1A
pesquisa em pauta teve como intenção central a investigação acerca das
transformações do capitalismo contemporâneo, sob uma concepção histórica
e geográfica. Para tanto, delinearam-se algumas considerações gerais a
respeito da rede varejista norte-americana Wal-Mart, como ferramenta
para a análise do tema em curso.
2A
expressão “contemporâneo”, aplicar-se-á em relação a toda uma época, a
qual acusa mudanças socioculturais, econômica e política. E, no entanto,
deram forma às maneiras com as quais a sociedade convive no espaço de
uma geração. (NUNES, 1991). Desta forma, o capitalismo contemporâneo,
para os fins deste estudo remete-nos à segunda metade do século XX, no
qual transformou tanto os processos produtivos quanto as relações
sociais e de governo.
3A
formação e a expansão do modo de produção capitalista no mundo, no
decorrer dos séculos, implicaram em um aumento dos meios de acumulação
primitiva, de maneira a permitir uma caracterização do sistema
capitalista em diferentes períodos sob diferentes modelos. Admite-se que
o capitalismo apresenta especificidades em momentos distintos de seu
transcurso global, sem necessariamente alterar o centro vital do
processo de alocação do recurso, onde se situa o fulcro do decurso de
acumulação do capital. Porém este não abandona suas características e se
mantém tão alienante quanto antes.
4O
estudo da base do capitalismo moderno é um protótipo das experiências
subseqüentes das eras capitalistas anteriores, as quais tiveram como
conseqüência, menos uma superação do que uma continuação das relações de
produção. Neste movimento, as sociedades capitalistas, pré-existentes,
arcaram com as mutações apresentadas pelo sistema e propagaram os novos
conjuntos de valores universais adquiridos (DOBB, 1971; ARRIGHI, 1996).
5A
economia capitalista moderna é um imenso cosmos que veio para dominar a
vida econômica, para educar e selecionar os sujeitos de quem precisa,
mediante um processo de sobrevivência dos mais aptos. O espírito do
capitalismo teve de lutar por sua supremacia contra um mundo inteiro de
forças hostis (WEBER, 1967).
6A
fase embrionária de acumulação do capitalismo germina nas malhas da
sociedade feudal e padece dos limites estreitos deste período (HOBSBAWM,
1979). Desse modo, o decurso da ruptura das bases da sociedade feudal
foi dilacerando-se lentamente, cujo processo teve inicio no século XI e
prolongou-se até o século XVI. Para alguns autores, nesse período
permitiu-se generalizar ao contexto mundial como a era do capitalismo.
Ainda que o esboço da produção capitalista fosse prematuro em algumas
cidades do Mediterrâneo, a era capitalista só data do século XVI com o
comercio e o mercado mundial, onde o poder capitalista disperso passa
para um poder concentrado, no caso a fusão do Estado com o capital e
começa a penetrar na produção em escala considerável. (MARX, 1977; DOBB,
1971; BRAUDEL, 1989; ARRIGHI, 1996).
7A
organização e o aumento da produção, a extorsão do trabalho, a prestação
de serviços remunerados, seja por gênero ou em dinheiro, do contrato
salarial, da propriedade privada, da retomada do comercio frente à
circulação de moeda, do abastecimento de produtos para o mercado, do
renascimento da vida urbana e da formação da classe burguesa,
contribuíram para anunciar o desenvolvimento do sistema capitalista. A
essência do capitalismo encontra-se no estado de espírito e no
comportamento humano condizente a existência das formas econômicas de
acumulação. A emergência de novas mentalidades influenciou e inspirou o
modo de vida de toda uma época, de modo que contribuiu para legitimar o
modo de produção capitalista vigente. (DOBB, 1971; MARX, 1977; BRAUDEL,
1989). Na trajetória do capitalismo, a partir da introdução do ‘gene’ do
capital, torna-se claro que o sistema capitalista passou por uma longa
marcha para chegar ao período maduro do capitalismo contemporâneo.
8O
capitalismo contemporâneo não renunciou as bases do regime de
acumulação financeira, em que os mercados e os operadores adquiriram
certa importância (CHESNAIS, 2003), porém anunciou o desenvolvimento do
regime capitalista através dos fatores cognitivos. O capitalismo
contemporâneo consagra-se por apresentar um novo modelo de reprodução do
mundo e um novo modelo de acumulação. Ambos, centrado, sobretudo, nos
movimentos do capital financeiro, na circulação de bens e serviços, na
informação, na satisfação e na eficiência, do que situado somente na
unidade de produção. Esta fase depende mais de uma atividade
intelectual, comunicativa e/ou afetiva, criadora de signos e de
subjetividades do que da própria estrutura produtiva materialista. De acordo com Pelbart,
“a
produção de subjetividade, os processos vitais ricos em relações
intelectuais e valores afetivos, passam a ocupar um lugar cada vez mais
central do processo produtivo”(PELBART, 2003, p. 36).
9Pode-se
considerar que esta ordem capitalística incide na produção de desejo,
subordinada às formas de inconsciente expressivo, sob os fluxos
decodificados que se precipitam e confundem o sujeito. De modo
que a produção materialista, agenciados pelos universos lingüísticos,
pressupõe e condiciona a apropriação e a utilização do consumo pelo viés
do capital. O desejo produz um imaginário
que duplica a realidade como se houvesse um objeto sonhado por detrás
de cada objeto real ou uma produção mental por detrás das produções
reais (DELEUZE & GUATTARI, 1996).
« (...)
o capitalismo liberta os fluxos desejantes, mas nas condições sociais
que definem o seu limite e a possibilidade da sua própria dissolução, de
modo que contraria constantemente com todas as suas desesperadas forças
o movimento que o impele para este limite ». (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 143).
10O
capitalismo iguala-se a ponto de uma máquina moderna que tem o objetivo
de intervir no desejo e transformá-lo numa categoria fundamental da
economia. O capitalismo tende para um limiar que liberta os
fluxos de desejos num campo desterritorializado do sujeito e o incentiva
a consumir.
11As
evidencias de que estamos sob o Império do Efêmero, contribuem para a
espetacularização do real, imprimindo-lhe um sentido puramente
ficcional. Esta artificialidade da vida, que se alimenta do processo
posto em movimento pelo capital, empurra o sujeito sob a apoteose da
sedução e para o declínio da referência. A imagem, instrumento das
estratégias capitalistas, legitima a sociedade do consumo e contribui
para tornar a racionalidade humana num imaginário puro. E isso influi
sobre a razão do indivíduo na construção e reprodução de uma imagem
distorcida e particular do mundo. Assim, o indivíduo torna-se
prisioneiro daquilo que descreve e ao mesmo tempo compactua com o
capitalismo (LIPOVETSKY, 1989; SFEZ, 1994).
12O
capitalismo contemporâneo inscreve-se no tecido social de forma a
domesticar o homem através da linguagem e das relações cognitivas. Este
sistema encontra na produção materialista daquilo que são consideradas
comuns e naturais às maneiras de confundir o sujeito e levá-lo a
consumir sob o signo do novo.
13Na
concepção de Hardt e Negri (HARDT & NEGRI, 2000), as grandes
potências industriais e financeiras produzem não apenas mercadoria, mas
também subjetividades, ou seja, produzem um universo de linguagem que
encerram por construir o simbólico e o imaginário. A
subjetividade é encarada como produção social. Ela é essencialmente
fabricada e modelada no registro social e assumida por indivíduos em
suas existências particulares. (GUATTARI & ROLNIK, 1986).
14Desta
forma, a produção da subjetividade, toma o lugar das coisas materiais e
constrói desde o modelo de consumo até o mundo do consumidor. Esta cria
o universo das necessidades, das relações sociais, dos corpos e mente. A
sociabilidade entre os indivíduos e o mundo passa, no contexto do
capitalismo contemporâneo, pela a artificialidade das coisas. Segundo Moles :
“As
relações do indivíduo com o meio social passam, a partir de agora e
fundamentalmente, pelos objetos e produtos transformados nas expressões
mais tangíveis da presença e da sociedade em seu ambiente, desde o
momento em que tomam o lugar das coisas naturais” (MOLES, 1975, p. 12).
15Nesse sentido será na produção de subjetividade que os mecanismos econômicos tendem a persuadir o sujeito. Com
efeito, as empresas tornar-se-ão um campo de representação da própria
subjetividade dos indivíduos. Não obstante do mundo atual, as empresas
seriam mais fornecedoras de produtos desejados pela a sociedade e
passariam a atuar como força política de poderosa expressão de nossa
época. Assim, estas não apenas organizam a produção, circulação e
consumo, mas a justificam e a legitimam.
16A
estratégia é colocada em movimento por biopoderes, na visão
foucaultiana, ou seja, o poder das empresas, no capitalismo
contemporâneo, chega à gestão política da vida e controla a consciência,
a mente, o corpo. A finalidade é produzir, através do pulso de desejo
capitalista, um estado de alienação.
17Contudo,
sob a pressão do atual momento histórico, os fatores de competitividade
e lucratividade nunca estiveram tão presente. Estes se tornaram formas
de sociabilidade e o que se constrói é uma sociedade desumana e
concorrencial. A sociedade civil burguesa, síntese das relações sociais
movidas pela reprodução do capital, visa somente acumular e as empresas
usufruem deste paradigma capitalista.
18Nesta
fase do capitalismo só uma coisa é universal, o mercado. Este passou a
administrar não só o paradoxo da fabricação de pobreza como também o da
riqueza.
19Desta forma, as estratégias empresariais mudaram profundamente a maneira de como conquistar alguns segmentos do mercado. Essas
modernizaram as interrelações entre os elementos constituintes das
empresas: produção, administração, marketing, transporte, entre outros; e
permitiram um bom posicionamento no mercado.
« A
empresa controla não somente todo o aparelho da sua produção, que
compreende seres e coisas, mas também controla, de uma forma mais
indireta, os seres e as coisas por intermédio de seu ou de seus
mercados. Quando entra em concorrência com outras empresas, coloca na
balança tudo ou parte de seus trunfos ». (RAFFESTIN, 1993, p. 59)
20Na
estrutura interna do capitalismo contemporâneo, seguindo as
determinações do capital, as empresas souberam utilizar dessas novas
ferramentas para persuadir o consumidor desguarnecido. Isto é, as
empresas utilizam, cada vez mais, das ferramentas da comunicação social
para assegurar os objetivos intencionais, quanto à mercadoria, do que
as realizações proporcionadas. Para Raffestin,
“(...) fizemos
da imagem um ‘objeto’ em si e adquirimos, com o tempo, o hábito de agir
mais sobre as imagens, simulacros dos objetos, do que sobre os próprios
objetos.” (RAFFESTIN, 1993, p. 145)
21Portanto, pode-se refletir que as empresas não existem fora dos consumidores. Estes que são objeto de sua manutenção no mercado. Conforme Marx:
“(...) a produção não produz
somente um objeto para o sujeito. A produção produz, portanto, o
consumo, primeiro fornecendo-lhe materiais, segundo deturpando o modo de
consumo e, terceiro, excitando no consumidor a necessidade dos produtos
colocados por ela como objetos. Logo, ela produz o objeto de consumo, o modo de consumo, e a tendência para o consumo” (MARX, 1977, p. 210).
22Marx,
já apontava que a produção cria os objetos de consumo, e o consumo cria
o sujeito para esse objeto, mas além de criar o sujeito para esse
objeto, na contemporaneidade, o consumo inventa todo espaço que esse
sujeito faz parte. A empresa não cria o objeto (a mercadoria),
mas o mundo onde o objeto existe. Ela não cria tampouco o sujeito
(trabalhador e consumidor), mas o mundo onde o sujeito existe
(LAZARATTO, 2004).
23Assim,
as empresas permitem que o sujeito expresse como sua própria extensão
territorial. De forma que, o território torna-se resultado também, de
ações conduzidas por sujeitos. Neste caso, o valor do território é
existencial: ele circunscreve, para cada um, o campo do familiar e do
vinculante, mas as distâncias em relação a outrem e protege do caos
(DELEUZE, 1997), contudo esse território também é volátil e seu produto
esta relacionado com as vantagens oferecidas pelas empresas ao
consumidor e de como o consumidor se identifica com a empresa. Para
tanto, as empresas trabalham de forma a anular o efeito das
possibilidades do consumidor em reaver seus conceitos sobre aqueles
produtos oferecidos e não perder de maneira nenhuma o território
conquistado para as demais concorrentes.
24Essas
empresas foram assumindo, cada vez mais, o papel de representantes nas
economias capitalistas por meio da internacionalização da produção que o
permitiu a emergência de um mundo globalizado. Desse modo,
apresentar-se-ão no cenário mundial as multinacionais, as quais
contribuíram para que os espaços econômicos nacionais não mais
coincidissem com os espaços geopolíticos dos capitais.
25Para
isto, as companhias mudaram para uma mentalidade internacional e
começaram a dedicar-se a uma intensa estratégia de produção global em
plano a uma política agressiva de penetração em outros mercados
nacionais.
26Além
de dominar o setor de exportações as empresas multinacionais passaram a
investir em unidades de produção e comercialização destes produtos em
outros países, distintos da localização da matriz. Consequentemente, as
empresas ampliaram a presença em outros lugares. Para
Hymer (HYMER, 1983, p. 47), “as grandes empresas dos Estados Unidos
começa-se a deslocar-se para países estrangeiros logo após se completar
sua integração em escala continental” e que “as grandes empresas de
todos os países terminaram, cada vez mais, por ‘ter como habitat o
mundo’” (idem, p. 114). Há exemplo das grandes empresas norte
americanas destaca-se a rede varejista Wal-Mart que vive, na década de
1990, o início do seu processo de internacionalização.
27Para
evitar a derrocada ou falência e garantir a prosperidade, a rede
varejista Wal-Mart preferiu optar pela busca de novos mercados. No
entanto, o processo de internacionalização da empresa, no início da
década 1990, só ocorreu após a rede varejista minar a concorrência e
atestar sua dominação no setor de varejo norte-americano.
“(...) a Wal-Mart só passou verdadeiramente a ter consciência de seu papel influente no varejo no final dos anos 80. Embora
a primeira loja Wal-Mart tenha sido inaugurada em 1962, a superloja
modelo só decolou em 1988 e foi apenas em 1991 que a Wal-Mart – que na
época inaugurava 150 lojas de desconto por ano – ultrapassou a Kmart e a
Sears e se tornou a força mais poderosa no varejo americano” (KLEIN,
2003, p. 156).
28A fase foi marcada pela modernização da estrutura administrativa. As
operações comerciais foram, então, monitoradas por dispositivos
tecno-informacionais que permitiram conectar a rede varejista com os
principais fornecedores e, também, controlar o estoque das centrais de
distribuição. Esta revolução tecnológica ampliou os horizontes da
empresa e a colocou em contato com outros mercados consumidores. Esta
fez uso das estratégias capitalistas para ostentar sua dominação no
setor varejista e se tornar um potencial concorrente nos novos mercados.
29O
processo de internacionalização iniciou-se no México, em 1991. A rede
varejista Wal-Mart em menos de 10 anos, no México, já assumia o cargo de
maior empresa do setor. A política de preço baixo controlou o mercado
e, indiretamente, forçou as pequenas e médias empresas do setor
filiar-se a bandeira norte-americana. A estratégia política da rede
avança pelos principais países da América Latina. Hoje, em 2011, através
do processo de internacionalização da empresa, pode-se encontrar
estabelecimentos da rede, nos seguintes países: Argentina, Brasil,
Canadá, Chile, China, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras,
Índia, Japão, México, Nicarágua e Reino Unido. Como conseqüência, a
empresa, após o processo de internacionalização, multiplicou sua venda
liquida em “equações logarítmicas”.
Gráfico1: Venda líquida por ano fiscal
Fonte: Annual Reports Wal-Mart Stores (1989-2011)
Gráfico 2: Lucro líquido por ano fiscal
Fonte: Annual Reports Wal-Mart Stores (1989-2011)
30O
efeito Wal-Mart atravessou os continentes e os oceanos levando a
cultura capitalista da empresa a mercados que sustentam uma classe média
emergente e um contingente de possíveis consumidores.
31O
professor de história Nelson Lichtenstein, autor do livro “Wal-Mart: The
face of Twenty-First Century Capitalism, da Universidade da Califórnia,
advertiu que em cada período do capitalismo norte-americano encontra-se
um tipo de empresa como padrão, provocando uma revolução nas estruturas
sociais, econômicas e política do mundo capitalista. Desta forma, uma
nova organização do trabalho e da produção, um modelo mais eficiente e
lucrativo e novos acordos entre as diversas classes da sociedade emergem
a exemplo de controlar o mercado capitalista mundial a favor das
empresas.
32Entretanto,
no século XIX, tivemos a presença da Pennsyvania Railroad, maior
empresa de ferrovias norte-americana; no início do século XX foi a vez
da Ford; em meados do século a General Motors seguido pela a Microsoft e
o McDonald’s (SADER, 2005). Agora no início do século XXI, a rede
varejista Wal-Mart aponta como modelo de empresa capitalista. Esta
impõe lógicas de dominação no território e transforma o mundo da
concorrência através de um sistema de produção, de distribuição e de
emprego multinacional e fortemente integrado.
« Esse
é o modelo de empresa capitalista do século XXI, que combina
superexploração dos trabalhadores na periferia do sistema com
superexploração dos trabalhadores imigrantes dentro dos Estados Unidos,
proibição de sindicalização e expropriação dos direitos sindicais,
incluída a proibição de sindicalização » (SADER, 2005, p.40)
33A
rede varejista norte – americana foi capaz de “alterar o zoneamento das
cidades americanas, estabelecerem padrões de salários e até mesmo
conduzir negociações diplomáticas com outros países” (GREENHOUSE, 2004,
p. A28). A empresa exigiu mudanças nas vias de acesso à loja, na
construção de facilitadores urbanos, na instalação de semáforos nas ruas
próximas à unidade, entre outros instrumentos e infra-estrutura
responsáveis para reproduzir a lógica burguesa da rede varejista.
34As
melhorias viárias é fruto de uma relação entre o poder local e o
empreendedor e não uma relação de responsabilidade social. Estas atendem
prioritariamente à reprodução do capital e não às necessidades postas
pela sociedade. O que se conclui que a ordem social é determinada pela
dinâmica econômica.
35Desta
maneira, o gigantismo da rede Wal-Mart, que abastece as residências de
quase 80% das famílias americanas, força os fornecedores a expor seus
produtos nas estantes do varejista. As vendas da companhia Wal-Mart
somam, todo mês: 320 milhões de latas de Coca-Cola, 250 milhões de
litros de água mineral Nestlé e 101 milhões de litros de leite de sua
marca própria, Great Value. Além de representar, como venda dentro dos
EUA, 1 CD ou DVD em cada 5 compradores, 1 tubo de pasta de dente em cada
4, 1 berço de bebe em cada 3, 1 boneca Barbie a cada 2 segundos
(GUROVITZ, 2005). O preço baixo, a qualidade do produto, o atendimento
diferenciado e a garantia de venda aos fornecedores são valores desleais
compartilhados em todas as unidades da rede.
36Uma
corporação poderosa como uma nação, que compra produtos a preço de
banana em países asiáticos, compactuando com trabalho semi-escravo, para
revendê-los garfando suculentas margens de lucro. Uma empresa de
tentáculos gigantescos, capazes de destruir o pequeno comércio e de
espremer cada centavo nas negociações com fornecedores, até levá-los a
bancarrota. Um empregador cruel, que paga os piores salários do mercado,
descrimina mulheres e minorias, desdenha planos de saúde e combate
ferozmente os sindicatos - não há um único sindicalizado entre 1,3
milhões de americanos que trabalham para o Wal-Mart. Um
grupo de fanáticos moralistas, capazes de censurar CDs, filmes e
livros, de proibir remédios legais – como uma versão da pílula do dia
seguinte – e de tentar impor ao resto do planeta a cultura caipira do
Meio-Oeste americano (GUROVITZ, 2005, p. 24-25).
37Na
China, por exemplo: a fábrica da Wal-Mart paga de US$ 0,13 a US$ 0,35
por hora trabalhada, com turno de 10 a 12 horas, entre 6-7 dias por
semana, com condições irregulares: horas extras forçadas, multas severas
pela recusa ao trabalho, sem contrato legal e sem benefícios; os
prédios, sem saída de incêndio, dormitórios sujos e apinhados (KLEIN,
2003)
38Ademais,
a rede varejista Wal-Mart se recusa a vender qualquer material que
possa ferir a integridade da imagem da loja, uma vez que esta acredita
que ser uma loja de família é a essência de seu sucesso financeiro. Segundo
Klein, “o caso mais conhecido envolveu a recusa da cadeia em vender o
segundo disco do Nirvana, In Utero, embora o álbum anterior da banda
tenha recebido quatro disco de platina, por fazer objeção á arte da
contracapa, que retratava fetos” (KLEIN, 2003, p. 191). Diante de uma
perda estimada de 10% (a participação da Wal-Mart na venda de disco nos
EUA na época), a Warner e o Nirvana voltaram atrás e mudaram a
contracapa. Eles também mudaram o título da canção ‘Rape Me
(‘Estupre-me’) para ‘Waif Me’ (‘Abandone-me’). Assim, os produtos de
entretenimento, que representam somente uma fração de seus negócios,
lançam versões higienizadas de seu trabalho e apresentam, para a
avaliação da rede, exemplares que serão comercializados antes de iniciar
o seu processo produtivo. A partir de estratégias pontuais a rede
varejista Wal-Mart construiu o seu império no ramo. Neste setor, em
2005, a “Wal-Mart detém sozinha 47% das vendas gerais das doze maiores
empresas varejistas mundiais” (DUPAS, 2005, p. 95).
39No
Brasil, a alta penetração da rede varejista norte-americana Wal-Mart
estabeleceu uma política forte de concorrência e elevou a disputa entre
as empresas líderes, Carrefou, Pão de Açucar e Wal-Mart. Esta tensão
aumentou a participação do mercado entre as 3 maiores bandeiras frente
aos consumidores. Estas sozinhas controlam, comparada com as 20 maiores
redes supermercadista do país, aproximadamente 75% das vendas liquidas
do setor no Brasil. Dado que o resultado objetivado pela concorrência e
configurado no cenário brasileiro é a acumulação de capital nas mãos de
poucos e, por conseqüência, conduz a um quadro aparente de monopólio. Como
diria Marx “os únicos motivos que põem em movimento a economia política
são a avareza e a guerra entre os ávaros, a competição” (MARX, 1975,
p.158).
40Diante
disso, a intensificação da disputa pelo cliente, exige das empresas
estender os seus tentáculos no solo fecundo do consumo, por meio de suas
estratégias modulares de intervenção, sedução e captura que, a um só
tempo direcionam e padronizam os interesses da sociedade (DELEUZE,
1997). A interceptação desses consumidores parte de um controle, cada
vez menos visível e material e cada vez mais sutil e imaterial
(FOUCAULT, 1989).
41Contudo,
a estratégia de globalização da rede varejista é marginal ao interesses
do grupo. O fortalecimento interno no mercado americano ainda é o
objetivo principal tendo em vista que a menor parcela do valor
arrecadado vem de outros países. Apesar da rede varejista ter quase 40%
das lojas operando fora dos EUA, os 80% de residências abastecidas por
produtos de bandeira Wal-Mart ou produtos vendidos no estabelecimento
desfocam os interesses da empresa em investir no mercado externo.
Também, apesar das crises de 2008 e 2009, é fato considerar que existe
uma disparidade de renda entre os consumidores dos diferentes países
onde a empresa possui sede. Além de considerar o território
norte-americano como um país genuinamente consumista.
42A
rede varejista Wal-Mart transita entre as funções de vendedor de bens de
consumo diários a agente de produção de significados e modos vivendi,
já que imprime no slogan “every day low price” a “oportunidade” dos
consumidores em experimentar o tamanho da força de sua marca. A relação
entre consumo e produto se converte em consumo consumido, onde o
consumidor torna-se produto-objeto e o produto adquiri autonomia frente
ao desejo do consumidor.
43A
trajetória do Wal-Mart aponta também para um esforço de retomada de
praticas sociais calcadas em relações de fidelidade e subsunção que faz
com que a imagem consumidor ideal se ajuste a ilusão confortante de
relações de natureza domésticas ou familiares. As faces de aderência que
se constituem nas relações entre a empresa e o consumidor são
peculiares às formas com que a apropriação da subjetividade se refaz a
cada instante pelas investidas da em empresa em mercados ainda não
cativos.
44Em
suma, estamos inteiramente de acordo com Sader acerca do modelo
político gerencial adotado pela rede Wal-Mart relacionado à combinação
entre superexploração dos trabalhadores, sobretudo migrantes, e as
formas de subordiná-los às regras arbitrárias da empresa, bem como a
assertiva de Marx a respeito da produção do consumo como fator de
excitação, no consumidor, de desejos por objetos que são em si mesmos e
ulteriormente objetos do consumo.