-se necessário entender esse discurso e se há algum tipo de apropriação dele. Dentro da literatura que compõe as temáticas aqui trabalhadas, podem ser encontras as duas versões. Entretanto, é necessário frisar que, embora a cidade do Rio de Janeiro tenha perdido algumas empresas, especialmente as de capital privado para outros estados, as empresas estatais mantiveram suas sedes de controle e gestão na capital. Ademais, mesmo com a perda de influência e magnitude, o ERJ tem a expansão de novas indústrias, especialmente no setor petrolífero. Os dados comprovam que, entre meados e finais do século XX, a indústria extrativa mostra um crescimento favorável em detrimento da indústria de transformação.

23Dias (2012) defende que o termo “esvaziamento” econômico não é um dos mais precisos para retratar a dinâmica econômica fluminense ao longo da industrialização brasileira, tendo em vista sua trajetória claramente expansiva. De fato, o termo é um tanto genérico quando referenciado somente a uma dada temporalidade, tampouco podemos afirmar que é recente. O esvaziamento econômico já era sentido muito antes da transferência para Brasília ou das renuncias feitas pelo Governo Federal. Embora o ERJ tenha tido uma notória expansão das suas atividades industriais, e tenha atuado como lócus para instalação vários setores, enfrentou a dificuldade de acompanhar a trajetória exibida por São Paulo. Segundo Sobral (2017, p. 5), “do ponto de vista industrial, a economia regional do Rio de Janeiro se tornou complementar à paulista".

24Em sua acepção mais ampla, outro aspecto que merece destaque é a lógica de localização das indústrias no território do ERJ. A análise evidencia que há, de certo modo, concentração populacional, de recursos e, sobretudo, das atividades industriais na RMRJ. Para além disso, “a concentração industrial na cidade do Rio de Janeiro gera desequilíbrio na rede urbana” (LIMONAD, 1990, p. 127). Concentração essa que, ao delinearmos uma evolução histórico-geográfica da indústria no ERJ, é característica marcante no estado. Ainda assim, deve-se olhar com cautela para a expressividade que o Médio Vale Paraíba atinge com o ciclo do café, em meados do século XIX, e também em finais do século XX, com as políticas de atração da indústria automobilística.

25 Como já fora mencionado, a cidade do Rio de Janeiro, desde o período colonial, é tida como centro de referência político-administrativa e, apesar de ter perdido um pouco de seu protagonismo – especialmente no final do século XX –, ainda carrega traços da importância que lhe foi atribuída. Atualmente, funciona como centro de controle e gestão das sedes de grandes empresas, em especial por possuir redes de comunicação e transporte que lhe permitem maior fluidez do capital.

26 Por fim, outro ponto que merece destaque é a importância que o setor petrolífero tem ao impor ritmos e rumos da economia fluminense. Além de ser um dos setores mais beneficiados da economia, cabe a ele ditar também onde os maiores investimentos no ERJ irão se concentrar, haja vista que, por meio da análise dos dados (CODIN, indústria/estabelecimento), podemos concluir que este ramo, atrelado ao automobilístico e ao da construção, é colocado como prioridade para o ERJ. É válido mencionar a profunda dependência do ERJ com este setor e a dificuldade de diversificação de suas atividades e bases produtivas, dando ao setor a capacidade de movimentação ou enfraquecimento da economia fluminense. Assim,

Como consequência, revela uma economia muito dependente do aproveitamento de algumas vantagens já reveladas que passam a ser consideradas suas ‘vocações’ por suas elites decisórias, inclusive, muitas vezes provocando situações de euforia exagerada sobre suas potencialidades (SOBRAL, 2017, p. 6)

27Por fim, podemos levantar questões importantes. É preciso dizer que, de fato, como já havia sido colocado por Davidovich (2000), que o ERJ passa, no final da década de 1990, pelo processo de abertura de antigas unidades produtivas, sem visar investimentos em outras atividades inovadoras. A dependência estabelecida com um único setor vulnerabiliza sua economia e diminui as chances de uma recuperação econômica e reestruturação produtiva mais sólida. Em vez de realizar um diagnóstico rápido da dinâmica econômica e territorial do Estado do Rio de Janeiro, é preciso que o poder público, e para além do Governo Federal (que, embora tenha injetado inúmeros investimentos no século passado, esta situação não depende somente dessa esfera de governo), encare suas problemáticas como elas de fato são, sem soluções infundadas e rasas para problemas com raízes históricas e estruturais.

Inflexão econômica, reestruturação produtiva e mudanças na relação capital interior nos anos 1990

28Uma das particularidades do ERJ traduz-se em intensa desigualdade entre metrópole e interior. É notório como a capital concentra grandes projetos de investimentos, recursos, grau de infraestrutura mais elevado e população. Ainda que sob um cenário de forte concentração, desde finais dos anos 1990, com a expansão de atividades no interior estado (exploração da Bacia de Campos e o boom da atividade petrolífera), ocorreu uma diminuição da concentração na RMRJ, culminando em uma reestruturação urbano-regional. O processo de reestruturação movimenta-se para além da esfera econômica e atinge também a esfera política. O território traduz-se como um instrumento de controle e é lócus de territorialidades que se revelam em relações, principalmente relações de poder (OLIVEIRA, 2008). Isso implica dizer que, por detrás de todas as transformações que perpassam a relação entre região metropolitana e interior, há o cunho político como principal agente transformador.

29Iniciamos a seção inserindo o retrato do atual Estado do Rio de Janeiro, contudo, é preciso resgatar as perspectivas prevalentes no final do século XX para elucidarmos as práticas e as lógicas que se resvalam nos dias atuais. Neste sentido, retomar as décadas de 1980 e 1990 nos conduzem à potência de um debate acerca da inflexão econômica positiva (NATAL, 2005) do ERJ em meados dos anos 1990.

30A década de 1980 perpassa por um conjunto de crises que se expressam de modo mais dramático no ERJ. Nosso intuito não é apresentar razões para a crise em âmbito nacional, mas contextualizá-la com o território fluminense. Concordamos com Natal quando ele diz que “é sabido que a economia fluminense experimentou determinada crise econômica no período compreendido entre os anos 1980-1995; nesses termos se pode dizer que ela foi relativamente longeva” (NATAL, 2005, p. 72). Para o referido autor, é possível delinear algumas causas desta crise, entre elas: a decadência e a própria falta de competitividade da indústria fluminense, especialmente se comparada com a paulista (inclusive, como já bem colocado por Sobral, a indústria fluminense serviu como complementar à paulista); efetiva redução do conjunto de gastos públicos (fomentados ainda mais sob uma perspectiva neoliberal, que exibe maior expressividade no início dos anos 1990) e o agravamento de conflitos de natureza federativa.

31Todos esses fatores mencionados alhures, aliados ao agravamento de questões societárias, culminaram no que ele denomina “o Rio de todas as crises”. Isto é, para além de aspectos econômicos, a sociedade fluminense era incapaz de vislumbrar grandes mudanças do cenário colocado até então. Outras problemáticas, como o aumento da favelização, a deterioração das condições de moradia e trabalho e a violência urbana, contribuíram para que este quadro se agravasse de modo ainda mais dramático.

32Durante os anos 1990, mesmo que com o acirramento de determinadas práticas e fenômenos, como ações de cunho neoliberal e a guerra fiscal, o ERJ passou a exibir uma recuperação econômica. É importante ressaltar que seus resultados não são extraordinários, mas que, quando comparado com as sucessivas perdas de importância no cenário nacional e o enfraquecimento de seu desempenho, temos, inegavelmente, certa melhora. O Plano Real (1994), instaurado durante a gestão do ex-presidente Itamar Franco, atuou como uma forte medida no que concerne à estabilização da economia e ao aumento da oferta de empregos. Ademais, temos o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, que visava à adequação da cidade a uma nova ordem internacional, com o intuito de tornar seu território mais atrativo para os grandes capitais, sobretudo estrangeiros (NATAL, 2005).

33Esse empreendedorismo urbano nos leva a uma discussão já colocada por Marcio Cataia (2012), a “alienação do território”. De modo amplo, quer dizer que: os estados, ou em menor escala, municípios, devem ordenar e, na mesma medida, dispor de uma série de obras no tocante à infraestrutura (melhoria em rodovias, oferta de terrenos etc.), isenções fiscais, com a prerrogativa de atrair investimentos, mas que, na realidade, acabam se tornando reféns desta política. É como se o estado precisasse se adaptar a esses investimentos quando, na verdade e em algum grau, a cidade também o condicionasse. Neste sentido, “a seletividade na distribuição de bens e serviços pelo território corresponde uma seletividade no seu consumo, por isso ‘o valor do indivíduo depende, em larga escala, do lugar onde está” (CATAIA, 2012, p. 01)

34 Sob tais perspectivas, a consolidação da inflexão econômica positiva seria resultado do dinamismo econômico oriundo de certa expansão das indústrias de transformação, extrativa e, sobretudo, do crescimento do setor petrolífero. Este setor ganha notoriedade e concretude a partir da descoberta e exploração da Bacia de Campos, no Norte Fluminense, propiciando a dinamização da economia fluminense e configurando um outro papel para as cidades que lograram a instalação de empreendimentos relacionados ao setor. Ou seja, como reafirma Natal, “há um aumento da utilização da capacidade instalada no setor industrial” (NATAL, 2005, p. 83), uma vez que este processo industrial é retomado. Contudo, é importante frisar que a decisão de reativar importantes plantas industriais indica a dificuldade do Estado do Rio em conseguir diversificar e complexificar sua produção industrial (DAVIDOVICH, 2000).

35A análise da dinâmica demográfica fluminense tem se mostrado uma importante dimensão para a compreensão de certas questões e nos conduz a reflexões necessárias para pensar como rede urbana, crescimento demográfico e empregos estabelecem entre si profunda relação. Neste sentido, é preciso, mais uma vez, resgatar evidências do século passado para entender o presente. Em exame, a literatura indica que, se no começo do século XX o ERJ era um dos maiores receptores de fluxos migratórios do Brasil, ao final deste mesmo século, outro contexto é colocado em questão. Há uma significativa diminuição desses fluxos, uma vez que, na década de 1980 e sobretudo de 1990, as condições de vida e de trabalho, e o próprio agravamento da violência urbana, mostram-se como fatores capazes de repelir fortemente essas migrações. No entanto, podem ser elencados outros fatores responsáveis por essa diminuição.

36 Sob tais perspectivas, segundo Santos (2003), a transferência da capital federal para Brasília (1960) implicou em uma mudança de funções administrativas, reforçando a perda de atração demográfica já em curso. Confirmando-se tal cenário, temos a diminuição de movimentos e fluxos migratórios de longa distância, reforçando outros de menor alcance. Acrescente-se a isto, o boom de municípios criados na década de 1980, que resulta em uma redistribuição populacional dentro do próprio estado. A autora ainda nos coloca que, devido a uma malha urbana insuficiente, o interior fluminense encontrava-se limitado para lograr com benefícios de uma possível expansão industrial. Assim, cabe ressaltar:

quanto maior for sua capilaridade, portanto, maior for o número de cidades intermediárias entre os pequenos núcleos urbanos e os espaços metropolitanos, maior será a gama de ofertas locacionais à disposição dos agentes que demandam o espaço urbano, em particular investimentos industriais (SANTOS, 2003, p. 113)

37 Este último trecho se faz válido ao estabelecer comparação com uma das entrevistas realizadas com instituições públicas que cuidam e implementam a política de isenção fiscal.Segundo o informante 2, se o capital empresarial tiver de escolher entre uma cidade no interior do ERJ ou no interior do Estado de São Paulo, certamente escolheria por este, já que o interior paulistano pode oferecer uma série de vantagens como índices de qualidade de vida favoráveis e rede de serviços bem estruturados, que as cidades do interior fluminense ainda não são capazes de oferecer, quer dizer, não oferecem na mesma medida.

38No interior do ERJ, onde mesmo aquelas que no passado lograram a instalação de determinadas atividades, pouco se desenvolveram; o que podemos observar são centros regionais, como Campos e Macaé, que se destacam por ofertar serviços mais variados e infraestrutura ligeiramente superior às demais cidades do Norte Fluminense. Esse debate nos conduz a pensar o papel das cidades médias no contexto da rede urbana de modo mais amplo e, sobretudo, no território fluminense. As cidades médias do ERJ, embora passem por um processo de crescimento demográfico e certa expansão de suas atividades industriais, são capazes de oferecer o aporte necessário que esses investimentos procuram?

Lógica locacional dos investimentos no território fluminense no século XXI

39Nesta seção, analisamos os principais investimentos realizados na indústria de transformação no ERJ. Os dados estão disponíveis no site da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN), contendo informações entre os anos de 2012 a 2016. Assim, a tabela 1 se mostra importante na tentativa de compreender um pouco sobre os investimentos, bem como ramo/setor dos investimentos e que ainda fornece um panorama sobre a geração de empregos a partir de sua implementação.

Tabela 1 - Empresas instaladas no Estado do Rio de Janeiro entre 2008 a 2018

Empresa

Setor

Valor

Emprego

Ano

Bunge

Alimentos e Bebidas

500.000

300

2016

Saint-Gobain

Construção

71.000

100

2015

Deca

Construção

120.000

600

2013

Siniat

Construção

160.000

90

2016

Rolls-Royce

Óleo e gás

200.000

100

2014

Michelin

Setor automotivo

1.082.000

563

2012

Nestlé

Alimentos e bebidas

166.500

235

2012

Nissan

Setor automotivo

200.000

3.300

2014

Technip

Óleo e gás

600.000

6.500

2014

Jaguar

Setor automotivo

750.000

1000

2016

G&

Pesquisa e desenvolvimento

500.000

200

2014

NOV

Óleo e gás

500.000

400

2014

P&G

Cosmético e Higiene

350.000

250

2015

Lafarge

Construção

66.113

50

2014

Hyundai

Setor automotivo

300.000

1500

2012

Fonte: CODIN, 2018.

40Em primeiro lugar, há de se reforçar a intensa atuação de capital estrangeiro no que se refere à movimentação da economia fluminense como um todo. A tabela traz um panorama acerca de algumas, talvez principais, empresas instaladas no Estado do Rio de Janeiro, no período de 2012 a 2016. Entre os setores, temos os mais diversos, desde o setor de alimentos e bebidas até o setor automotivo. Entretanto, vale o destaque para o setor de construção que, entre 2013-2016, teve certa notoriedade, ainda que os valores investidos sejam relativamente baixos. Devemos pontuar que o setor mais importante, entre os investimentos citados, é o automobilístico, seguido pelo setor petrolífero.

41A tabela por si mesma carece de informações sobre a espacialização dessas atividades. Mas, ao analisar esse aspecto, podemos concluir que: Bunge encontra-se no município de Duque de Caxias, Saint Goban em Campo Grande, Deca no município de Queimados, Siniat no Rio de Janeiro, RollsRoyce em Santa Cruz, Michelin em Resende, Nestlé no Rio de Janeiro, Nissan em Resende, Techinip em Macaé, Jaguar em Itatiaia, NOV em Macaé, Lafarge em Santa Cruz e Hyundai em Itatiaia. Em síntese, a maioria dessas empresas atua na própria cidade do Rio de Janeiro, tendo importante acesso ao Médio Vale Paraíba. Assim, outras regiões como a Serrana, o Norte e o Noroeste Fluminense sequer são contempladas, mostrando a seletividade espacial do capital (CORRÊA, 2000). Por fim, salientamos que, no caso das empresas instaladas no interior, embora elas se instalam em outras partes do território fluminense, suas sedes, de onde são tomadas decisões específicas da produção, permanecem na cidade do Rio de Janeiro, tornando-a centro de gestão e controle do território.

42A propósito da geração de postos de trabalho, o setor que teve maior contribuição foi o de Óleo e Gás, particularmente com a empresa Technip, que está sediada em Macaé. A empresa integra a cadeia produtiva oferecendo suporte à extração de petróleo na Bacia de Campos. Outra que merece destaque é a Nissan, pertencente ao setor automotivo, que está presente em Resende, no Médio Vale Paraíba. O que, ainda que superficialmente, mostra uma atuação mais intensa de setores mais específicos para com determinadas regiões no ERJ, demonstrando certa especialização regional (DIAS, 2012). Assim, mais uma vez, podemos chamar a atenção para a pouca diversificação das atividades econômicas e a elevada concentração espacial da produção industrial no ERJ.

43É digno de nota, sobretudo, o caso da empresa Michelin, sediada em Resende, que possui o maior valor demonstrado na tabela, em que se torna evidente que a geração de empregos, fora, como nas outras empresas, incipiente. Em contrapartida, a Saint-Gobain, sediada no distrito de Campo Grande, na cidade do Rio de Janeiro, que produz e distribui materiais de construção, tem um valor relativamente baixo mas emprega um número razoável se comparada com as demais empresas. Em síntese, devemos ponderar que, conforme já colocado em linhas anteriores, a geração de empregos é visivelmente desproporcional aos diversos benefícios que são concedidos a essas empresas.

44Essa lógica de concentração espacial dos investimentos produtivos também está presente nos investimentos anunciados divulgados pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN). Embora se tratem de intenções de investimentos, os dados indicam a direção do capital produtivo num determinado período de tempo e a sua espacialidade. A partir dos dados, podemos notar que a RMRJ concentra grande parte das expectativas dos investimentos em ambos os períodos (tabela 2 e 3).

Tabela 2 - Investimentos anunciados para o ERJ (2011-2013)

Região¹

Valor (bilhões R$)

%

Metropolitana

32,2

17,2

Leste Fluminense

13,2

7,3

Sul Fluminense

11,4

6,3

Norte Fluminense

14,0

7,7

Serrana

1,8

1,0

Noroeste

0,5

0,3

Várias²

108,3

59,7

Total

181,46

100,0

¹ Regionalização utilizada para FIRJAN/RIO

² Investimentos que não se restringem a apenas uma região

Fonte: Costa (2019)

45

Tabela 3 - Investimentos anunciados para o ERJ (2014-2016)

Região¹

Valor (bilhões R$)

%

Metropolitana

77,2

32,8

Leste fluminense

25,6

10,9

Sul fluminense

14,0

6,0

Norte fluminense

0,9

0,4

Serrana

0,4

0,12

Noroeste

0,9

0,4

Várias²

143,0

60,07

Total

235,6

100,0

¹ Regionalização utilizada para FIRJAN/RIO

² Investimentos que não se restringem a apenas uma região

Fonte: Costa (2019)

46Os dados indicam, ainda, as baixas perspectivas de investimentos nas regiões Norte fluminense e Serrana, caindo de 7,7% e 1%, no biênio 2011-2013, para 0,4% e 0,12%, no período entre 2014-2016, respectivamente (COSTA, 2019). O Norte Fluminense, num primeiro momento, apresentou tendência de aumento dos investimentos para, num momento seguinte, exibir queda, refletindo as mudanças relacionadas ao Porto do Açú, no município de São João da Barra. A região leste apresentou uma intenção de aumento de capitais produtivos, de 7,3% das intenções de investimentos e passa para 10,9%.

47Nos dois momentos divulgados, os investimentos que contemplam mais de uma região são responsáveis por mais da metade dos investimentos anunciados, caracterizado como sendo infraestruturais (COSTA, 2019). Também notamos o incremento das intenções de investimentos entre os dois períodos, passando de R$181,46 bilhões, entre 2011 e 2013, para R$235,6 bilhões, entre 2014-2016. As demais regiões do ERJ apresentaram alterações com pouca expressividade. Porém, reforçando as tendências já mostradas, mesmo que no plano das expectativas, existe uma tendência de um aumento, em volume e em proporção dos investimentos, para a RMRJ, evidenciando, talvez, um movimento de reconcentração espacial.

48 A metrópole do Rio de Janeiro, historicamente, sempre concentrou investimentos, infraestrutura econômica e social (rodovias, aeroportos, educação etc.) e recursos, contribuindo para a maior concentração populacional. Assim, há de se ressaltar a concentração de investimentos e industriais na metrópole e seu entorno, embora, aos poucos, o interior esteja passando por um processo de ressignificação de seu território, que é propiciado pelo perfil de novas cidades, sobretudo as médias e de porte médios, dinamizadas pela instalação de investimentos industriais relacionados às indústrias automobilística e petrolífera.

49Contudo, essa ressignificação do interior parece ser bastante seletiva, tendo em vista que, segundo dados de empregos na indústria de transformação (tabela 4), a Região Metropolitana concentrou a maior número de empregos, sendo seguida pelo Vale do Paraíba. Podemos notar, portanto, que as duas regiões tradicionalmente importantes quanto ao adensamento industrial continuam a receber os estabelecimentos industriais e a concentrar o emprego no estado.

Tabela 4 - Número de empregos na indústria de transformação por regiões de governo -2006-2016

Ano

Metropolitana

Noroeste Fluminense

Norte Fluminense

Serrana

Baixadas litorâneas

Médio Paraíba

Centro-Sul Fluminense

Costa Verde

2006

212299

5634

15291

32861

3745

33348

7042

8619

2007

217158

6057

18462

35332

3131

37157

8199

7581

2008

223936

6497

17756

36745

3715

38198

8599

7537

2009

225242

6962

17455

37410

4190

37077

9253

8074

2010

253598

7665

18469

40950

4802

43069

9986

9032

2011

260907

8592

19324

41254

5729

45019

11920

8406

2012

265423

9446

20773

40396

5980

47132

12108

9476

2013

266869

9794

19503

39342

6156

48432

11674

8828

2014

265673

9832

20467

38165

6396

46580

12984

9818

2015

234241

9106

19746

35427

6160

41751

12010

8566

2016

206504

8696

17169

33595

5212

39982

10884

5550

Total

2631850

88281

204415

411477

55216

457745

114659

91487

Fonte: Barcelos, 2018.

50É possível apreender que apenas a Região Serrana, de modo geral, não apresentou números consideráveis entre os anos analisados; embora as demais regiões apresentem, entre os anos de 2011-2012, tendência de expansão, pode-se dizer que a trajetória foi marcada por ritmos diferentes. A região da Costa Verde expressa números pouco favoráveis, exceto pelo município de Angra dos Reis, que, de algum de modo, se beneficia da proximidade com a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Na região das Baixadas Litorâneas, os dados não denotam grandes mudanças e impactos no número de empregos, uma vez que tanto seu aumento quanto a diminuição são pequenos. Exceto pelo município de Rio das Ostras, que confere certa notoriedade para a região. A região Noroeste Fluminense, como um todo, apresentou números relativamente bons, apesar da queda no número de empregos. Cabe dizer que foram escolhidos alguns municípios dessa região, e que a análise traduz em parte o cenário previsto. A região do Médio Vale Paraíba exibiu números significativos quando comparada às demais regiões. O município de destaque foi Volta Redonda, que confere maior notoriedade à região. Entretanto, há de se ressaltar que, em outro contexto histórico, esta mesma região também já usufruiu de certos benefícios.

51 Os dados referentes à Região Metropolitana do Rio de Janeiro reforçam o que a literatura tem indicado: sua ação concentradora de empregos, estabelecimentos e uma série de benefícios. Grande parte dos empregos na indústria da transformação está nessa região, sobretudo no município do Rio de Janeiro. Isso nos indica um cenário contrário ao que se esperava com a política de subsídio fiscal, amplamente utilizada nos anos 2010. Mesmo com a concessão de benefícios para que inúmeras empresas se instalassem no ERJ, a situação permanece desproporcional, demonstrando que o número de empregos é incipiente perto do volume das concessões. Neste sentido, como um de nossos informantes comenta em sua entrevista, é preciso que a política passe por uma revisão de sua real eficácia.

52A RMRJ concentra os estabelecimentos de indústria de transformação. Embora tenha tido destaque em 2014, seus números oscilaram bastante, mas, de modo geral, apresentou ligeiro crescimento (tabela 5). A segunda região de destaque é a Serrana, que também teve aumento nos seus estabelecimentos. Regiões como Norte e Médio Paraíba tiveram resultados parecidos. As demais regiões, ainda que com menos estabelecimentos, apresentaram resultados melhores. Os dados mostram uma elevada concentração dos estabelecimentos na indústria de transformação na RMRJ

Tabela 5 - Número de estabelecimentos na indústria de transformação por regiões de governo 2006-2016

Ano

Metropolitana

Noroeste Fluminense

Norte Fluminense

Serrana

Baixadas litorâneas

Médio Paraíba

Centro-Sul Fluminense

Costa Verde

2006

8945

532

746

2132

363

783

330

88

2007

8854

546

732

2243

355

795

350

100

2008

8937

580

717

2360

404

799

378

100

2009

9051

591

712

2527

431

842

421

112

2010

9492

653

802

2769

496

944

461

125

2011

9916

709

836

2927

552

962

516

130

2012

10078

740

852

2929

550

1026

532

136

2013

10188

769

874

2941

596

1038

518

135

2014

10267

772

901

2959

635

1035

511

147

2015

10013

787

915

2885

642

1010

506

145

2016

9598

733

900

2743

616

999

492

146

Total

105339

7412

8987

29415

5640

10233

5015

1364

Fonte:Barcelos, 2018.

53O questionamento aqui se torna ainda mais necessário, pois todas as regiões obtiveram aumento, ainda que não tão expressivo, de seus estabelecimentos, mas que gerou pequenos impactos ou crescimento no número de empregos. Neste sentido, confirme salientam Barcelos; Santos (2018), é preciso repensar a política de isenção fiscal sob a justificativa da geração de empregos e desenvolvimento regional. Podemos afirmar que houve esse desenvolvimento propalado? Talvez em partes porque houve determinado aumento, mas seria incorreto dizer que diminuímos as desigualdades regionais quando a RMRJ detém e concentra empregos e estabelecimentos e as demais regiões dinâmicas mantiveram seu dinamismo.

54 Confirmando-se o cenário já exposto, sistematizamos os dados divulgados pela CODIN sobre a instalação recente de empresas de capital estrangeiro no ERJ. Este documento, a título de informação, e informações sobre investimentos privados (por setor e região) e maiores esclarecimentos acerca das empresas estrangeiras que pretendem ou já estão atuando no ERJ. A tabela 06 é ligeiramente parecida com a tabela 1, que também traz dados acerca das empresas e suas intencionalidades. A diferença apresentada, em dada medida, é a expressiva atuação do capital internacional no que diz respeito à composição espacial e econômica do estado, sobretudo da região metropolitana.

Tabela 6 – Investimentos de empresas privadas (estrangeiras), por setor e região no ERJ

Empresas

Setor

Região

Coca Cola

Alimentos e Bebidas

Região Metropolitana

Roche

Farmacêutico

Região Metropolitana

REMU

Oléo e Gás

Baixadas Litorâneas

Bluepharma

Farmacêutico

Região Metropolitana

White Martins

Químico

Região Metropolitana

SICPA

Químico

Região Metropolitana

Oil States

Oléo e Gás

Região Norte Fluminense

Vallourec

Oléo e Gás

Baixadas Litorâneas

L´oreal

Cosméticos e Higiene

Região Metropolitana

NISSAN

Automotivo

Região Médio Paraíba

Continental

Automotivo

Região Médio Paraíba

ISRI

Automotivo

Região Metropolitana

Pierre Fabre

Farmacêutico

Região Centro Sul Fluminense

McCain

Alimentos e Bebidas

Região Metropolitana

Nestle Waters

Alimentos e Bebidas

Região Metropolitana

Global Logistic Properties

Logística

Região Metropolitana

Galperti

Metalúrgica

Região Metropolitana

Groupe Seb

Pequenos Eletrodomésticos

Região Médio Paraíba

International Automotive Components

Automotivo

Região Médio Paraíba

PSA Peugeot Citroen

Automotivo

Região Médio Paraíba

MAN

Automotivo

Região Médio Paraíba

NORSAFE

Industrial

Região Centro Sul Fluminense

Fonte: CODIN (2019)

55Ao examinarmos os dados, devemos observar, mais uma vez, que a discussão que perpassa a implementação de empresas no Estado do Rio de Janeiro é pautada sob a excessiva concentração em sua região metropolitana. Cabe igual menção que, até os anos de 2010, a tendência observada era uma descentralização das indústrias na região metropolitana, alcançando as regiões Norte e Médio Paraíba. O que está posto, desde os anos 2010 até anos mais recentes, é o processo de (re)concentração dessas empresas na região metropolitana, sobretudo no município do Rio de Janeiro, processo demonstrado por Costa (2019).

56Quanto aos setores, prevalece o automotivo, que se concentrada especialmente a região do Médio Paraíba, onde há, e certa medida, um encadeamento produtivo, uma vez que as montadoras exercem um poder de atração de fornecedores de componentes de uso imediato (just in time) no processo de produção. Os setores de alimentos e bebidas, farmacêutica e óleo e gás têm, cada um, 3 empresas. No que tange ao setores de alimentos e bebidas e farmacêutica, há predomínio para a região Metropolitana (sobretudo o município do Rio de Janeiro), exceto pela empresa francesa Pierre Fabre, localizada em Areal, no Centro Sul Fluminense. O setor óleo e gás, por sua vez, apresenta uma tendência pouco esperada: há, em algum grau, maior dispersão entre as regiões. A Remu está instalada em São Pedro da Aldeia (região das Baixadas Litorâneas; a Oil States está em Macaé (região Norte Fluminense) e a Vallourec, em Rio das Ostras (que também pode ser explicada dada a sua proximidade com Macaé). Os demais setores contam com uma empresa cada, variando conforme a região.

57Por fim, o artigo chama atenção para a importância não somente da discussão sobre o processo de concentração de empresas na RMRJ, mas sim sobre a possibilidade de refletir em que medida estes capitais estrangeiros têm condicionado a rede urbana e esta os têm condicionado. Reconhecemos, assim, que a concentração está posta, ocorre de diferentes maneiras e afeta escalas distintas, uma vez que as redes têm sua própria concretude e materialidade no espaço. Lembremos, a partir de um apontamento colocado por Limonad (1990, p. 127), que “a concentração industrial na cidade do Rio de Janeiro gera desequilíbrio na rede urbana”. Assim, convém resgatar, para além da concentração aqui já exposta, as bases que fundamentam a rede urbana fluminense. Como ela tem sido estruturada e regida através desses capitais altamente seletivos.

58Ampliando a linha de raciocínio e construindo diálogo entre investimentos produtivos através de empresas estrangeiras e rede urbana, concordamos com Corrêa (2004, p. 37) quando ele diz que “a rede urbana é uma forma espacial, isto é, uma expressão fenomênica particular de processos sociais que se realizam em um amplo território envolvendo mediações diversas que se verificam na cidade”. Essa ideia proposta suscita numerosos questionamentos ao pensar o Estado do Rio de Janeiro, uma vez que sua rede urbana atual é fruto de uma combinação singular de elementos que espelham os mais diversos tempos históricos.

59Em tais perspectivas, reforçamos a ideia de que a gênese da rede urbana fluminense que, se comparada com o Estado de São Paulo, apresenta particularidades e tem raízes históricas para problemas que permanecem cristalizados em sua forma. Ainda na concepção de Corrêa (2004), uma rede urbana deve ser entendida a partir do conjunto de centros urbanos funcionalmente articulados entre si. Neste sentido, é possível de fato pensar que o ERJ constitui uma rede urbana integrada? O que a análise evidencia, e que pode ser tomado como ponto de partida para algumas reflexões, é que temos pontos de apoio a partir das mesorregiões. Isto é, dentro desta categoria, existe de modo geral, um centro urbano mais desenvolvido que desempenha atividades e funções específicas em distintas escalas.

Considerações finais

60As discussões apresentadas mostram que é fundamental que se pense o Estado do Rio de Janeiro enquanto um território único, integrado, superando a fragmentação do século XX, sem desconsiderar sua especificidade. A análise evidencia que, mesmo com a fusão em 1975, o ERJ ainda não encontrou ou concebeu meios de pensar em seu território de maneira mais ampla, sem a exclusão de regiões marcadas por seu incipiente desenvolvimento.

61Este aspecto da relação metrópole-interior também se resvala na atual configuração da rede urbana fluminense, uma vez que, ao longo do processo de urbanização e industrialização do Estado, o interior esteve subordinado à capital. As desigualdades espaciais presentes no ERJ são reais e precisam de políticas e meios eficazes de serem superados.

62Apesar dos intentos de diversificação da economia estadual e da desconcentração produtiva, amplamente propalados pelas políticas de isenções fiscais, a economia fluminense ainda exibe uma dependência da dinâmica econômica do setor petrolífero. Isso mostra que é premente a necessidade em ampliar suas atividades econômicas, uma vez que colocar um único setor como responsável para dar potencialidade a uma economia, acaba por sujeitar-se a momentos mais dramáticos de crise e o agravamento de outras questões. É também notório que, a partir da análise da lógica locacional dos investimentos na indústria de transformação, a Região Metropolitana é a que mais tem logrado a instalação dos capitais, mantendo posição de privilégio no que diz respeito à infraestrutura, oferta de empregos e estabelecimentos.

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Bibliografia

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Anna Maria Moraes e Leandro Bruno Santos, «Indústria e organização espacial: lógicas locacionais dos investimentos na indústria de transformação no estado do Rio de Janeiro (2006- 2016)»Espaço e Economia [Online], 15 | 2019, posto online no dia 03 novembro 2019, consultado o 15 março 2021. URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/8443; DOI: https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.8443

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Autores

Anna Maria Moraes

Graduanda em Geografia – UFF

annamariapll21@gmail.com

Leandro Bruno Santos

Professor Adjunto – UFF

leandrobruno@id.uff.br

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