1Nas
últimas décadas o estado brasileiro vive transformações profundas que
possibilitam um sincero amadurecimento nas execuções de políticas
nacionais. Desde o processo de democratização, passando pelo
período neoliberal até o atual estágio, onde política e economia
apresentam-se mais articulados, o estado brasileiro evolui em diversas
áreas, inclusive na social. Contudo, uma questão, fortemente
interligada, parece, ainda, negligenciada de discussões fundamentais
para se alcançar o âmago de um desenvolvimento nacional consistente.
2Os
aparelhos do estado brasileiro ainda não trabalham coerentemente com a
lógica territorial, necessária a qualquer país, principalmente, um de
dimensões continentais. A tese que o Estado perdeu toda a força de
organização dos territórios e, principalmente, nas circulações dos
fluxos de integração espacial, não se confirma devido a uma série de
ações que exemplificam a manutenção e a reestruturação deste poder.
Todavia, estas ações parecem ainda, priorizar uma lógica do capital em
vez de uma lógica territorial (ARRIGHI, 1996), haja vista uma série de
ações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.
3O
presente trabalho tem o objetivo de apresentar a força do Estado
brasileiro nas políticas de ordenamento territorial através de uma das
instituições com maior influência em importantes setores, como o
industrial e o de infra estrutura. A análise busca o entendimento do
BNDES como um possível indutor da política nacional de desconcentração
produtiva e, por conseguinte, da desconcentração de desenvolvimento
econômico e social.
4Esta
política de desconcentração regional baseia-se nas intensas
desigualdades existentes entre as macro regiões brasileiras, construídas
ao longo de décadas de investimentos que corroboraram as diferenças
econômicas e sociais. O próprio BNDES é um dos responsáveis pelo
incremento das desigualdades regionais ao longo da segunda metade do
século XX.
5Com o
intuito de compreender a lógica territorial do BNDES foi analisado o
período entre 2002 e 2009, quando o governo brasileiro assumiu
claramente um discurso de investimentos sociais e de diminuição das
desigualdades regionais. Este período foi comparado aos 50 anos de
financiamentos do banco ao longo de diferentes políticas nacionais.
6Ao
longo de 50 anos (1952 – 2002) o BNDES solidificou-se como uma das
principais instituições públicas na construção de um ordenamento
territorial com bases, na maioria das vezes, em políticas
desenvolvimentistas. A importância do BNDES pode ser descrita, de
maneira geral, em três pontos:
7Trata-se
de uma instituição pública, nascida e consolidada através de diferentes
fontes de recursos provenientes do povo brasileiro, como o imposto de
renda, o PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa de Formação
do Patrimônio do Servidor Público) e, atualmente, o FAT (Fundo de Amparo
ao Trabalhador). Todos utilizados para financiar diversos setores
produtivos que possuem grandes implicações no território nacional.
8A
grandeza alcançada pela instituição ao longo de 50 anos (1952 – 2002),
abrindo um enorme leque setorial com possibilidades de financiamentos a
partir dos volumosos recursos do banco. Com a soma de R$500 bilhões
desembolsados nos 50 anos fica clara a posição do BNDES como um dos
principais instrumentos do ordenamento territorial.
9O
fato de ser uma instituição definida como a principal promotora do
desenvolvimento do Brasil, bem como a fonte dos principais programas de
ordenamento territorial, como o “Avança Brasil” e o “Programa de
Aceleração do Crescimento”, que busca concomitante o desenvolvimento e a
diminuição das desigualdades regionais.
10Contudo,
no decorrer dos 50 anos, as transformações não foram muito
significativas quando comparamos a desconcentração dos investimentos e
diminuição das disparidades espaciais. Do total desembolsado pelo banco
estatal, no referido período, o estado de São Paulo foi o grande
beneficiário, respondendo sozinho com 30% do total. Não é por acaso que o
estado se apresentou como o grande concentrador da principal região
brasileira (Sudeste) nas cinco décadas. Essa concentração paulista
torna-se ainda mais efetiva quando percebemos que o Rio de Janeiro,
segundo lugar nos financiamentos totais, concentrou 12% dos recursos do
BNDES. Esses dois estados, somados ao estado de Minas Gerais, terceiro
colocado, com 11%, sublinham à forte concentração da região sudeste. Com
9% dos financiamentos, o estado da Bahia apresentou-se como uma espécie
de outdoor da região nordeste, sendo claramente um dos estados
que apresentou o maior grau de concentração no interior de sua própria
região. Pernambuco, que apareceu em segundo lugar na região nordeste, é o
único que alcançou a taxa de 2%, deixando apenas 1% para cada um dos
outros estados, escamoteando, dessa maneira, a noção de desconcentração
regional (SILVA Jr. 2009).
11Por
fim, as regiões norte e centro oeste ficaram restritas a determinados
empreendimentos ou setor econômico. A região norte recebe investimentos
muito concentrados, principalmente nos setores de infra estrutura como
grandes hidrelétricas, que possuem um custo social bem elevado. Já a
região centro oeste possui uma dependência crônica do setor
agropecuário, pois, quando por motivos diversos - climáticos, por
exemplo – este setor sofre algum dano, os volumes destinados à região
imediatamente tornam-se diminutos. Além da concentração regional, ocorre
também uma concentração setorial, que não recebe atenção do poder
público para que possa ser revertida.
12O
ano de 2002 foi um marco na história política do Brasil com a eleição de
Luiz Inácio “Lula” da Silva, um símbolo da classe proletária no país.
Além do reforço na democracia brasileira o novo período era desenhado
através de uma nova perspectiva econômica e social, haja vista a grande
presença de ideólogos que defendiam idéias desenvolvimentistas através
do fortalecimento do Estado. A indicação do economista e professor
Carlos Lessa para a presidência do BNDES foi um dos principais
indicadores das transformações que eram propostas, apesar da mudança no
comando do banco em 2005. Esta transformação foi seguida por mudanças na
organização interna da instituição, “resultado de uma nova visão de
modelo de banco de desenvolvimento” (BNDES, Relatório Anual, p. 28,
2005).
13Em
um período de doze anos com políticas neoliberais (1990 – 2002), houve
ênfase na abertura econômica e na diminuição do poder do Estado
brasileiro. Esta ênfase ocorreu através do processo de privatizações,
onde o BNDES configurou-se também como peça chave, por vezes financiando
futuros compradores. Com a eleição de 2002 e o discurso de um “novo”
desenvolvimento crio-se grande apreensão nos principais atores do país.
14Contudo,
no BNDES ocorreu uma diminuição no total de investimentos desembolsados
no primeiro ano do novo governo. Em 2003 foram desembolsados cerca de
R$34 bilhões, ou seja, valor abaixo dos R$46 bilhões em 2002 e dos R$36
bilhões nos anos de 2001 e 2000. Nesta primeira mudança, entre 2002 e
2003, o setor mais afetado foi do de infra estrutura com uma variação
negativa de 27%, seguido do setor de educação e saúde com variação
negativa de 11%. Já no aspecto regional, a concentração manteve-se no
mesmo padrão, ou seja, investimentos que priorizavam a denominada região
concentrada (SANTOS, 2000). Observe a tabela a seguir:
Desembolsos do BNDES por regiões brasileiras (em R$ mil e em percentual)
Regiões
|
2001
|
2002
|
2003
|
Norte
|
859.696 / 3%
|
1.880.842 / 5%
|
712.056 / 2%
|
Nordeste
|
3.334.224 / 13%
|
3.783.724 / 10%
|
3.112.239 / 9%
|
Sudeste
|
14.493.742 / 57%
|
23.073.648 / 62%
|
20.036.124 / 60%
|
Sul
|
4.825.463 / 19%
|
6.091.783 / 16%
|
6.841.930 / 21%
|
Centro-Oeste
|
1.703.399 / 7%
|
2.589.274 / 7%
|
2.831.241 / 8%
|
Fonte: Relatório Anual do BNDES – 2003.
15A
tabela apresenta a região concentrada (sudeste e sul) com 76% dos
investimentos em 2001, 78% em 2002 e com 80% em 2003, corroborando com a
concentração espacial. Já a região nordeste, ícone da
desigualdade no Brasil e pólo dos discursos de desconcentração
sócio-econômica, sofreu perda, mesmo que pequena. Já a região
centro-oeste mostrou-se a mais equilibrada ao longo desses três anos,
clarificando uma íntima relação com o setor agropecuário.
16Nos
anos subseqüentes o valor dos desembolsos seguiu um padrão de
crescimento, mesmo em anos de menor crescimento da economia brasileira,
ou mesmo no período da crise internacional entre 2008 e 2009 (NASSIF,
2006). Neste aspecto a prática se igualava ao discurso fazendo com que
um dos principais indutores do financiamento econômico e social
aumentasse sua participação na grande diversidade de setores econômicos.
Cabe mencionar, que os retornos dos investimentos do BNDES também
batiam recordes no montante de capital acumulado pela instituição. Desta
maneira, o banco foi um dos principais articuladores do Programa de
Aceleração da Economia (PAC), principal programa do governo federal na
consecução de um desenvolvimento econômico gradativo e sustentável. O
gráfico a seguir apresenta a evolução dos desembolsos do BNDES no
período estudado.
Desembolsos do BNDES no período 2002 – 2010 (em bilhões).
Fonte: Relatório Anual do BNDES (2003 – 2009)
17Apesar
do elevado crescimento nos valores desembolsados pela instituição, a
desconcentração produtiva manteve-se tímida, sem maiores transformações
com os períodos anteriores. A manutenção desta estrutura é sempre
apoiada no argumento dos setores produtivos, com ênfase ao setor
industrial. No biênio 2004 / 2005 o volume de investimentos para o setor
industrial possuiu uma variação positiva de 49%, configurando-se com
cerca de 50% dos desembolsos do BNDES em 2005. Os setores de
comércio/serviços obteve variação positiva de 22% seguido pelo setor de
infra estrutura com variação positiva de 13%. O único setor, dentre os
principais, que retrocedeu foi o agropecuário com variação negativa de
41%. Tal variação negativa refletiu diretamente nos volumes destinados a
região centro-oeste, como explicitado no relatório de 2004: “Quanto à
região Centro-Oeste, a explicação para a queda nas aprovações também
deve ser atribuída às condições climáticas adversas, que reduziram
fortemente os investimentos da região.” (BNDES [Relatório Anual], 2004,
p.24).
18O
sudeste que, historicamente, sempre foi a região mais privilegiada no
volume dos investimentos e por isso possui um maior peso na estrutura
industrial do país, continuou a liderar os desembolsos do banco neste
período. Desta forma, a região sudeste obteve efetivo crescimento de
investimentos, saindo dos R$21 bilhões em 2004 para R$28,7 bilhões em
2005, representando uma variação positiva de 35%. Na mesma toada
apresentou-se a região sul; enquanto em 2004 a região foi beneficiada
com R$8,7 bilhões em 2005 obteve a soma de cerca de R$10 bilhões, ou
seja, variação positiva de 10%. Já as regiões norte e centro-oeste
obtiveram variações negativas de 17% e 37%, respectivamente. Como já
referido, este desempenho, principalmente da região centro-oeste deixa
claro a dependência desta área com o setor agropecuário.
19Contudo
foi significativa a variação positiva da região nordeste em 39%, a
maior registrada neste período. A região saltou de R$2,5 bilhões em 2004
para R$3,9 bilhões em 2005. Neste caso, podemos observar uma
perspectiva de transformação, ainda que incipiente e, sobretudo, já
registrada em períodos anteriores. Em
estudos anteriores (SILVA JR., 2009) tal crescimento já foi observado,
todavia, a sua manutenção não perdurou mais do que alguns poucos anos. Além
disso, ocorreu significativa concentração no interior da região, como é
o caso do estado da Bahia que sempre acumulou mais da metade dos
investimentos direcionados para a referida região.
20O
padrão de investimentos segue praticamente o mesmo, talvez com o setor
de infra estrutura caracterizando a principal transformação, haja vista o
seu efetivo incremento, praticamente igualando-se ao setor industrial
no volume de desembolsos (NASSIF, 2006). O Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) configura-se como instrumento condutor do crescimento
deste setor, sendo dividido nas seguintes áreas: Energia, Logística,
Social & Urbano e Administração Pública. Foi também através do PAC o
maior incremento de investimentos inter regionais, respondendo com 10%
de todo o investimento diretamente relacionado com o PAC. Cabe
ressaltar, que no ano de 2008 do total de R$92 bilhões desembolsados
pelo BNDES R$23 bilhões estavam diretamente relacionados com o Programa
de Aceleração da Economia.
21Nos
três últimos anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva as
conformações regionais pouco foram alteradas. Este fato iluminou o
descompasso entre os discursos desenvolvimentistas e a prática de uma
das principais instituições com função de desenvolvimento regional
igualitário, como pode ser observado na tabela a seguir.
Desembolsos do BNDES no período 2008 – 2010 (em bilhões e em percentual).
Regiões
|
2008
|
2009
|
2010
|
Norte
|
5.345.289 / 5%
|
11.267.003 / 8%
|
11.748.089 / 7%
|
Nordeste
|
7.600.345 / 9%
|
22.102.188 / 16%
|
17.211.537 / 10%
|
Sudeste
|
51.647.345 / 56%
|
71.720.571 / 52%
|
97.971.472 / 58%
|
Sul
|
17.457.201 / 19%
|
20.969.817 / 16%
|
30.126.402 / 18%
|
Centro Oeste
|
9.902.473 / 10%
|
10.712.520 / 7%
|
11.367.289 / 7%
|
Fonte: Boletim Trimestral do BNDES – 2009 / 2010
22As
informações clarificam a manutenção de uma configuração espacial
concentrada, mesmo com um significativo aumento dos investimentos em
setores como o de infra-estrutura. Contudo, o setor industrial
continua a liderar o total de desembolsos do BNDES. A região
concentrada, a mais importante no processo produtivo industrial, mantêm
uma elevada porcentagem de investimentos, tendo no ano de 2009 a menor
concentração com 68% dos desembolsos do banco. Foi também neste ano que a
região nordeste atingiu a maior quantidade de investimentos,
igualando-se, percentualmente, a região sul. Cabe ressaltar, que entre
os financiamentos para a região nordeste, destaca-se a linha de crédito
para o GASENE, que formado por uma ligação de gasodutos entre as regiões
nordeste e sudeste.
23Já
no ano de 2010, os investimentos para a região concentrada atingem um
elevado patamar, resultando no retorno, já anunciado, da região nordeste
para um volume inferior ao da região sul. Já as regiões centro oeste e
norte são tradicionalmente dependentes de alguns setores, como o
agropecuário e o de energia, respectivamente.
24A
partir da concentração espacial dos financiamentos concedidos pelo
BNDES, existe outra forma de concentração espacial que, na maioria das
vezes, encontra-se à sombra dos dados preliminares. Significa dizer que o
financiamento de uma grande empresa no Nordeste pode esconder um dado
de concentração extremamente desigual no processo de ordenamento
territorial: a concentração do capital. A empresa financiada em regiões
pouco beneficiadas pode na verdade ser inteiramente ligada às empresas
das regiões mais beneficiadas e desenvolvidas. Esta prática, por vezes,
foi incentivada para que o processo de modernização atingisse as áreas
mais deficientes.
25Dessa
forma, a simples alocação das empresas subsidiárias seria motivo de
alarde, principalmente pelos governos locais, de inserção destas áreas
ao mundo do progresso e da modernidade. Ocorreu uma ampla instalação de
fábricas nas regiões menos favorecidas, aproveitando-se de inúmeros
benefícios, tais como mão de obra mais barata, recursos naturais e,
principalmente, isenções ficais. Este fato corroborou com a “guerra dos
lugares”, onde os principais beneficiados são as grandes empresas em
detrimento, na maioria das vezes, do espaço que as recebe.
26Esta
idéia se torna mais nítida ao destacar a distribuição espacial dos 300
maiores Grupos Empresariais que atuam no território brasileiro.
Distribuição Espacial dos 300 maiores Grupos no Brasil
Fonte: Gazeta Mercantil, Anuário 2006.
27A
partir da tabela podemos tecer as seguintes considerações: em primeiro
lugar, a grande concentração, em números absolutos, nos estados do
Sudeste, que mais uma vez são encabeçados por São Paulo. Esta
unidade da federação mantém sua supremacia aglutinando mais do que o
dobro de grupos existentes no estado do Rio de Janeiro. Estes dois
estados somados com Minas Gerais alocam mais de 200 grupos do total de
300, confirmando o poder econômico da região. O Espírito Santo aparece
mais uma vez bem aquém da média da região. Os estados da região sul
corroboram o seu poderio aglutinando 54 grupos, bem como sua relativa
igualdade interna, estabelecendo uma diferença de apenas 18 grupos entre
o Rio Grande do Sul, primeiro da região, e Santa Catarina, terceiro da
região. Já a região nordeste apresenta mais uma vez a Bahia como estado
com a maior concentração, sendo que todos os demais estados alcançam,
somados, a mesma quantidade de 9 grupos.
28Sendo assim, a distribuição dos 300 maiores grupos vai de encontro com a distribuição dos financiamentos do BNDES. Os
dois dados mostram a ampla concentração mantida pela região sudeste,
tendo São Paulo também como principal beneficiário, bem como apontam
para a concentração na Bahia, confirmando a idéia que o BNDES financiou
um milagre econômico baiano (SILVA JR., 2004, p. 176). Será que essa semelhança dos dados é meramente casualidade.
29Na
evolução dos cerca de 60 anos de atuação do BNDES, duas características
sublinham o processo de pseudodescentralização e aumento da concentração
do poder financeiro. A primeira é a forte concentração econômica e
política exercida por pontos específicos do país, notoriamente
consolidados em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A segunda é que a
partir da década de 90 do século XX existe o acirramento da concentração
capitalista em poucos grupos. Estes grupos, historicamente, foram
beneficiados com o modelo capitalista de desenvolvimento implementado no
Brasil a luz da concepção de tripé produtivo. Todavia, o “pé” do Estado
brasileiro é vislumbrado como mantenedor de um status quo onde o capital privado, como os Grupos Camargo Correa e Votorantim são os grandes beneficiados.
30Por
fim, cabe ressaltar o relevante papel na gestão dos recursos públicos
de um grupo cada vez mais atento as inovações capitalistas: o estamento.
O Brasil patrimonialista (FAORO, 2001)
perdura ao longo dos anos, bem como das novas configurações do Estado. O
estamento pode ser compreendido também como uma “nova” classe social,
segundo João Bernardo (BERNARDO, 1991), a classe dos gestores. Esta
classe não possui um lugar fixo atuando concomitantemente na iniciativa
privada e no poder público. Independentemente, contudo, de onde os
gestores atuam, a lógica seguida se faz muito próxima, havendo inclusive
uma plotagem das atuações, que resulta em uma nova aliança entre
classes. Neste sentido, os gestores da iniciativa privada traçam
estratégias a fim de aumentarem suas áreas de ações, mantendo o poder
decisório agregado em seletos pontos. Geralmente, tais pontos são as
unidades da federação detentoras de força econômica. Os gestores
localizados nos aparelhos do Estado, no caso aqui o BNDES, administram
os recursos de maneira a garantir a concentração do poder através de uma
lógica do capital e sempre escamoteado pelo argumento
desenvolvimentista.
31O
Brasil possui a tradição de pensar o seu desenvolvimento,
prioritariamente, nos grandes projetos nacionais, negligenciando que,
muitas vezes, a grandiosidade do desenvolvimento poderia ser pensada a
partir de soluções consideradas pequenas, porém muito mais igualitárias.
Os grandes projetos nacionais transformaram-se muitas vezes em uma
territorialidade alienígena, apropriada por seletivos grupos econômicos (Santos,
2000). Na maioria das vezes quem se beneficia desses grandes projetos
são unicamente as grandes corporações, seja do setor de mineração,
química, celulose ou mesmo as empreiteiras, que lucram valores
exorbitantes a partir da demanda criada e dos créditos disponibilizados.
32O
período analisado (2003 – 2010) de investimentos do BNDES ressalta a
manutenção territorial construída ao longo de mais de 50 anos de atuação
da instituição. Mesmo com toda a transformação política ocorrida no
período, com ênfases no aumento da participação do estado na política
social e econômica do país, a configuração espacial manteve-se a mesma. A
desconcentração econômica ainda não ocorreu e a instituição que possui
uma real importância na indução do desenvolvimento do Brasil mostra-se
ainda ineficiente no papel de propor novas configurações regionais. Tal
ineficiência é sublinhada quando, repetidamente, é indicado nos estudos
do BNDES (relatórios anuais, boletins, informes, dentre outros) a sua
função de descentralização dos investimentos, como é descrito na
seguinte ideia: “Além disso, o banco deve ser um instrumento democrático
de crédito, acessível também às micro, pequenas e médias empresas e às
regiões menos favorecidas do país, de modo que possa ser efetivamente o
“Banco do Desenvolvimento de Todos os Brasileiros”.” (BNDES [Relatório Anual] 2005, p.28).
33Outra análise que cabe aprofundamento são os atores que mais se beneficiam com os investimentos, bem como a ampliação da atuação
do banco. Iniciado somente como indutor de restritas áreas, atualmente o
BNDES possui um leque de investimentos que ultrapassam as fronteiras
territoriais brasileiras. A apropriação dos volumosos recursos públicos –
FAT – requer uma discussão urgente sobre o Estado brasileiro e sua
lógica territorial. Os Donos do Poder são cada vez mais persuasivos na
conquista de novos espaços, seja no território brasileiro, seja no
interior dos aparelhos estamentais. Creio ser fundamental o engajamento
de maior parcela da sociedade nas discussões críticas sobre
desenvolvimento que se pretende.
34A
Geografia não deve negligenciar a análise de importantes atores, como o
BNDES, na construção de um modelo de ordenamento territorial do Brasil
extremamente seletivo, direcionado basicamente para os detentores de
poder político e econômico. Por isso, é de
fundamental importância procurar entender essa geografia do poder, de
maneira que, com consciência, busquem-se alternativas mais igualitárias
de desenvolvimento sócio-espacial.